Em 2011 venceu o muito exigente concurso chefe cozinheiro do ano, a que jamais se chega impreparado ou sequer frágil nalgum aspeto técnico ou culinário. O chef Tiago Bonito oficiava então na Pousada de Lisboa, no Terreiro do Paço, aplicou-se e levou a melhor, batendo grandes valores da cozinha nacional. Mostrava assim a fibra de que é feito, sempre na sua incomparável toada de boa disposição e fair-play.
A saída de André Silva da Casa da Calçada em 2017 conduz ao convite feito ao eternamente jovem chef para liderar os fogões no Largo do Paço, uma estrela Michelin, no super-destino Relais & Châteaux, em Amarante. Repto aceite, como de resto aceita tudo, com um sorriso por fora, e por dentro toda a parafernália a aquecer e afinar-se para exceder expectativas. Manteve a estrela e hoje segue impante pela sua senda vitoriosa.
É casa com pergaminhos, já por lá passaram os chefs José Cordeiro, Ricardo Costa, Vítor Matos e André Silva, pelo que é de louvar a ousadia do chef Bonito. O local é ainda pouco visitado pela comunidade gourmet nacional, o que é difícil de aceitar, face tanto à proximidade de Porto e Braga quanto à experiência única que é uma refeição de sobre o rio Tâmega, Amarante aos pés. O lugar transpira história, bravura e talento, bem à altura de Tiago Bonito, sentamo-nos à mesa com a expectativa bem alta, luxo acessível e consentido.
Enveredamos pelo menu Identidade, com nove momentos, nos peixes voo rasante pelos mares nosso e do mundo, nas carnes bem ancorados no território onde nos encontramos. Partimos Atlântico fora com o atum rabilho, abacate, lima kaffir e wasabi, bem pensado e melhor trabalhado; há uma preocupação com a sustentabilidade e há que fomentar o respeito pela diversidade. Inspirado em Sagres, sai um dos pratos mais felizes da noite, carabineiro, bivalves, coral e citrinos, festival marítimo a honrar a cascaria e o debulhe dos lobos-do-mar de outrora, delicioso e a puxar por nós. Segue-se um interregno um pouco difícil de entender, mas chef é chef e temos de ser obedientes. Foi o wagyu, estragão, ovo bio e queijo da ilha, inflexão carnívora muito elegante mas proteica. Repôs-se a ordem natural das coisas com o brilhante prato lula, carbonara, moreia e cebolinho, a que se seguiu o majestoso peixe-galo, caranguejo real, espargos e champanhe, para nos pôr no topo do mundo e no pináculo de prazer que desde o início da empreitada pressentíamos. E foi o momento da ligação à terra, literalmente. Porco bísaro, couve fermentada, salada crocante e mostarda numa proposta inesquecível de sabores, texturas e património, refira-se.
Fechámos bem na terra e na horta com o vitelão barrosão, rúcula selvagem, alcachofra e beterraba, os toques de mestre do chef Tiago Bonito a colocar tudo em sintonia e a preparar o final feliz. Brilhante duplo epílogo com a sobremesa de pistácio, ruibarbo, hibisco e balsâmico de novo a explorar pontes menos usadas, especialidade do chef, está visto, e o café gelado, composto por cacau, framboesa e pimenta-rosa. O escanção e maître Adácio Ribeiro a brilhar nas harmonizações (110 euros para o menu Identidade), viagem comprida mas segura. O mundo está afinal aqui.
A refeição ideal
Atum rabilho, abacate, lima kaffir, wasabi (25 euros)
Carabineiro de Sagres, bivalves, coral, citrinos (27 euros)
Cherne ao sal, gamba do Algarve, salicórnia e caldeirada (35 euros)
Cabrito de leite, raiz de salsa fumada, espinafre, molho do assado (30 euros)
Queijos nacionais e internacionais, compotas e bolachas (22 euros)
Longitude : -8.078615600000035
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