Onde comer bem a caminho do Algarve perto da A2

No verão, quase todos os caminhos vão dar ao Algarve, mas mesmo aqueles que seguem pela autoestrada – neste caso, a A2 – precisam de fazer uma paragem para reabastecer. Comer, entenda-se. Eis uma série de locais incontornáveis a cerca de cinco, dez, no máximo 15 minutos da portagem que valem a pena o desvio. Nada como começar as férias de barriga cheia.

Há poucas formas mais completas de conhecer um país do que percorrê-lo através das estradas nacionais, mas é também sabido que o ritmo de vida – e, acima de tudo, a vontade de chegar às férias – nem sempre se coaduna com o romantismo e a contemplação, por isso tantas vezes a escolha para chegar ao Algarve acaba por recair pela autoestrada.

A incontornável A2, 240 quilómetros entre Lisboa e Albufeira com passagens pelos distritos de Setúbal, Évora e Beja. Dá para fazer de uma assentada, naturalmente, mas não convém, até porque são muitos aqueles que estão em viagem há várias horas, desde o Norte do país. Reabastecer é preciso. Se os carros e as motos ficam despachados numa estação de serviço, o mesmo não acontece com condutores e os passageiros, tão fraca (e cara) é a oferta. O leitão da Bairrada, junto à A1, ou o cozido do Canal Caveira, já a sul, são dois dos desvios que os portugueses conhecem de cor há várias décadas, mas há mais, muito mais, para juntar à lista.

Como o restaurante Pérola da Mourisca, no concelho de Setúbal. Parece que fica demasiado longe da autoestrada – é possível que alguns se questionem se estarão no caminho certo –, mas está a apenas dez quilómetros da portagem. A paisagem muda, já cheira a campo, daí a imediata e mil vezes repetida ilusão de que se está perdido e o tempo corre mais devagar. «A maior parte dos clientes que temos, sobretudo no verão, é precisamente gente que vai para sul e não se importa de fazer um desvio. E hoje em dia com o GPS ninguém se perde», conta Amândio Almeida, um dos dois sócios, juntamente com o irmão Miguel.

O leitão da Bairrada, junto à A1, ou o cozido do Canal Caveira, já a sul, são dois dos desvios que os portugueses conhecem de cor há várias décadas, mas há mais, muito mais, para juntar à lista

Com uma localização destas, a razão para o sucesso é simples: qualidade. Parece simples. Os pimentinhos com sapateira, logo a abrir, parecem simples de fazer; os ovinhos de codorniz também; os prato do dia, vitela estufada e uma coxa de pato no forno, com a cozedura no ponto certo e cheiro e sabor àqueles pratos da avó, também não parecem ter grandes segredos. É claro que têm. O segredo está na mãe, Maria dos Anjos, que, quatro décadas depois de abrir portas, continua a supervisionar tudo o que sai da cozinha. E aqui sai mesmo de tudo. Não há uma especialidade, ainda que o marisco represente 50 por cento da faturação. Ostras do Sado, carabineiro, amêijoas… sempre com um serviço personalizado, garantem.

«Não vou dizer que tratamos todos os clientes como amigos, mas nunca tratamos ninguém como um número. Temos gente que vinha na barriga da mãe e agora já vem com os filhos», conclui Amândio. Às quintas-feiras o telefone começa a tocar com reservas para o fim de semana.

De regresso à autoestrada, segue-se Alcácer do Sal. Para quem vem do Norte, esta cidade alentejana é o ponto de paragem perfeito, inclusive para pernoitar – sendo a Pousada do Castelo (ver caixa) uma boa opção. Também aqui o ritmo e o estilo de vida é outro, para alguns a porta de entrada na região, o começo do Sul, a promessa de sol a tempo inteiro, outra gastronomia. Vale a pena nem que seja para comprar 5 euros de camarão do Sado cozido ou uma dúzia de caranguejos a 4 euros. Todos os dias, as três Marias – Maria Letra, Maria Oliveira e Maria Malcriada, «é dessa forma que toda a gente me conhece» – estão ali sentadas, à entrada da cidade, com um barco tradicional a servir de banca.

