Lisboa: Cozinha de autor amiga dos vegetarianos

Feel the beet, um «prefácio» de beterraba e coentros, no 100 Maneiras (Fabrice Demoulin)
Nestes quatro restaurantes, não há «opções vegetarianas». Há pratos e menus pensados de raiz, com o mesmo propósito que os restantes: fazer da mesa um sítio de descoberta e de prazer. Tanto para omnívoros como para quem decidiu não comer carne nem peixe.

 

ERVA | SETE RIOS
O sítio faz jus ao nome. A profusão de plantas que ornam as paredes, colunas e divisórias dão-lhe frescura de floresta, ajudam até a criar recantos mais sossegados. O Erva fica no piso térreo do Corinthia, mas não é aquilo que se espera de um restaurante de hotel. «É um restaurante num hotel», corrige Artur Gomes, vincando o «num».

Artur Gomes, chef do Erva. (DR)

Artur Gomes, chef do Erva. (DR)

A sua cozinha está à vista de todos – mais do que aberta à sala, ela fica na própria sala. De qualquer das mesas se observa a discreta coreografia da brigada, uma máquina eficiente e bem oleada. Sustentabilidade é palavra de ordem, e parte disso é o encorajamento de uma alimentação realmente omnívora – isto é, que dê igual atenção a carnes, peixes e vegetais –, pelo que a carta inclui uma boa porção de pratos vegetarianos. Pratos pensados de raiz para valerem por si só, e não meras opções de desenrascar. A par disto, um grande enfoque no produto da época, algo que para Artur não é senão natural: «A sazonalidade não é uma limitação, obriga-nos a ser mais criativos, é um potenciador de criatividade.»

Na carta que vigora durante este mês e o próximo, estão pratos como uma preciosa tartelete de cogumelos. E alho-francês assado com jus de fermento assado, puré de cebola e uma salada de folhas que deixa frescura na boca. Pratos que são quase guloseima, escoltados por uma carta de vinhos apostada nas vertentes natural, biodinâmica, orgânica e sustentável. Consistência a toda a prova.

modo de usar
A carta tem uma entrada e 3 pratos vegetarianos (veganos, a pedido). Menu de degustação disponível por reserva.

Erva
Hotel Corinthia, Av. Columbano Bordalo Pinheiro, 105 (Sete Rios), Lisboa
Tel.: 217236313
Web: erva-restaurante.pt
Das 12h30 às 15h30 e das 19h00 às 01h00. Não encerra.
Preço médio: 35 euros

 

Paulo Morais, chef do Kanazawa (Fernando Marques)

Paulo Morais, chef do Kanazawa (Fernando Marques)

KANAZAWA | ALGÉS
Paulo Morais parece estar no seu elemento, por detrás do balcão. O contacto direto com o cliente permite que nada se perca, todas as explicações e detalhes estão ali, se lhes quisermos dar atenção. Assim, não só se faz uma refeição e se toma uma experiência, como se sai daqui enriquecido.

O Kanazawa senta apenas nove pessoas e funciona exclusivamente em modo menu de degustação, um desfile de sete momentos (sushi incluído) que muda mês a mês, ao sabor da estação. A versão vegetariana, implementada em abril, segue a mesma lógica, e desfila lado a lado com o menu principal. Uns e outros pratos se seguem no mesmo estilo cerimonial, a preparação metódica, com a devida introdução a contextualizar no tempo e na mesa aquilo que se vai comer.

Se serve um shimake, arroz de sushi em folha de bambu cozida a vapor, Paulo explica que é presença habitual nos piqueniques japoneses, e que maio é dado a essas saídas de campo. Tal como explica as diferentes cozeduras dos legumes do takiwase, subtileza servida num dashi de algas kombu e com a pungente mostarda japonesa.

Apesar de a base ser a cozinha shojin, nascida nos templos, o chef procura acrescentar-lhe elementos de prazer e de interesse. Se serve um tártaro, tanto põe legumes cozidos como crus, textura acrescida, juntando algas para ligar, gema de ovo curada e a frescura picante do kizami wasabi, feito e demonstrado ali, com pasta e rama do rábano verde. O balcão do Kanazawa traz esse sentido da descoberta, e nisso os vegetarianos não são postos em segundo plano. «Os vegetais são tão flexíveis como a proteína», assegura o chef, e este menu está aí para prová-lo.

modo de usar
Funciona apenas em menu de degustação. O menu vegetariano (vegano, a pedido) está disponível por marcação. A pedido, está disponível a harmonização de vinhos.

