Évora: as novidades que estão a mexer a cidade branca

É tempo de revisitar os locais de sempre nesta cidade que é Património da Humanidade, de lembrar o que foram, mas também de olhar para os novos espaços que estão a surgir. Porque o tempo não para. E Évora também não.

«Quando me dizem que gostavam de ver como seria Lisboa sem o terramoto, respondo sempre: ‘É vir a Évora’», conta a guia Cira Camacho, no centro da Praça do Giraldo, o pulmão de Évora já dentro das muralhas. Em redor, as arcadas brancas, os edifícios antigos e baixos, deixam ver uma cidade que poderia ser hoje semelhante a Lisboa, em menor escala, caso a história se tivesse pintado de outros tons a 1 de Novembro de 1755. E, mesmo em Évora, nem tudo o que parece antigo o é.

«Este percurso, Évora Desaparecida, ajuda-nos a desconfiar daquilo que vemos», continua Cira, com uma sacola de pano ao ombro, onde estão cartões com imagens antigas de vários pontos da cidade, retiradas de arquivos. Cada uma, corresponde a uma paragem deste passeio, inaugurado pela empresa Compadres no ano passado.

E a primeira é precisamente na praça que homenageia Geraldo Geraldes, o homem que terá conquistado a cidade aos mouros. A guia revela os primeiros cartões, um dos quais mostra um edifício do século XX. «Hoje não existe, foi demolido, mas aqui ficavam os armazéns do Chiado, que na altura tinham loja em todas as capitais de distrito. Évora só voltou a ter centro comercial em 2017», explica, lembrando que a noção de património só surgiria décadas mais tarde. «A cidade era colorida no século XIX, mas o gosto tradicionalista e o Estado Novo levaram à destruição de fachadas modernas para as transformar em edifícios de traça antiga», recorda Cira, durante o percurso que continua pelo interior da cerca velha.

Passeio Évora Desaparecida com os Compadres

Hora e meia de Évora Desaparecida chegam para conhecer histórias, obrigar os olhos a recuar séculos para imaginar a atual Fundação Eugénio de Almeida como antigo Palácio da Inquisição e o mercado municipal como Paço Real. O momento mais importante é a chegada ao templo romano. «Dizer Templo de Diana é errado. Era a forma que as pessoas tinham de interpretar a história», vinca Cira, mostrando a próxima imagem. É o templo revestido por paredes, numa altura em que funcionou como açougue, já sem o espelho de água que o rodeava no período romano.

Do antigo nasce novo

O antigo fórum, zona administrativa para os romanos, e espaço eclesiástico durante os tempos da Inquisição é, sobretudo, hoje, pólo cultural e mantém a sua importância na cidade. Além do templo, ali estão a Biblioteca de Évora, a Fundação Eugénio de Almeida, mas também a Pousada dos Lóios, outrora um convento. Haveria dezenas em tempos, de todas as ordens religiosas. A maioria, desativados ou destruídos, alguns ainda habitados, e outros com diferentes vidas, como é o caso da antiga morada da Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista, gerida pelas Pousadas de Portugal. Hoje dorme-se no Lóios, mas também se come.

Mais rápido ao almoço, desde que a nova carta foi lançada há um par de meses para facilitar a vida a quem não dispõe de muitas horas à mesa. O À Brás com lombo de bacalhau fresco, a pita de cabrito ou o hambúrguer de vitela mertolenga com cheddar e bacon são algumas das opções. Fecha-se a refeição com uma tábua de sobremesas doces, disfarçadas de queijos, ideia da cozinheira autodidata Ana Ceriaco. O que aparenta ser um queijo fresco é na verdade uma panacotta de baunilha, outro suposto queijo é, afinal, um doce cheesecake e até a broa é, na verdade, um bolo de canela.