«Podem levar para a esplanada e beber uma cervejinha que eles até agradecem», diz Maria Malcriada, perante o sorriso de espanto de alguns franceses, motards, também eles rumo ao Algarve. «É como tremoços, mas melhor», atalha, conseguindo convencê-los de uma vez por todas. Andam à procura de um sitio para petiscar. O Papinha, mais antigo, a Tasca do Gino ou a Taberna Dois à Esquina são alguns dos sítios incontornáveis. Já o Arrisca e Petisca, aberto há dois anos, tenta também afirmar-se, fugindo às açordas e aos peixinhos da horta do costume. Há mexilhões, choco frito, arroz de berbigão.

Estando em Alcácer, uma dúvida atravessa a mente de muita gente: ir ou não ao restaurante A Escola, já a caminho da Comporta? Desde a saída da autoestrada é um desvio maior do que os prometidos 10 a 15 minutos, mas há quem prefira perder esse tempo para ganhar uma refeição. Uma antiga escola primária, que continua a conservar a arquitetura da sua outra vida e a manter a qualidade dos pratos, sobretudo o arroz de choco com camarão e a empada de coelho bravo, as especialidades maiores.

Com ou sem ida a este restaurante, o que muitas famílias continuam a fazer é não regressar de imediato à A2, seguindo alguns quilómetros pelo IC1. Pela paisagem, também, mas acima de tudo para encher a mala de produtos frescos, da época, no Bairro da Paragem Nova, pouco antes de chegar a Grândola. Ana Paula Gil, no mesmo local há 28 anos, lamenta que este ano haja menos movimento, «talvez porque algumas pessoas ainda não saibam que melhoraram esta parte da estrada e preferem ir pela autoestrada», ainda assim, não se queixa. «Há uns anos melhores, outros piores, vamos ver como corre o resto do verão.»

À porta, um grupo de motards cumprimenta-se efusivamente. «Encontramo-nos aqui todos os verões. Uns vêm do Porto, outros de Coimbra e de Lisboa. Férias sem paragem no Canal Caveira não são férias»

Tem um pouco de tudo, azeite, mel, alho, tomate, batata-doce e, é claro, fruta da época, com a melancia e o melão à cabeça. Cinquenta cêntimos o quilo de melancia, 80 cêntimos o de melão. «Então não é uma maravilha chegar às férias e tirar da mala uma fruta destas?» Do outro lado da estrada, está a filha, Cláudia Gil. Os produtos são semelhantes, se bem que estar no sentido sul-norte não é bem a mesma coisa. «Muita gente diz que já gastou tudo nas férias», adianta. Ainda assim, os apaixonados por piripiri têm aqui uma espécie de templo. Mais de 31 variedades.

Seja para descer no mapa pela A2, seja pelo IC1, pouco depois chega a mais clássica das paragens: Canal Caveira. A capital do cozido à portuguesa, mesmo no verão. Essencialmente no verão. São várias as casas na rua que se afirmam especializadas neste prato típico, mas é no restaurante Canal Caveira – fundado em 1949 e remodelado em 2005 pela família Mestre – que a maior parte dos clientes continua a confiar. Há fila, mas o tempo de espera é diminuto.

Não se esperem grandes salamaleques, nem a maior parte das pessoas vem para uma refeição demorada. É o que é, é cozido, apesar de haver outras opções, prato cheio, comida tão simples e honesta quanto saborosa. As mesas estão compostas por famílias, grupos de amigos que continuam a ter aqui um ponto de paragem, muitas vezes de encontro, há várias gerações. À porta, um grupo de motards cumprimenta-se efusivamente. «Encontramo-nos aqui todos os verões. Uns vêm do Porto, outros de Coimbra e de Lisboa. Férias sem paragem no Canal Caveira não são férias», diz um deles, enquanto tira o capacete. Também há quem venha pelas bifanas, outras das especialidades da casa e da terra.

Em Aljustrel, vila mineira que para alguns não passa de um placa na autoestrada, há um daqueles segredos mal guardados que muita gente preferia que nunca se divulgasse, com medo de que a essência se perca

O mesmo se passa um pouco mais à frente, na Mimosa, ainda que sem a mesma fama. São vários os restaurantes de beira de estrada, entre eles o Alvalade. Simples, muito mais simples do que o Canal Caveira, mesas com vista direta para a bomba de gasolina, onde tanto se pode comer um bitoque, como encontrar um irrepreensível ensopado de javali como prato do dia.

