A carta do Ferrugem quer-se dinâmica, pelo que nem no tempo livre Renato Cunha deixa de criar. Enquanto o restaurante que abriu há quase 19 anos, na Portela, em Vila Nova de Famalicão, está encerrado para férias, o chef dá-nos a provar, em primeira mão, um dos pratos a inaugurar na rentrée: sardinha marinada, pão frito e chutney de pimentos assados e tomate coração de boi, entrada que há de figurar na carta quando o serviço for retomado, já na próxima terça-feira.
O tomate coração de boi é um “produto fetiche”, que Renato Cunha faz questão de cultivar na sua horta (herdou as sementes dos pais). A sardinha é outro ingrediente de eleição, sobretudo agora, que está gorda. Já serviu aquele peixe azul ali em diversos moldes, fez uma pausa e prepara o seu regresso. “A relação do pimento com a sardinhada é óbvia e cultural”, nota, assim como a relação do tomate em causa com as saladas feitas no pico do calor.
Fornecido o contexto, passemos à prática: ao pão de fermentação natural frito em azeite junta-se chutney de pimentos assados e tomate coração de boi, sardinha marinada (e depois braseada) e flor de sal. O resultado é uma entrada cheia de sabor, servida numa taça de raiz de oliveira, com um empratamento espontâneo e tons dourados, outonais. O chef não duvida: “Se comer isto num dia chuvoso de outubro, vai ter saudades do verão”.
“Quando fechamos os olhos, temos aqui um conjunto de memórias”, que podem ser de curto ou longo prazo, ligadas ao imaginário de cada um, prossegue. Renato Cunha cresceu ali perto, em Ribeirão, e traz à lembrança as refeições de peixe grelhado na morada dos pais: sardinha, carapau ou cavala, pimentos assados, tomate coração de boi e pão, para acompanhar. Este prato transporta-o para os fins de tarde estivais, lá fora. Recorda também o avô materno, que tinha uma oficina de bicicletas e motorizadas, e era quem construía e consertava o carrinho de mão da senhora que vendia peixe de porta em porta: “Ela todos os dias, na sua rota, almoçava em casa dos meus avós, dava peixe para a casa, e o meu avô reparava [o carrinho] gratuitamente”.
A nova entrada pode ser escolhida à carta ou integrada num dos menus de degustação disponíveis, com quatro, cinco ou seis momentos (variáveis, o que permite personalizar a experiência). Embora o Ferrugem esteja conotado com o fine dining, pela elegância e sofisticação dos pratos, o chef prefere vê-lo como um restaurante de cozinha portuguesa, com assinatura, mas de base popular, rente às raízes minhotas. Nada como ir e comprovar.
Longitude : -8.44801355145114