Patrícia Borges: “Era importante registar as receitas de bordo”

Chef e autora Patrícia Borges.
"Gastronomia de Bordo - Peniche” não é apenas um livro de receitas. Escrito pela professora, chef (empresa de catering Sea Lovers) e promotora de pescado sustentável, Patrícia Borges, tem como protagonistas os pescadores de Peniche e foca-se nas várias facetas das artes da pesca. É o primeiro de uma trilogia sobre o assunto, feita a convite dos municípios que organizam o Festival Gastronomia de Bordo.

Como surgiu a ideia para o livro?
É a consequência do projeto Territórios com História, que abrange os municípios de Peniche, Ílhavo e Murtosa, e que quer enaltecer algumas ramificações da pesca. Um dos temas era a gastronomia de bordo. Peniche, assim como Ílhavo, pediu-me para fazer um levantamento das receitas cozinhadas a bordo das embarcações.

Como foi feito o trabalho de investigação?
Foi à base de entrevistas. Havia muita coisa que eu já sabia, porque já trabalho como promotora das lotas de Portugal há oito anos. Mas entrevistei alguns pescadores sobre as artes de pesca, a vida a bordo.

No livro, distingue a pesca costeira da pesca de alto-mar, em que os pescadores tinham de ficar várias semanas embarcados. Isso influenciava muito o que comiam?
Na pesca longínqua, comiam de outra forma. Porque na local, iam e vinham todos os dias na maior parte das vezes. Os barcos não tinham grande capacidade de armazenamento. As refeições era o farnel que levavam ou, numa viagem de 9 a 12 horas, preparavam uma refeição a bordo. Para o livro, baseei-me na pesca longínqua, quando iam pescar para a Mauritânia, até Dakar. Mas também na pesca do cerco, costeira.

Como eram essas refeições costeiras?
Havia uma série de ingredientes mais ou menos fixos a bordo. Arroz, massa cotovelinho, polpa de tomate, sal, batatas, alho e às vezes cebola. Iam confecionando o que pescavam. Por exemplo, se apanhavam sardinha, faziam arroz de sardinha. Apanhavam carapaus, faziam uma caldeirada. A base era sempre a mesma: o azeite, o alho e a polpa de tomate. Quando não havia peixe, faziam uma receita que era a gala-gala, uma espécie de sopa mas sem peixe.

E a longínqua?
Já levavam mais mantimentos e tinham uma cozinha a bordo, enquanto na pesca do cerco tinham apenas um fogão a gasóleo, muito arcaico. Tinham porões com gelo o que lhes permitia acondicionar os alimentos e faziam reforço em Lanzarote, quando era necessário. Mas a base não fugia muito ao peixe. Levavam carne como frangos e perus, mas não aguentavam muito tempo.

As receitas do livro estão divididas pelas artes de pesca. Porquê essa escolha?

Foi a metodologia que defini porque o livro não é só de gastronomia de bordo, mas também de mar, senão ficava muito limitado. Dividi por artes. Sardinha, carapau e cavala são pelo cerco, a lapa e os percebes, pela apanha, por exemplo. Há espécies que são transversais. O robalo pode ser apanhado à rede ou à linha, no caso concreto fomos saber qual o método através do qual se apanha mais robalo.

Como reagiram os pescadores a este interesse pelo seu trabalho?
Eles ficaram um bocado espantados. Já são pessoas com alguma idade e nunca tinham sido questionados sobre a questão da alimentação de bordo. O que lhes tentei transmitir é que têm uma história para contar e que é importante fazer o registo destas memórias. Caso contrário, iam-se perder com o tempo.

O livro é muito mais do que receitas, porque fala também da vida deles.
É uma forma de homenagem. Mas a vida deles é abordada de forma mais superficial. Falo um pouco do que faziam depois da pesca, a ida à taberna… Mas a minha área é mais gastronomia e biologia, por isso escrevo também sobre as características das espécies.

A chef colabora há alguns anos em campanhas de pescado sustentável do Ministério do Mar. Quais são os objetivos?
Tentamos sensibilizar as pessoas quanto ao consumo das espécies que há em maior abundância no nosso mar, como a cavala ou o carapau. Quando acaba época da sardinha, muitos pescadores ou apanham estas espécies ou não têm mais nada. Se não apanharem, vão para o fundo de desemprego. A estratégia de divulgação destas espécies também é uma estratégia económica, de forma a que eles possam continuar o seu trabalho durante todo o ano.

Porque é que o carapau e a cavala não são tão consumidos?
A cavala tem uma conotação negativa. Está associada historicamente ao peixe do pobre, porque havia em grande abundância e era barato. É um dos peixes mais utilizados como isco, até para apanhar bacalhau. O carapau não tem essa conotação mas não é considerado muito versátil em termos de confeção.

No próximo dia 14 vai ser lançado o segundo livro desta coleção, sobre Ílhavo, durante o festival Gastronomia de Bordo. A abordagem é muito diferente?
Sim. Este é mesmo só de gastronomia de bordo. Chama-se “Chora e Feijão Assado”, que era uma receita que se comia muito a bordo dos navios bacalhoeiros. Vai abordar só o que se comia a bordo destes navios.




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