O chef Nuno Santos e o seu forno a lenha são capazes de tudo. Incrustado no piso térreo de um prédio de habitação, o Puttanesca é palco diário das maquinações e invenções que o seu génio expõe naturalmente. Acompanho de muito perto o seu trabalho há muito tempo suficiente para garantir que tudo no seu intenso labor segue um fluxo natural. Espécie de sinfonia concertante feita de pequenos improvisos que no final de cada dia termina em apoteose.
A orientação culinária do genial chef reparte-se por Portugal, Espanha e Itália, de forma tão livre quanto profunda. Tive o privilégio de ao longo de um par de anos morar perto e frequentar a sua casa quase diariamente, e a primeira coisa de que mais sinto falta do seu imenso repertório é o pão que ele faz. Crocância, consistência e humidade, e é isso que Nuno Santos continua a colocar na mesa no início de uma refeição.

(Fotografia: DR)
As suas gambas al ajillo são feitas como em nenhuma outra parte, incluindo Espanha. Toque primoroso e picantinho. Produz autênticas e matriciais croquetas caseiras, cremosas e saborosas. Os ovos mexidos com cantarelos e guanciale – bochecha de porco curada – são de parar o trânsito. Faz uma omelete de queijo parmesão e charcutaria que apetece repetir várias vezes. E tem uma terrina de foie gras, figos e alperces que apetece levar para casa. Da aventura entradeira passamos à cozinha estruturada e damos com pratos de grande fôlego. O bacalhau com grão de bico, que ele faz no forno a lenha, tem tudo muito vivo e vibrante. O polvo assado no forno a lenha com batata-doce é um hino à portugalidade.
Com o mesmo à-vontade, o chef Nuno espraia e exprime o seu imenso talento pelos pratos de carne da sua lavra. Faz, por exemplo um entrecote de bovino da raça Angus que é absolutamente minimalista mas na mesa é pedaço do céu. O chuleton de vaca velha é irresistível e seu bife do lombo e foie gras em molho de vinho Madeira é de perder a cabeça. Interpreta a tradição a seu bel prazer. Faz um cabrito de leite estonado que nos transporta para Oleiros, onde é da tradição. E criou uma mão de porco recheada que nos põe suspensos, a pensar na vida.

(Fotografia: DR)
Como se não bastasse o seu génio culinário, nas sobremesas é capaz das maiores tropelias. O seu semifrio de straciatella, pistáchio e laranja revela uma sensibilidade notável para o requinte e detalhe. Faz uma hóstia de ovos-moles e lima kefir que sobrevoam Aveiro em voo rasante e vão mais além. E há um zabaione – gemas batidas com vinho e açúcar – de alfazema, gelado de citrinos e amendoim dignos do maior louvor académico. Torna-se difícil apetecer estar noutro lugar.
Puttanesca
Rua da Escola, 463, Leiria
Tel. 244 856 180
12h30-15h30, 19h30-23h
Fecha: Domingo e almoço de sábado
Preço médio: 40 euros
“Prato do dia” é um guia Evasões/TSF pelos restaurantes de Portugal. No ar de segunda a sexta, depois do meio-dia e das 18 horas. Também disponível em tsf.pt.