Eunice Maia: “A cultura contra o desperdício é o nosso legado”

Eunice Maia, autora do livro "Desafio Zero" e fundadora das lojas Maria Granel. (Fotografia: Gustavo Figueirdo/DR)
Eunice Maia, criadora da primeira loja “zero waste” e mercearia biológica a granel em Portugal, lançou o livro “Desafio Zero”, um guia para reduzir o desperdício que se produz, mas também um convite a uma reflexão sobre a nossa cultura.

Qual é o público da mercearia Maria Granel?
Estamos em dois bairros tradicionais de Lisboa, Alvalade e Campo de Ourique, e temos um público transgeracional. Tanto entram na loja pessoas mais velhas que vêm pelo fator nostálgico, pela viagem pelos aromas do café e dos cartuchos – muita gente tem essa memória olfativa, é muito bonito. Depois temos fregueses mais jovens. Mas quem mais nos procura são sobretudo mulheres entre os 25 e os 40 anos. Também temos, ao fim de semana, muitas famílias.

Como chegou até à loja?
Nós estudamos muito bem o mercado durante dois anos e detetamos a necessidade de comprar sem embalagem e também de escolher a quantidade, que é um fator poderosíssimo do qual as pessoas nem se apercebem. Se vão gastar só 100 gramas, porque é que vão levar uma embalagem de um quilo? Conhecíamos bem o que estava a ser feito na Europa e nos Estados Unidos e achamos que estava na hora de o introduzir em Portugal e foi um risco, por ser pioneiro.

Quais foram as dificuldades?
Foram vários desafios, a começar pela legislação, que em Portugal é bastante restritiva e obsoleta, porque parou no sistema de granel dos anos de 1970/80. Mas em 2017, produziu-se um decreto-lei completamente descontextualizado e em contraciclo com a Europa, que impõe a pré-embalagem do arroz. Outro desafio foi criar laços com os fornecedores, porque o mercado não tinha no seu ADN a vertente de acondicionamento para o granel. Tivemos que trabalhar com eles para que os produtos chegassem sem plástico ou em embalagens de grandes dimensões. Fomos tendo pequeninas vitórias, como conseguir a reutilização.

Que impacto teria o granel caso se tornasse uma cultura?
Se conseguirmos criar essa cultura contra o desperdício, vamos contribuir para aproximar comunidades, recuperar laços de proximidade com o comércio tradicional, estamos a falar de afetos também. Quando começamos a olhar o lixo como recurso, estamos a despertar para uma conexão. Não só connosco mas com aquilo que nos rodeia, é uma questão de amor para com a nossa casa, para com os outros, é o nosso legado. Quando a editora me convidou para escrever o livro, senti que podia prolongar o que já fazemos na Maria Granel. Era importante que houvesse um guia que pudesse auxiliar as pessoas.

Qual é principal desafio de quem quer entrar nessa missão pessoal de reduzir o desperdício?
Para já, é começar. Porque arranjamos imensas desculpas e afastamo-nos da ideia porque achamos que somos impotentes para mudar o que está a acontecer no mundo. Também pode ser um obstáculo sentir que há um certo radicalismo na ecologia. Temos que dar pequenos passos. Pode fazer sentido para certas pessoas que seja uma mudança radical, mas para outras pode ser uma caminhada lenta, incorporando pequenos gesto na sua rotina.

Um guia para reduzir o desperdício

“DESAFIO ZERO – Guia prático de redução de desperdício dentro e fora de casa” é o livro que Eunice Maia tem andado a apresentar pelo país. Tem prefácio de Bea Johnson (uma das autoras pioneiras do movimento Zero Waste) e Ana Pêgo (bióloga marinha, autora do livro “Plasticus Maritimus”) e pode encontrá-lo à venda nas livrarias e na loja Maria Granel. Ed. Manuscrito, 296 pág, PVP 19,90 euros




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