Kanazawa: Um ano de alta cozinha japonesa com Paulo Morais

Passaram mais de 365 dias desde que Tomoaki regressou ao Japão e deixou a Paulo Morais as chaves do seu restaurante de alta cozinha japonesa, em Algés, Lisboa.

A história é conhecida: nos últimos dias de julho, em 2017, o chef Tomoaki Kanazawa surpreendeu todos ao anunciar o repentino regresso ao Japão, deixando ao português Paulo Morais o seu restaurante kaiseki (refeição feita de pequenos pratos com produtos da época, semelhante a um menu de degustação). A 31 de julho, Tomo cozinhava pela última vez em Algés e, a 3 de agosto, o Kanazawa reabria já com o chef português atrás do balcão.

Um ano depois da saída de Tomo, é inevitável perceber o que mudou. O menu de degustação mais completo (o Tasting, a 150 euros) inclui agora vinhos portugueses – Tomo só servia sakê – , e carta passou a mudar mensalmente, em vez de três em três meses. Em agosto, serviram-se pratos como uma sopa de pepino com beringela assada e lírio, vieiras com miso e alga wakame, e uma tempura de folha shiso, com um polme tão fino que parece mentira. Em setembro, será uma carta diferente. «Vamos lançar um livro sobre este ano do Kanazawa com os 12 menus que fizémos nos 12 meses» revela Paulo Morais, à frente do balcão com apenas oito lugares. O Tomo ainda pensou na estrela Michelin. Mas nós não, pelo menos agora. Para o próximo ano poderemos pensar nisso», diz.

Os rumores sobre o regresso do japonês ainda chegaram a ecoar, mas Paulo diz que nada está previsto. Falam esporadicamente via Facebook e o chef sabe que Tomo e a mulher se encontram a viver e a trabalhar na província de Nagasaki.

Morais mantém muito do legado do japonês (como os quatro menus de degustação, que começam nos 60 euros e se distinguem entre si pela quantidade de pratos), e o respeito pela tradição kaiseki. Tudo o resto é feito à sua imagem. Assim reflete o Hassun, um dos pratos do menu «que representa a estação e a personalidade do chef». O último traduziu-se numa câmpanula de vidro com vários peixes e mariscos curados ali, como lírio em miso, carapau em salmoura e bomboca (um bivalve); mas já chegou a servir outras versões criativas, como o mês em que usou bonsais como pratos.

Não é preciso saber muito sobre gastronomia japonesa para ficar a perceber que o que faz Paulo Morais não tem nada de simples. Ao balcão chega tofu caseiro, uma pasta de miso que demora um ano a ser feita, uma gema curada em teriyaki e a verdadeira raiz de wasabi (muito diferente do concentrado apenas com 5% desta planta, que é comum servir-se). Isto já para não falar da loiça assinada por uma ceramista de Cascais, que utiliza uma técnica japonesa na produção.

Parte da loiça é feita por uma ceramista de Cascais, que a produz segundo uma técnica japonesa.

Ao balcão, Paulo Morais é não só líder da cozinha, mas também contador de histórias, pois os oito lugares deste kaiseki assim permitem a proximidade. Aprende-se que é de mau tom espetar os pauzinhos no arroz, tal como passá-los com comida ao companheiro do lado. Descobre-se que o atum servido no Kanazawa é apanhado por mergulhadores segundo uma técnica japonesa, em que o peixe não fica em sofrimento (ikejime) e altera o sabor final da carne, que se desfaz na boca. Já na etapa final, enquanto o chef trabalha com as mãos os niguiris e gunkans com os peixes de alta qualidade, até os visitantes ficarem satisfeitos, ainda há tempo para conhecer o seu percurso.

Desde o primeiro estágio, em 1989, ou a estreia no antigo Furusato, no Estoril, aos anos de aprendizagem no Midori do Penha Longa (onde surgiu a oportunidade de ir ao Japão, por duas vezes). Teve negócios por conta própria, lançou livros, e liderou restaurantes como Rabo d’Pêxe, onde estava antes do Kanazawa. Resta saber o que ainda lhe falta concretizar. «Segundo a filosofia japonesa, nós nunca atingimos a perfeição», começa por dizer, concluindo: «E depois há tantos peixes do mar que eu não experimentei, tanto marisco e tantos legumes. Ainda há muito por fazer».

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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