Em Aljustrel, vila mineira que para alguns não passa de um placa na autoestrada, há um daqueles segredos mal guardados que muita gente preferia que nunca se divulgasse, com medo de que a essência se perca. Mea culpa. A meio da tarde não há ninguém, o ambiente é algo sombrio, apenas umas frinchas de sol a entrar pela janela, mas é precisamente isso que dá vida à Tasca do Filipe. Uma tasca alentejana, verdadeira, onde se inventam sempre petiscos para quem possa chegar, mesmo quando não parece haver nada na vitrine. Torresmos, pipis, carapaus fritos, cabecinha de borrego assada no forno, «muita, coisa, muita coisa», diz Filipe, o homem que dá nome à casa há 26 anos e que vai dividindo os tachos «com a patroa». Quando não cozinha ela, cozinho eu», diz, enquanto vai buscar uma panela com mão de cabrito assada com manteiga verde, para o jantar. Cabidela, cozido à portuguesa, grelhados, há de tudo um pouco.

A grelha, colocada num espaço exíguo que liga as duas salas, com bancos e mesas em madeira, ainda está quente. «Muita gente que faz um desviozinho para vir aqui e a gente tem de servi-los bem.» Antes da despedida recomenda outro restaurante alentejano, típico, que vale a pena o desvio: Bangula, na aldeia de Messejana. Pratos alentejanos, sim, dos bons, se bem que aqui seja «apenas» para almoço e jantar.

Ainda em Aljustrel, o Fio d’Azeite – inserido no hotel Villa Aljustrel e que, tal como nome indica, tem o azeite com principal fonte de inspiração e matéria prima – é uma boa opção para quem procura algo mais contemporâneo, quer em termos gastronómicos, quer em termos de ambiente. Se bem que a essência seja alentejana.

Canal Caveira, 21/07/17 – Reportagem para a Evas›es sobre locais a parar a caminho do Algarve. Restaurante Canal Caveira.
(Sara Matos / Global Imagens)

A diversidade da oferta é mesmo uma das mais-valias, porventura uma das surpresas, ao longo destas saídas da A2, se bem que às vezes o desvio tenha de ser um bocadinho maior, como é o caso do restaurante Castro da Cola, a 15 quilómetros de Ourique. Mais uma vez, o GPS ajuda. Mais um segredo mal guardado. Assim que se entra, sobressai a esplanada, um ambiente de charme. Com o cansaço acumulado, apetece ficar para uma paisagem mais prolongada, algo não só desejável como possível, até porque existem quatro casas para alugar. Percorrer os trilhos da redondeza a pé, de BTT, a cavalo ou ir até à barragem de Santa Clara, de canoa ou de barco, são algumas da atividades prometidas. Ali ao lado pode também fazer-se o circuito arqueológico do Castro da Cola, constituído por quinze locais que vão desde o período Neolítico até à Idade Média. Não ficará, contudo, desapontado quem apenas vier para comer, bem pelo contrário: ensopado de borrego, migas à alentejana, borrego de caldeirada, sopa de cação e jantar de grão estão entre as especialidades.

A cozinha alentejana tem caraterísticas únicas, já se sabe, se bem que há sempre quem prefira deixar o repasto para o fim do caminho. Para a cozinha algarvia. O Moiras Encantadas e o restaurante garrafeira Veneza, ambos em Paderne, são moradas de qualidade máxima garantida, pratos tradicionais feitos com tempo para comer sem pressas.

Já quando se fala de petiscos, poucos dão cartas como o Café dos Caçadores, em São Bartolomeu de Messines. Quem olha para a entrada, uma marquise branca igual a tantas outras, não dá nada pelo espaço, mas é um daqueles pontos obrigatórios para os verdadeiros comensais. «O Rei dos Petiscos» há 35 anos.

O senhor Carvalho, o proprietário, conta que isto da restauração, tal como a vida, tem altos e baixos, «há uns tempos tive de fazer um transplante ao coração, estava a ver que ia ter que largar isto», mas voltou com fôlego redobrado. A mesma vivacidade e os sabores de sempre.

Enguias fritas, carninha de porco frita com alho, choquinhos fritos, búzios, percebes, perdiz frita, amêijoas à Bulhão Pato, a carta parece infindável. Tudo feitio na hora. «Tem de ser, tem de ser. Um amigo liga ao amigo e diz-lhe: vamos ao Carvalho que ele tem tudo do bom e do melhor. E a gente tem de ter.» Que melhor forma de terminar a viagem e começar as férias? Ou terminar as férias e começar a viagem, dependendo do sentido.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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