Que textura tem e a que sabe um ouriço-do-mar? “A textura é untuosa (cremosa) e o sabor não é consensual, depende do gosto de cada um” e dos horizontes gustativos a que as pessoas estão ou não habituadas, mas “tem um forte sabor a mar, iodado”. É assim que Nuno Nobre – consultor gastronómico especializado em consultoria estratégica e com décadas de projetos ligados à valorização de produtos endógenos – descreve a essência do produto a que deu honras de festival internacional, cuja nona edição decorre na Ericeira de 21 a 30 de março.
Realizado ininterruptamente desde 2015 (2020 foi o único ano em que não houve edição, por causa da pandemia de Covid-19), o Festival Internacional do Ouriço-do-Mar ganha vida em parceria com a Câmara Municipal de Mafra que, há dois anos, viu a Ericeira ser reconhecida como Best Tourism Village 2023 pela United Nations World Tourism Organization. Em causa estiveram as medidas de sustentabilidade adotadas no concelho, a preservação da biodiversidade e do ecossistema marinho e a valorização das tradições do mar e da pesca.

Nuno Nobre é o fundador do festival. (Fotografia: DR)

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Dez anos volvidos, o desígnio do festival mantém-se em torno da recuperação e valorização de um produto do mar “tão rico”, mas que em 2015, “era pouco conhecido da maioria das pessoas”, lembra Nuno Nobre. “Hoje, é com orgulho que vejo o ouriço ser considerado um ingrediente-estrela em restaurantes reconhecidos de todo o mundo e sinto que o festival contribuiu para que o seu futuro (graças ao foco em medidas de proteção e conservação, por exemplo) esteja assegurado”, afirma o consultor gastronómico, citado em comunicado.
“A Paracentrotus lividus é a espécie que mais abunda ao longo da costa portuguesa”, explica Nuno Nobre, falando por experiência, não só por acompanhar a par e passo todo o trabalho científico que dá retaguarda ao festival, mas também porque conhece bem as praias rochosas da Ericeira, onde aprendeu a pescar com o pai, em criança, durante as férias de verão. Fruto deste contacto privilegiado com o ouriço-do-mar, aprendeu a saboreá-lo e a valorizá-lo, mais tarde, de uma forma científica e não apenas empírica, como sucedia com os mariscadores.

(Fotografia: DR)

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O historial de consumo por parte de pescadores e mariscadores revela que, apesar do ouriço não entrar com frequência na mesa do dia-a-dia nem nos restaurantes, era usado “em caldos e açordas”, e até comidas as suas ovas ao natural (a parte comestível que se extrai do ouriço), ou então grelhados na grelha ou no carvão. A apanha requer respiração por apneia, a dois ou mais metros de profundidade, uma vez que estão agarrados às rochas. A espécie alimenta-se essencialmente de algas, “daí serem tão ricos nutricionalmente” ao incluir omega3 e potássio.
Outro dos objetivos do projeto, entretanto alcançado, foi levar à implementação de uma lei que garantisse o respeito do chamado período de defeso do ouriço, por motivos biológicos, medida adotada depois de auscultado o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. O período de proibição decorre entre os meses de maio e novembro, com datas concretas, consoante se a apanha é a norte ou a sul do estuário do rio Tejo. No fundo, o projeto permitiu valorizar o valor do produto, ao mesmo tempo que salvaguarda o desenvolvimento sustentável do stock selvagem no mar.
Festival aberto a todos
Aberto a todos os interessados, o evento terá como palco o Mercado Municipal da Ericeira. Após a inauguração, dia 21 (sexta-feira) às 18 horas, as portas estarão abertas das 12 às 20 horas nos dias 22, 23, 29 e 30 de março com sugestões de cozinha do mar e vinhos da região (ver abaixo); enquanto nos dois sábados do festival cientistas do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente darão uma oficina, das 12 às 15 horas (gratuita e sem inscrição prévia e gratuita) sobre os aspetos do ecossistema marinho e o ciclo de vida da espécie Paracentrotus lividus.
No mercado, em vez das tradicionais bancas de peixe e outros produtos, os visitantes do 9.º Festival Internacional do Ouriço-do-Mar encontrarão espaços ocupados por cozinheiros especializados em cozinha marinha. Alguns dos pequenos pratos serão, por exemplo, lapas à Madeirense com manteiga de ouriço-do-mar, sanduíche de raia seca da Ericeira, ostras, berbigão à Bulhão Pato, e ouriços frescos ou reinterpretados criativamente, em sinal de demonstração da sua versatilidade. As sessões de cozinha ao vivo serão, como sempre, um dos pontos altos.

(Fotografia: DR)

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No cartaz de nomes da cozinha, alguns referidos pela Michelin e pelo The World’s 50 Best Restaurants, estão presentes Athanasios Kargatzidis (Costa Fria e Baron Beirut), Fagner Businhani (GoJuu Club), Nunes Real Marisqueira, Justin Jennings (Downunder), Rodrigo Alves (Ao Lume e Talho do Mar Londres), Carlos Duarte Afonso (C-A e 24 Kitchen), Adam Demanuele (The Seafood Market Grill Malta), Miguel Castro e Silva (Casario e Time Out Market), Luis Machado (Docapesca), Habner Gomes (Yoso) e José Lopes (BonBon).
Paralelamente à dinâmica a decorrer no Mercado Municipal da Ericeira, 24 restaurantes do concelho de Mafra terão, nos seus menus, pelo menos um prato preparado com ouriço-do-mar durante o período de duração do festival. Já o jantar Ouriço-do-Mar: o caviar da Ericeira irá acontecer no dia 27 de março, no restaurante Golfinho Azul (junto à praia de São Lourenço), liderado pelo chef Pedro Castro. O menu de cinco momentos, todos com ouriço e com pairing de vinhos de adegas da Ericeira, Torres Vedras e Bucelas, terá o valor de 60 euros/pessoa.