Kanazawa
Rua Damião de Gois, 3 A (Algés), Lisboa
Tel.: 213010292
Web: facebook.com/Kanazawa-1515815278732068
Das 19h30 às 23h00. Encerra ao domingo.
Preço: 60 euros (menu de 7 momentos; suplemento de vinhos, 35 euros)

 

João Sá, chef e dono do Sála. (Nuno Pinto Fernandes/GI)

João Sá, chef e dono do Sála. (Nuno Pinto Fernandes/GI)

SÁLA | BAIXA
A textura é um ponto de partida. Num só prato, a abóbora desfila laminada crua, em puré, assada, em sumo e como parte de um crocante. Noutro, há couve-coração caramelizada, «como se fosse um pedaço de carne», marinada com massa de pimentão, kimchi, gengibre, enrolada em lombarda, e trigo-sarraceno por cima. «Temos de começar pela textura», introduz João Sá, para explicar o seu processo criativo quando está a trabalhar em modo vegetariano. «Compensa-se a teórica falta de riqueza de não ter um peixe ou uma carne com textura.» E, acrescenta logo de seguida, «com elegância, cremosidade, sabor».

Textura é, de facto, o elemento que sobressai dos pratos vegetarianos que o chef incluiu na carta do seu novo restaurante apostado em força no produto de época. A tal elegância, cremosidade, sabor, esses não tardam a manifestar-se. Todos estes atributos estão em alta no prato a que chamou, simplesmente, «batata, cogumelos silvestres, trufa», como se não fosse nada de extraordinário. Vai-se a ver e é, afinal, um croissant de finas tiras de batata, pincelado de manteiga clarificada e tostado no forno, gulodice suprema, mesmo que não tivesse um rico recheio de cogumelos e a trufa de verão a fazerem-lhe a corte.

Para quem não se enjoa facilmente de cogumelos, há ainda esta sobremesa a conferir: gelado de cogumelo, toffee de trufa e cheesecake de chocolate e boletus. Para terminar em grande aquilo que começou em grande.

modo de usar
A carta tem 5 pratos vegetarianos (veganos, a pedido). Três pratos para dois é uma boa conta – pela quantidade, pela diversidade e pela soma no final. Menu de degustação disponível por reserva.

Sála
Rua dos Bacalhoeiros, 103 (Baixa), Lisboa
Tel.: 218873045
Web: restaurantesala.pt
Das 12h30 às 15h00 e das 19h00 às 23h00. Encerra ao domingo e à segunda.
Preço médio: 27 euros

 

Ljubomir Stanisic, chef, dono e alma do 100 Maneiras. (Fabrice Demoulin)

100 MANEIRAS | BAIRRO ALTO
Menus vegetarianos já Ljubomir Stanisic preparava, a pedido, no antigo 100 Maneiras. Porém, eram adaptações de pratos, sempre algo subordinado ao menu principal. Na versão revista e aumentada do seu restaurante no Bairro Alto, que abriu duas portas ao lado há um par de meses, o chef bósnio escavou mais fundo no assunto, e criou um menu com a mesma complexidade e potencial para deslumbramento, com vegetais no lugar de carne e de peixe.

Seguindo a filosofia deste novo 100 Maneiras, o menu percorre os 25 anos de cozinha de Ljubomir e parte da sua história de vida, do arranque «Bem-vindo à Bósnia» – uma ampla comitiva de boas-vindas com pão da sua mãe, delícias balcânicas como ajvar (pasta de pimentão), picles fumados de cenoura e húmus de macadâmia, servida em louça de estilo otomano – aos incêndios de 2017, que o chef testemunhou e de onde se inspirou para a sobremesa «A fumo e fogo», com leite de amêndoa, linhaça e aroma de feno queimado.

No desfile de dezassete momentos, tantos quantos existem no menu omnívoro, a surpresa e o fator «uau!» são uma constante, como é hábito de Ljubomir. No croquete de romesco servido sobre um vistoso pé de galo, no leite de ovelha servido com flor de mostarda para coalhar no prato. E em pratos que brincam com a expectativa de quem está à mesa, como um falso risoto de cherovia ou a sobremesa de maracujá, chocolate branco e alho negro. Ljubomir não esconde o orgulho. «Quem come vegetariano pode curtir tal e qual como no menu normal.»

modo de usar
Funciona apenas em menu de degustação. O menu vegetariano Ecos do 100 tem 17 momentos. A pedido, está disponível a harmonização de vinhos.

100 Maneiras
Rua do Teixeira, 39 (Bairro Alto), Lisboa
Tel.: 910918181
Web: 100maneiras.com
Das 19h00 às 02h00. Não encerra.
Preço: 100 euros (menu Ecos do 100; suplemento de vinhos, desde 60 euros)

 

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