Porque é que o pão está outra vez na moda?

O pão foi mais uma vítima da voracidade e da crescente industrialização nos últimos tempos. Mário Rolando, considerado por muitos o «papa» deste alimento, explica de que forma este sector tem sofrido uma reviravolta, com uma nova aposta em produto de qualidade.

A vida moderna trouxe inúmeras vantagens, disso não há dúvida, mas, é do senso comum, a rapidez é quase sempre inimiga da perfeição. O pão, alimento primeiro com o seu quê de sagrado, que gera até hoje tantas paixões – o aumento do seu preço é das poucas coisas capazes de nos tirar do sério –, foi mais uma vítima da voracidade e da crescente industrialização. Queremos muito mais por menos e isso, a História está de prova, nunca dá bons resultados.

É assim há um bom tempo e poucos pensavam a sério no assunto. Até que uma fação, cansada de comer mau pão (com excesso de açúcar, leveduras industriais e outras tantas coisas que não eram para ali chamadas e cujo único propósito é produzir mais em menos tempo e pelo menor custo), deitou mãos à massa e trouxe à baila termos e processos esquecidos ou desconhecidos. E se para uns se fez luz, para outros continuam a não fazer muito sentido palavras como massa-mãe ou fermentações lentas.

Será apenas uma moda para cobrar mais por algo que nos habituámos a ter tão acessível em qualquer supermercado?

Mário Rolando, que se prepara para abrir, até ao final do ano, se tudo correr como previsto, a Padaria da Esquina, em Campo de Ourique, em parceria com Vítor Sobral, é o homem certo para nos ajudar a entender o que se está a passar. Rolando, que já exerceu advocacia, aprendeu a sua arte com Vítor Moreira, considerado por muitos o «papa» do pão, e é um adepto do pão à moda antiga – ou seja, usando apenas grãos acabados de moer em mós de pedra (vindos de moagens que sobreviveram, como é o caso das Farinhas Paulino Horta, com quem faz questão de trabalhar), massas-mãe selvagens (também conhecidas como «isco» e que, no fundo, são leveduras naturais) e, claro, fermentações longas.

Mário Rolando é um dos maiores especialistas de pão em Portugal

 

«Temos de regressar às coisas simples»

«Hoje é preciso fazer um curso superior para decifrar os rótulos, mas é bom que aprendamos a fazê-lo: vivemos mais, mas para viver os nossos últimos anos com qualidade é preciso termos claro que a saúde depende do que comemos», lança Mário Rolando. Isto aplica-se, e muito, ao pão: «A nossa indústria alimentar é brutal e está até nas padarias de aldeia», acrescenta. «Tudo tem de ser rápido, só que, no caso do pão, a fermentação tem de ser completa e o pão, que na sua origem era água, farinha, sal e massa-mãe, já não é mais só esses quatro elementos, nas grandes superfícies passou a ter 15, 18 ingredientes.» Esta realidade faz ainda menos sentido se pensarmos que, como bem nota o mestre, se faz pão com massas-mãe «há dez mil anos, mas estas ficaram muito caras e começou-se a usar leveduras industriais em quantidades excessivas».

Considerado como um dos maiores entendidos no assunto em Portugal, Rolando, um dos principais formadores de padeiros no nosso país, é um investigador incansável. Quando não está a viajar, passa boa parte do seu tempo a fazer testes e, por isso mesmo, acha que, por mais seja apenas um nicho de mercado, a necessidade de voltar a fazer bom pão já não é uma moda: «Temos de regressar às coisas simples, a ter matéria-prima de qualidade. O pão é o primeiro alimento biotecnológico do mundo e muita da confusão que se faz hoje com o glúten tem que ver com o facto de não sabermos que um pão feito com leveduras naturais e fermentado por 24 horas, onde estão presentes bactérias lácteas, vai ser mais saudável, saboroso, durável e, detalhe importante numa era de intolerâncias alimentares, mais saciante e fácil de digerir.»

Falando ainda de falsos pressupostos, o do pão integral é outro, pois embora muito rico em fibra, ele, para se libertar da gordura e durar mais, alerta-nos, não têm gérmen – e o gérmen é fundamental numa farinha viva. Boas farinhas, outro elemento que dá pano para mangas, só são possíveis com um processo de moagem honesto e tradicional, o que implica, por sua vez, resgatar cereais autóctones – inclusive o trigo, tão atacado por ter sido degenerado, que possui boas variedades em Portugal, com sabores e texturas desconhecidas da maioria – e lavá-los muitas vezes antes da moagem. «O recurso à massa-mãe não é a única forma de fazer bom pão, mas é importante que as pessoas percebam que existe uma maneira mais saudável de fazer as coisas», acrescenta.

Veja aqui 10 locais de norte a sul do país que se estão a destacar, pela positiva, pela forma como fazem o seu pão.

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