A meia dúzia de vezes que já rumou ao México são a prova do “desejo antigo” de abrir um restaurante mexicano.“No processo de maturação da ideia e na fase de testes, comecei a perceber, de forma orgânica, que esta cozinha ganhava nobreza e elegância com técnicas e ingredientes japoneses. O primeiro pensamento foi que não fazia sentido nenhum. Mas, por vezes, as ideias mais parvas são as que devemos maturar”, explica Kiko Martins, que acaba de abrir o Las Dos Manos em Lisboa, de frente para o Miradouro de São Pedro de Alcântara. O mexicano com toques nipónicos segue a mesma lógica de toda a sua carreira – a de “nenhum restaurante ser uma réplica do anterior”, conta o responsável por espaços como O Talho, A Cevicheria, O Boteco e O Poke.
Da centena e meia de pratos que testou, ficaram três dezenas na carta da sua nova casa. “Sou muito perfecionista”, explica o chef Kiko. Numa capital onde abundam mexicanos “monoproduto, sem explorar a gastronomia mexicana num só todo”, focados nos tacos e burritos, a ideia aqui foi fazer algo diferente. “Quis criar um mexicano high level que se destacasse pela matéria-prima muito boa, ao trabalhar com carabineiro, vieiras frescas, peixe bom, barriga de atum, secretos de porco preto”, adianta Kiko.
No colorido e descontraído restaurante, onde se come à mesa ou nas duas barras, na primeira fila para ver as preparações, o aguachile (um parente do ceviche, mas sem caldo de peixe) é um dos destaques com seis variedades – carabineiro e aipo, lula e polvo, salmão braseado com ananás e yuzu, sashimi de lírio e gamba algarvia são algumas das parelhas aqui combinadas. Nos tacos, o clássico al pastor leva secretos de porco preto e ananás, mas também se aposta no pato confitado e laranja ou no rabo de boi e ovo de codorniz.
As quesadillas e as tostadas reforçam a carta, além dos doces, como os churros com doce de leite, milho doce, granizado de lima e tequila. Para pedir avulso ou num menu de degustação (cinco pratos e uma sobremesa) que reúne o best of da casa. Certa é atenção ao detalhe, onde tudo é feito de raiz, como as próprias tortilhas de milho, com uso de farinhas mexicanas.
Ainda que recente, o feedback não podia ser mais positivo. Mesmo criando este projeto “receoso”, depois de dois anos duros de pandemia que melindram a autoestima de qualquer chef. “Os primeiros dias de um espaço são muito giros. Sente-se logo se as coisas vão correr bem ou mal. E as pessoas entravam e diziam-me coisas como ‘foi o melhor al pastor que comi’. É bom começar assim”, diz.
A sinergia méxico-japonesa não se sente apenas no palato, está espelhada por todo o restaurante, onde coabitam retratos de Frida Kahlo e de uma gueixa, o mesmo se aplicando ao espeto al pastor e à robata nipónica, ou aos catos de várias formas e tamanhos, junto aos barris tradicionais onde antes de transportava o saké. “São duas cozinhas lindas com muita história. Uma muito mais rural e dona de casa, a mexicana. A outra é mais elegante e técnica, a japonesa. Mas há pontos de sinergia. O toque japonês fica bem em muitas cozinhas, em especial as mais permeáveis”, conclui Kiko.
Longitude : -8.2245