Entrevista: O livro que mostra o lado mais pessoal de 21 chefs

O livro que mostra o lado mais pessoal de 21 chefs
João Wengorovius, autor de «We,Chefs - O Livro».
João Wengorovius deixou a presidência da agência de publicidade BBDO para abrir a sua empresa de consultoria em marketing. No meio tempo entre etapas, dedicou-se a uma outra paixão: a cozinha. Dessa aprendizagem resultou o livro "We, chefs", que convida a entrar na esfera mais pessoal de alguns dos maiores cozinheiros da nossa atualidade.

Decidiu levar a sua pausa sabática na publicidade mais longe e foi estudar gastronomia para a Escola do Alain Ducasse, em Paris. Foi o realizar de um sonho antigo ou a concretização de uma paixão que foi ganhando espaço na sua vida?
Nunca sabemos muito bem quando é que este interesse pela comida e pelos sabores começa. Se foram as fatias de bolo finto alentejano que eu e os meus primos colocávamos a torrar nos cantos do fogão a lenha na casa dos meus avós, se foram as tangerinas que apanhava no topo da árvore depois de saltar o muro da horta. Se os queques que vendiam numa pastelaria em frente à escola. Se as azedas que apanhava pelo campo. Se a sopa de peixe que a minha mãe sempre fez tão bem… Sei que aos meus 20-e-poucos anos tive a oportunidade de ir viver para Londres e que nessa altura comecei a ir cada vez mais a restaurantes, a experimentar coisas novas, a ler livros que revelavam um lado da gastronomia que eu até aí não conhecia: uma cozinha sofisticada, criativa e com uma estética cuidada. Fui sempre cozinhando e explorando o tema mas só vinte anos mais tarde é que decidi largar o que fazia para poder ir finalmente aprender as bases de uma cozinha profissional.

Foi complicado para alguém que se habituou a chefiar e a tomar decisões integrar a hierarquia da cozinha – sobretudo quando se tem de começar por baixo?
Foi muito diferente, mas já sabia que iria ser assim. Em qualquer área, começar por baixo é muito saudável. Não há outra forma de aprender. O meu livro fala disso mesmo: da importância de não saltar etapas, do percurso que é preciso percorrer até encontrarmos a nossa voz, até conseguirmos exprimir o nosso ponto de vista de uma forma reconhecidamente original e com consistência.

O livro nasceu desta experiência e das viagens que fez posteriormente para se sentar às mesas dos grandes chefs contemporâneos. Tinha esse plano definido desde o início ou foi algo que surgiu a posteriori?
Partilhar uma refeição tem algo de simbólico que eu queria aproveitar. Por isso a minha ideia desde o início foi fazer estes almoços com os chefs. A verdade é que à mesa as conversas fluem mais naturalmente, sem agenda predefinida. Não é fácil, no entanto, reunir toda esta gente nestas condições, como se pode imaginar, e por isso o projeto durou quatro anos a ser concluído.

Foram 21 chefs, 21 refeições, 21 momentos. Como chegou até esse número, a essas pessoas?
O livro trata de perceber o que há de único entre os chefs mas também o que eles têm em comum. Como encaram o tema da originalidade, da identidade, como asseguram a consistência com standards elevados, como continuam a progredir. Isto implica uma análise transversal de uma quantidade significativa de chefs. Procurei assegurar uma amostra representativa de diferentes geografias e abordagens. No final escolhi 21 mas por nenhuma outra razão que não esta.

Além das conversas, o registo fotográfico também é seu. O que nos continua a escapar, ao meio mundo que hoje acompanha post a post as criações, as inquietações e as vivências dos chefs nas redes sociais, sobre os bastidores das grandes cozinhas?
We, chefs é na realidade um livro dentro de um livro. Tem 21 conversas com os chefs e 33 palavras-chave sobre temas que vieram várias vezes ao de cima nessas reflexões. Elas ligam-se entre si numa sequência que ilustra as etapas percorridas até se chegar à autoria e tudo o que se passa a seguir. Como andar para a frente e não cair na tentação de apenas repetir a mesma fórmula de sucesso. A primeira dessas 33 palavras-chave é «open», usando a cozinha aberta como metáfora dos dias de hoje, do mundo aberto onde tudo se sabe e se partilha, onde não há não receitas secretas, segredos ou bastidores. Quem vai a um restaurante destes provavelmente já viu tudo nas redes sociais, já leu as críticas, já conhece os pratos. E no entanto, quer ser surpreendido, experimentar algo pela primeira vez. E a verdade é que somos surpreendidos apesar de tudo isso. Porquê? No livro, a propósito disto mesmo, cito José Luís Peixoto quando ele nos lembra que «viver é muito diferente de ver viver». Uma coisa é ver o que os chefs publicam, outra é passar pela experiência real, física, sensorial e intelectual daquilo que eles fazem. Porque tudo conta: a pessoa com quem estamos, o timing, a nossa disposição nesse dia, a textura de um prato, os aromas.

Como vende o seu livro a alguém que julga já estar tudo dito e mostrado sobre os chefs-estrela?
O livro não é sobre receitas, mas sim sobre a importância de pensar diferente. É sobre a procura da originalidade a partir de um conhecimento do mundo e de nós próprios. Os chefs são um veículo para nos ajudar a refletir sobre isso. O desejo de passarmos por esta vida deixando uma marca, exprimindo a nossa singularidade em algo que faz a diferença e de que nos orgulhamos, não é apenas dos cozinheiros. Nesse sentido, este livro não é só para foodies, apela também a todos os que valorizem o tema da criatividade, que procuram ser «autores» em tudo o que fazem, mesmo que nem sequer saibam cozinhar um ovo. Porque, como diz o chef Daniel Humm, «Se queremos criar algo único é importante que busquemos inspiração em algo fora do nosso próprio mundo».

 

‘We, chefs’ – o livro
Tem formação em gestão e uma carreira sólida na publicidade, mas Wengorovius sempre gostou de fotografia e de cozinha. Juntou estas duas paixões num período sabático, com muitas viagens pelo meio, que lhe permitiu reunir em 500 páginas as conversas com 21 dos maiores chefs da nossa atualidade. O livro custa 90 euros e pode ser comprado online em wechefsbook.com e em amazon.co.uk ou nas livrarias da editora Sistema Solar.

 

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