Tudo o que é preciso saber sobre queijos artesanais

Quando se fala de queijos, praticamente não há meios-termos: ou se ama ou se odeia. Mas quantos sabem, de facto, distinguir um bom produto, obtido de forma artesanal, de um sucedâneo apenas sofrível?

«É um dos grandes embaixadores do país, mas isso não se traduz economicamente», começa por dizer José Matias, diretor executivo da Casa Matias, em Carragosela (Seia), descendente de uma família ligada há quase duzentos anos à produção do queijo da Serra da Estrela.

Das muitas dezenas de queijos feitos em Portugal a partir do leite de ovelha, vaca e cabra, o Serra da Estrela é, tirando os de Azeitão e de Serpa, e ainda assim com as devidas distâncias, o mais conhecido de todos; dentro e fora de portas. Pena é, como realçou José Matias, que esse reconhecimento não seja sinónimo nem de conhecimento efetivo nem de dividendos.

Só em Seia, um dos dezoito concelhos onde se produz queijo da Serra da Estrela DOP (ou seja, certificado), são cada vez mais as queijarias industriais que optaram por produzir o queijo de Seia, disponível a um preço muito mais competitivo em qualquer grande superfície de norte a sul do território nacional, mas que não é a mesma coisa. Outro engano frequente, mas mais grave por fazer passar gato por lebre, é o queijo tipo serra, que usa leite vindo de Espanha e, para não falar no resto, um coagulante artificial.

Um Serra da Estrela legítimo – não há volta a dar – só pode usar três ingredientes: leite cru de ovelha da raça bordaleira (uma raça autóctone que produz um leite com alto teor de gordura e caraterísticas únicas que lhe vêm das pastagens), flor de cardo (planta da família da alcachofra cujos estames de cor lilás são usados para coalhar naturalmente o leite) e sal marinho. Estes são também, não por acaso, pois o parentesco é assumido, os mesmos do queijo de Azeitão, com a diferença, como frisa Rui Simões, mestre queijeiro da premiada Queijaria Simões, na Quinta do Anjo (Palmela), que neste último se pode trabalhar com diferentes raças de ovelhas – mas os seus pastos têm de ficar na serra da Arrábida – e usar outro sal que não o marinho.

Custos da certificação

A mudança da legislação trouxe francas melhorias nas condições de higiene, inclusive através da fixação de normas para a classificação sanitária, mas tornou incomportável o negócio, devido aos custos de certificação e da matéria-prima, para muitos pastores e queijeiros. Se somarmos a falta de união entre produtores e a escassez de apoios – Celorico da Beira, autoproclamada de Capital do Queijo da Serra da Estrela, é uma rara exceção à regra -, então torna-se compreensível a redução drástica dos rebanhos e das queijarias artesanais.

E não só na Serra da Estrela. Ficaram os empresários que se souberam modernizar, como a Casa Matias, mas que lutam com os números: a média de ovelhas por rebanho é agora de cinquenta, sessenta cabeças na região, já a média de leite retirado a cada animal por ordenha (têm de ser feitas duas por dia) ronda os cerca de 800 ml. Para se produzir um queijo de um quilo são precisos cinco litros de leite, mais 0,2 gramas de cardo e 14 gramas de sal por litro de leite, mais a mão de obra, o tempo de cura mínimo de quarenta dias e mais uma série de outras coisas que levam a que, no final, o preço do quilo do queijo Serra da Estrela não possa ser inferior aos 20 euros. Não é, nem poderia ser, barato, mas os hipermercados (que adquirem os produtos por consignação e tardam a pagar) criam no consumidor uma visão falsa e uma relação desajustada com o queijo artesanal.

O queijo de Azeitão da Queijaria Simões, que produz um outro de ovelha curado não certificado, requeijão e manteiga de ovelha, é vendido a um preço mais abordável, entre os 7 e 8 euros, mas Rui Simões, que trabalha com as grandes superfícies e gostaria de aumentar a fatia do mercado de exportação, eliminou os custos de distribuição – faz venda direta ao público e aos grossistas.

A Casa da Ínsua, um solar barroco convertido em hotel de cinco estrelas em Penalva do Castelo, a 25 quilómetros de Viseu, também descartou a distribuição, pois toda a sua produção de Serra da Estrela é para consumo interno e para venda aos visitantes. Quem se hospeda nesta unidade, a primeira fora de Espanha a integrar a rede dos Paradores, sabe que o pacote, além dos salões históricos e dos jardins à francesa e à inglesa, inclui um museu, vinhas, um pastor com rebanho de ovelhas bordaleiras e uma queijaria onde se fazem, à vista de todos (através de vidros), um DOP com a marca Casa da Ínsua.

À frente da parte agrícola da propriedade, o engenheiro José Matias (que não é o da Casa Matias), apaixonado pelo tema, é o primeiro a alertar para as dificuldades do setor, embora saúde pequenas vitórias como o facto de, desde janeiro, os queijos tipo serra serem obrigados a declarar no rótulo a origem do leite, por exemplo.

Fabrico artesanal em Vinhó

Não basta, mas pode ser um alento extra para produtores mais recentes, como é o caso do antigo ministro Jorge Coelho, que abriu um negócio de fabrico artesanal de Queijo Serra da Estrela numa aldeia perto de Mangualde, onde nasceu, ou do casal Luís e Lurdes Perfeito, que investiu na aquisição de várias quintas à volta da aldeia de Vinhó, Gouveia. O projeto Madre de Água, que inclui um pequeno hotel rural com restaurante, nasceu da vontade do casal em aqui criar infraestruturas modernas, mas totalmente sustentáveis, para acolher animais (só cães são mais de sessenta), produzir vinho, ter cavalos da raça lusitano e fazer os seus queijos.

Tudo começou quando aceitaram ficar com um rebanho de sessenta ovelhas bordaleiras. Uma coisa levou à outra e, atualmente, contam 450 ovelhas, mais 150 cabras, ao cuidado de seis pastores (à frente, o experiente Jorge Lima), mantidas com um desvelo que nos deixa de coração cheio. Falamos de animais mais saudáveis, mais felizes e mais eficazes (algumas fêmeas dão mais de dois litros de leite por dia) e, desde fevereiro de 2015, de uma queijaria própria, projetada pelo gabinete Palmer & Grego. Dela estão a sair, sob a supervisão da engenheira alimentar Cecília Henriques, para o mercado nacional e estrangeiro, um Serra da Estrela DOP (mínimo 45 a 60 dias de cura para o amanteigado; a partir de 120 dias para o mais velho), queijo de ovelha, queijo de cabra, com pimentão e ainda requeijão. E não devem parar por aqui.

Queijo à chef

A Casa da Ínsua está ligada à produção anual de um evento que junta vários chefs, portugueses e não só, em torno do queijo Serra da Estrela. É uma oportunidade rara para degustar interpretações possíveis – aliás, desses encontros saiu uma sobremesa, uma espécie de queijinho doce, com uma casca falsa à base de chocolate branco, que está a ser testada no restaurante Casa da Ínsua -, mas durante todo o ano chefs como Diogo Rocha, do Mesa de Lemos, utilizam-no.

O restaurante está integrado na Quinta de Lemos (celsodelemos.com/quinta), produtora de vinhos do Dão nos arredores de Viseu, e nele Diogo Rocha, natural da região, faz questão de incorporar queijos portugueses especiais. Chegou a encomendar queijos de 30 quilos, que submetia depois a uma cura de seis meses, pois os mais jovens, explica, «são demasiado lácteos, com uma diferença considerável de sabor entre a borda e o meio».

Muitos testes depois, Diogo prefere agora encomendar Serra da Estrela DOP ao produtor Quinta da Lagoa, de Canas de Senhorim, e pedir-lhes para fazerem uma cura superior, já em torno dos 20 meses – «Temos de ser nós, chefs, a também estimular os produtores a arriscar em queijos com maior tempo de cura, porque para eles, como está o negócio, isto ainda não é evidente e pode representar mais trabalho [durante a cura é preciso virar e lavar os queijos regularmente, além do espaço que ocupam] e uma perda de dinheiro [ao longo da cura por desidratação os queijos vão perdendo peso].»

Diogo tem sorte de trabalhar numa casa com disponibilidade para investir, e para esperar anos por algo que pagaram adiantado, por isso, além do Serra da Estrela velho, que usa em lascas numa entrada com tomate e manjericão, ele vai ter em breve, no final das refeições, um carrinho para sugerir vários outros queijos, como um São Jorge com 30 meses, um São Miguel com ano e meio ou um Rabaçal que só leva leite de cabra, servidos com compotas, geleias e marmelada de confeção própria.


Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend