Crítica de Fernando Melo: Taberna Ò Balcão, Santarém

Se franquear a porta modesta da Taberna ó Balcão, em Santarém, revela aquele lugar que temos a sensação de já conhecer desde há muito, uma refeição aqui é o início de uma viagem interminável. Nunca é igual à vez anterior e cada prato é uma aula viva.

Rodrigo Castelo é o mais intranquilo dos chefs da nova vaga e representa o que vai salvar a cozinha portuguesa autêntica. Já se fez muito, mas está praticamente tudo por fazer. Sente-se isso na forma como se movimenta e nas visitas que vai fazendo aos estacionados à mesa na sala em tudo evocativa das tabernas ribatejanas de boa memória.

Adivinha-se o marialva na juventude que mostra e na gargalhada fácil que se lhe arranca com o mais simples comentário, mas chama bem ao peito a profissão por que optou. Percebe-se logo o homem sério, ligado à terra pela alma, que se tem diante de nós.

Conhecendo o seu trabalho parcelarmente, aqui e ali vertido em show-cookings e outras modernidades a que a profissão do momento obriga, foi só na terceira investida que finalmente o chef Castelo abriu o código do seu talento. Pratinho de aspecto inocente com três peças fatiadas, língua de toiro bravo curada e fumada, chouriço de toiro bravo e queijo seco da Agrária com cura de um ano e meio. Excelente a primeira, a espevitar o palato e o sorriso, o segundo a parecer mais uma experiência ainda não terminada, e o terceiro uma maravilha que produz na Escola Agrária, onde de resto oficia partilhando o que sabe e o que descobre.

Gostei muito do toque de renúncia ao estabelecido e do imperativo de consciência que é para ele aprofundar sabores e comidas de infância. «À mão», diz ele quando se refere aos petiscos e finger food que desenvolveu, felicidade inevitável com o coscoração do rio até ao mar, onde começa na fataça e termina no atum, ao mesmo tempo que propõe as fronteiras do mundo em vez do bairro para quem quer entender o que leva na alma.

O bem ribatejano tomate presente numa outra proposta, arroz de tomate com peixe do rio frito, caldo de lúcio, peixinhos pequeninos deliciosos e as transições de texturas literalmente a fazer a festa. Ideia genial numa outra delícia de mão, rissol de samos, bexiga natatória do bacalhau, pena ter-se defendido com massa demasiado grossa, mas sabor conseguido.

Nem só de mão vive o homem, e com a colher vem a proposta chocantemente gloriosa da sopa de peixe do rio com ovas de barbo. Boa textura, bem ligado o caldo e base possível de quase tudo da cozinha portuguesa. Assusto-me de repente, onde terá o rapaz aprendido a cozinhar assim, mas não me dá muito tempo para pensar.

No capítulo de faca e garfo, sai a falsa massa de lúcio à barrão, delícia evocativa do ambiente ramen oriental, e o tesouro que quero repetir do bode capado com puré de funcho e couve-flor. Tudo novo, e tudo seguro, deixa todos sem palavras. Fundamental falar da notável selecção de vinhos do Tejo, cuidadosamente disponíveis para cada prato. Viaja-se nesta taberna mas não é como numa cápsula, é em grande estilo, Titanic de sabores, ousadias e festa. Como a cozinha portuguesa merece. Fundamental frequentar este balcão.

A refeição ideal
Língua e toiro bravo curada e fumada
Queijo seco da Agrária
Croquete de toiro
Carcaça de lagostim
Sopa de peixe do rio com ovas de barbo
Bode capado com puré de funcho e couve-flor
Nem tudo limão


Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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