«Portugal é um dos templos de matéria-prima do mundo»

Foi num antigo bodegón de San Sebastian, que em tempos pertencera aos pais, que Martín Berasategui chamou, pela primeira vez, a atenção do Guia Michelin. Ganhou a primeira estrela dourada, em 1986, e nunca mais parou – tem agora dez no conjunto dos seus 15 restaurantes.

Na cerimónia do guia vermelho que aconteceu, na passada semana, em Lisboa, juntou à sua constelação de oito estrelas Michelin mais duas com os restaurantes Oria e Be Garrote a conquistarem, cada um, uma distinção. O rescaldo da cerimónia aconteceu no novo Fifty Seconds by Martin Berasategui, que abriu no topo da Torre Vasco da Gama, em Lisboa.


Ao fim de 40 anos de carreira, ainda fica nervoso com a entrega das estrelas Michelin?

Sim, todos os anos. A cerimónia de entrega das estrelas só começou há uns anos, mas o Guia Michelin é uma instituição de prestígio desde há muito tempo, a melhor que documenta tudo o que acontece no mundo da gastronomia. É feito por inspetores que dedicam a sua vida a este guia e é o momento muito ansiado por todos os cozinheiros. Assisti à cerimónia aqui em Lisboa e fui surpreendido ao ganhar a nona e a décima estrela. Sou o único cozinheiro dos países falantes de língua espanhola a ter dez estrelas Michelin.

O novo restaurante Fifty Seconds by Martín Berasategui, que acaba de abrir em Lisboa, foi pensado para juntar-se a essa constelação?
Os cozinheiros do Fifty Seconds foram todos formados no Lasarte (três estrelas Michelin, em Barcelona) e sei que a equipa dará o melhor de si. Se trabalharmos bem virá a primeira estrela, depois tentaremos a segunda e assim sucessivamente, tal como acontece com os outros projetos que tenho pelo mundo. Com a particularidade de que o Fifty Seconds é irrepetível pela sua localização. Trata-se de um restaurante a 120 metros de altura, no topo de uma das maiores torres de Lisboa, com uma panorâmica de 360 graus. Dos meus restaurantes, é o que tem a vista mais bonita.

Abriria o Fifty Seconds em Lisboa, há 10 anos?
Ao longo dos meus anos de carreira tive muitas propostas para trazer a minha cozinha para Portugal. Disse sempre que não porque só faço as coisas quando acredito nelas. Tinha que ser com o grupo Sana. O senhor Nazir (proprietário do grupo hoteleiro) e o administrador Carlos Silva Neves (administrador) eram meus clientes no Martin Berasategui, em Lasarte. Gostavam da minha comida e quando me conheceram, simpatizaram, e apresentaram-me um projeto a que não podia dizer «não». Quarenta e oito horas depois da proposta estava em Lisboa a conhecer a torre Myriad e o projeto em que se iria transformar o Fifty Seconds.

O chef Martín Berasategui no seu novo restaurante de luxo Fifty Seconds, no topo da Torre Vasco da Gana.
(Diana Quintela/ Global Imagens)

A gastronomia ocupa também hoje um papel diferente, em Portugal.
Os cozinheiros portugueses fizeram um esforço enorme para captar as atenções de todo o mundo. Mas por detrás dessa atenção há muito trabalho de várias gerações de chefs. Acredito que quem trabalha, tem prémios à espera. E Portugal está a trabalhar no duro, como se viu na gala com a atribuição de mais estrelas. Acredito que o melhor ainda está por chegar.

Porque escolheu o chef Filipe Carvalho para liderar a sua cozinha, em Lisboa?
O Filipe e a Maria (chef de pastelaria) já eram alguns dos melhores da sua geração quando estavam comigo a aprender, no Lasarte, em Barcelona. Têm um dom inato para a cozinha, por isso não tive hesitações na hora de escolher quem iria representar o grupo Martín Berasategui aqui em Lisboa. E depois foi muito fácil criar a carta. Divide-se entre os meus pratos de assinatura e outros, novos, criados com os produtos que nos oferece este país. Portugal é um dos templos de matéria-prima do mundo.

Fale-me do laboratório de criatividade que vai ter em Lisboa.

Em todos os restaurantes que tenho, em Espanha e na América Latina, sejam eles de maior ou menor dimensão, há sempre espaço para um banco de provas, onde exploramos a nossa criatividade. E o Fifty Seconds não vai ser exceção. O maior banco do grupo fica em Lasarte, onde estou eu, e temos 500 metros quadrados para fazer tudo. É neste banco onde todos os pratos e experiências nascem.

Tem 15 restaurantes, dois com três estrelas Michelin, um com duas e dois com uma. Ainda consegue cozinhar?
As pessoas confundem as coisas. Eu só sei ser cozinheiro, dedico-me a criar, na cozinha. O resto, fazem-no outros: contabilidade, comunicação… ajudam-me em várias áreas. Tenho uma sala no Martín Berasategui, em Lasarte, onde faço vídeo-conferências com os responsáveis dos meus projetos gastronómicos. Nos dias em que o restaurante fecha, de domingo a terça, aproveito e vou visitar os espaços, que tenho pelo mundo. Mas ninguém me vê no escritório, estou sempre na cozinha a pensar em criar, em melhorar. Não me acomodo.

A gastronomia mudou muito desde que começou a sua carreira?
Comecei a trabalhar, tinha 15 anos, no Bodegón Alejandro, dos meus pais. Inicialmente fazia-se cozinha simples, de mercado. Mas aos 24 anos eu já tinha ido para fora e já fazia comida muito moderna para a época, nesse espaço. Nunca tinham dado estrela a um bodegón, os clientes nem sabiam quem cozinhava no restaurante. Hoje em dia é mais fácil ser chef e é muito importante no meu país, em Portugal e no mundo, ser cozinheiro. O pressuposto mudou e fizeram de nós, chefs, personalidades, mas eu sou tímido e ainda sou a mesma pessoa do início.

É uma grande pressão ser Martín Berasategui?
Depende como encarares o trabalho. A minha vida não muda nada por ter um restaurante. Eu sou um bon vivant, muito exigente comigo mesmo. Mas o meu êxito vem do trabalho de equipa. Tenho a agradecer aos meus mestres, que foram os meus pais e a minha tia, e à minha equipa, que me dá novas ideias todos os dias, enquanto lhes transmito o conhecimento que tenho. Podia ter ficado apenas com um restaurante, mas teria perdido muitas oportunidades, não só para mim, mas para a minha marca e o meu país. A cozinha espanhola e a portuguesa têm muito a dizer no mundo, mas há que dar o primeiro passo.

Leia também:

Sommeliers: 10 mestres do vinho que deve conhecer
Conheça melhor o primeiro Michelin de Guimarães
Os outros restaurantes dos chefs Michelin

 




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend