Marlene, em Lisboa: uma estrela Michelin com “sabor docinho”

(Fotografia de Rita Chantre)
Soma trinta anos de cozinha, tantos quantos foram precisos para uma mulher voltar a conquistar uma estrela Michelin em Portugal. O carinho do público e dos pares fez desta uma “conquista coletiva”, que chegou na fase certa da sua vida, acredita Marlene Vieira. Em Lisboa, o menu do Marlene, é um espelho da sua “bagagem”.

Se hoje pudesse falar com a menina da Maia que pediu aos pais para trabalhar num restaurante, durante as férias de verão, com apenas 12 anos, não hesita na mensagem. “Diria… continua miúda! Ainda bem que te meteste nesta alhada! [risos] E aperta o cinto, vamos a isso!”, explica Marlene Vieira. Indecisa entre o desporto e a gastronomia, em boa hora escolheu os temperos. Já lá vão trinta anos de caminho trilhado, curiosamente tantos quantos foram precisos para que uma mulher a solo voltasse a conquistar uma estrela Michelin por cá.

Dois anos e meio depois de abrir, o Marlene, estreia-se agora na constelação Michelin, uma vitória antecipada e aplaudida pelo público e pelos seus pares, de tal forma que quase lhe pareceu “uma conquista coletiva”. “Cresci com muitos dos meus pares. Uns foram meus alunos, outros colegas de trabalho, outros referências. Sempre tive uma atitude muito colaborativa. A minha postura na cozinha é estar em grupo, estar ao lado. A estrela é como se fosse deles também”, conta a chef, prestes a celebrar 45 anos. Se tivesse de descrever o sabor desta vitória, confessa que é “docinho”. “Sempre fui mais de salgados, mas cada vez gosto mais de doces. [A estrela] tem esta sensação de doçura também porque chegou numa altura mais madura da minha vida e carreira”, diz.

O Marlene, foi um dos oito novos restaurantes a ganhar a sua primeira estrela Michelin em 2025. (Fotografias de Rita Chantre)

A chef natural da Maia soma 30 anos de cozinha.

Durante o discurso na Gala Michelin, Marlene Vieira pediu às mães cozinheiras para que não desistissem, uma mensagem intencional e forte que fez questão de deixar em palco. “Quando tive a minha filha, foi difícil encontrar uma forma de voltar, sem sentir tanta culpa. A maior parte das mulheres desiste por causa da maternidade”, explica a chef.

À mesa do fine dining lisboeta, prova-se um menu de degustação “criativo e surpresa, sempre em rotatividade” para receber os produtos da época, mapeando-se o país de norte a sul. Os sabores da cozinha portuguesa são a base, vista através de uma lupa moderna, e com algumas técnicas do mundo à mistura. “O menu é a minha bagagem, são as minhas experiências, mas com um olhar no futuro”, diz Marlene, que recusa estagnar. Ainda hoje diz aprender todos os dias.

Atartelete de couve-flor com tártaro de camarão-vermelho algarvio e molho coreano, e o ouriço-do-mar da Ericeira com fígado de tamboril.

A lula gigante dos Açores com puré de feijão branco e caldo de feijoada.

O salmonete com arroz malandrinho de algas, cogumelos e mão de vaca.

As cerimónias arrancam com o profiterole de massa choux e recheio de Queijo da Serra e trufa preta, abrindo-se depois caminho para o marisco, com a tartelete de couve-flor, tártaro de camarão-vermelho algarvio e molho coreano, e o ouriço-do-mar da Ericeira com fígado de tamboril. Entre os restantes momentos está a perdiz recheada com trufa e foie gras, infusionada num chawanmushi (pudim salgado japonês); a homenagem à feijoada de choco de Setúbal, aqui com lula gigante dos Açores, acompanhada de puré de feijão branco e caldo de feijoada; o salmonete setubalense grelhado com espuma à base do fígado do mesmo e um arroz malandrinho com algas, cogumelos e mão de vaca; e o wagyu emparelhado com crosnes e kimchi. Avelã, chocolate e caviar são a tripla de serviço na sobremesa, para fechar a noite.

O Marlene, está aberto há dois anos e meio, no Terminal de Cruzeiros de Lisboa.

Marlene,
Avenida Infante D. Henrique, Doca do Jardim do Tabaco, Lisboa
Tel.: 912626761
Das 19h às 00h. Encerra domingo e segunda.
Web: marlene.pt
Preço: menu de nove momentos (115 euros) e de 12 euros (150 euros), sem vinhos.



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