À Brás com lombo de bacalhau fresco

A agilidade pede tréguas depois deste banquete romano na Pousada dos Lóios. Ainda bem que Miguel Mira, condutor e guia turístico da Top Emotions, está preparado para mostrar o resto da cidade em quatro rodas. Da frota fazem parte 28 automóveis clássicos, de uma antiga coleção pertencente ao seu avô. Pode escolher-se entre um Heinkel Kabine, um Mercedes Benz 300 SL, e um Ford V8 Roadster, mas é num Morris Minor que a viagem segue em versão descapotável até fora das muralhas.

A três quilómetros dali, Miguel mostra uma das melhores vistas da cidade. O Alto de São Bento, um miradouro onde terão vivido as primeiras tribos da região, tem ainda a companhia de moinhos desativados e do antigo Convento de São Bento de Cástris. Já a localização deste maciço granítico proporciona uma bela panorâmica do aqueduto de 18 quilómetros de comprimento e de Reguengos de Monsaraz e da Serra de Ossa. A partir dali a viagem pode tomar qualquer rumo – tudo depende de quem segue no carro.

Miguel não só é disponível e adapta facilmente o discurso e o trajeto, como conhece a cidade de olhos fechados. Ora aponta para a Pastelaria Violeta no prédio onde viveu Eça de Queirós – «aqui comem-se as melhores queijadas» -, ora revela os banhos romanos encontrados junto à Câmara Municipal, ou então chama atenção para as várias sobreposições de pedra nos edifícios, revelador das suas várias vidas.

Um dos clássicos da Top Emotions, que faz passeios turísticos pela cidade e nos arredores.

Tamanho passeio, pede igual descanso. Nem todos sabem onde fica o novo The Noble House, mas o nome Pensão Policarpo não é estranho a ninguém. Antes de se ter transformado no mais recente boutique hotel de Évora, o edifício do século XIV foi solar alentejano, propriedade dos Condes da Lousã e tornou-se escola, antes de inaugurar como o primeiro hotel da cidade. Nos últimos 50 anos, deu lugar à pensão, acarinhada pelos eborenses, e cuja imagem foi preservada pelo novo hotel.

Nos corredores do Noble veem-se os puxadores das antigas portas da Policarpo, o chão de madeira centenário foi conservado e na cozinha valorizou-se o teto abobadado com tijolo burro e a chaminé, antes escondida por um bar. A obra foi acompanhada por arqueólogos de forma a preservar o edifício com 24 quartos. «Todas as divisões são diferentes e têm história própria», conta Cláudia Carvalho, diretora do mais recente hotel do grupo Unlock e o primeiro a ser criado de raiz. «Um dos quartos mais cobiçados é o Garden Suite, com terraço e uma parede, que é muralha da cidade», adianta.

Algumas divisões estão voltadas para o centro e para a planície alentejana, outras para a rua pedonal Conde da Serra. De um lado tem-se a vista, do outro a alma da cidade, com as vizinhas a pendurarem a roupa e a cumprimentarem quem chega, à janela.

Comer à grande – e à alentejana

Os conventos, as igrejas em cada esquina…há tanto a visitar em Évora. Mas quem tiver estômago para o Alentejo pode facilmente passar um dia envolto na gastronomia. Os restaurantes de sempre, que oferecem o que é bom e tradicional, continuam nas mesmas moradas, mas há novos tachos e rostos para conhecer nos últimos anos. Como o do chef Gonçalo Queirós e da mulher, Eugénia, cujo restaurante Origens passou a integrar o Guia Michelin como Bib Gourmand («refeições cuidadas a preços moderados») em 2017.

A sala é pequena e a cozinha aberta, o que permite ir observando o chef do Barreiro, que fez grande parte do seu percurso no Alentejo. Bica do Sapato, Tavares Rico, M’Ar De Ar Hotel Aqueduto, L’and Vineyards e o restaurante Picante, no Dubai, foram algumas das cozinhas por onde passou, antes de abrir o seu próprio espaço dedicado à cozinha de autor. A ideia é partilhar os pratos que respeitam a sazonalidade dos produtos da região.

«Vinhos só alentejanos», explica Eugénia, enquanto chega à mesa a açorda de cação. Os coentros em gelatina derretem assim que o caldo quente rega o prato. O bacalhau assado, com puré de beterraba leva também gelatina de vinho tinto, produzido com as uvas de um vizinho. Naquela que é a sétima carta do restaurante, desde que abriram há um ano, está também o Javali do Montado, um prato em que a carne desfiada é marinada 24 horas em vinho tinto.

O bacalhau assado com puré de beterraba e gelatina de vinho tinto, do Origens

De nova cozinha alentejana também se faz o espírito da Enoteca Cartuxa, pertencente à Fundação Eugénio de Almeida. Abriu há um ano e o espaço funciona como garrafeira, mercearia e restaurante, com margem para se petiscar a preços simpáticos ou mesmo fazer uma refeição grande. A sala principal é convidativa, bem iluminada, e por detrás do balcão estão todas as referências dos vinhos Cartuxa (EA, Scala, Pêra Manca, Vinea…).

A incontornável açorda de alho está também no menu, tal como as migas de espargos que acompanham lombinhos de porco em vinha d’alhos e as bochechas com pimentão, cogumelos e farofa. À sobremesa, o pudim de azeite com calda de laranja deixa vontade de voltar. A prova de que reinventar sem desvirtuar o tradicional é suficiente para conquistar.

Pastéis de nata no Alentejo?

O inverno não parece ter causado grande dano ao negócio que Inácia Junça abriu em maio de 2015, na rua Alcarcova de Cima. Mesmo na estação mais recolhida, chegam a sair 500 gulosos pastéis de nata por dia. «Nunca pensei que alguém me fosse dar dinheiro por alguma coisa que fizesse», diz, com um sorriso, a proprietária da Fábrica de Pastéis. Está longe de ser pasteleira com décadas de experiência e foi apenas há 7 anos que se lançou numa brincadeira caseira.

Fechou a creche infantil que tinha na cidade e tratou de desempoeirar um velho livro de culinário oferecido por uma tia, a começar pelos pastéis de nata. Muitas tentativas depois, lá saíram os primeiros «perfeitinhos», seguidos por muitos outros que Inácia havia de levar para Espanha. Fizeram sucesso além-fronteira, mas a vontade de estar perto dos filhos ditou o regresso ao Alentejo, de que não se arrepende. Contaram-lhe mais tarde que um convento dedicado a Santa Catarina, não muito longe dali, teria feito em tempos uns pastéis de massa folhada semelhantes aos seus, com nata. «Acabei por afinar a receita», conta. A fama dos pastéis condiz também com a da charmosa cafetaria-fábrica, incorporada na muralha da cidade.

Descendo à Arcarcova de Baixo (antigo fosso da muralha) encontra-se também outra fábrica, que nasceu no último ano. Tudo começou com um excedente de fruta e um carrinho de gelados ambulante. O casal Helena e Luís Patrão pouco sabiam de gelados antes de começarem, mas o sucesso nas ruas ditou que investissem em formação. Hoje, a Fábrica dos Gelados tem loja própria o ano inteiro e é nas traseiras que Helena se dedica a testar os diferentes sabores, com leite fresco, que chega de uma vacaria diariamente. Até hoje, já experimentaram mais de 135 diferentes. Das experiências mais populares nasceram os sabores de castanha com chocolate, sericaia com ameixa, requeijão doce com abóbora, bolota com alfarroba, que podem servir com bubble waffles (em forma de bolha) em copo.

Bubble Waffle da Fábrica dos Gelados

E se os gelados derretem como souvenir num regresso a casa, tal não acontece com os produtos da Tou c’os Azeites e os da The Bakery Lounge, dois espaços que chegaram a Évora nos últimos anos. O primeiro, mais recente, é um projeto de Renata Carvalho dedicado ao azeite. As principais referências na sua loja são alentejanas e transmontanas, mas além do líquido dourado encontra-se azeite para barrar, compotas e crocantes com o ingrediente, queijos em azeite e até sabonetes.

Umas ruas acima da Alcarcova está também o The Bakery, uma padaria-cafetaria de aspeto nórdico que conquista tanto jovens como as gerações mais velhas. É negócio familiar, que envolve irmãos e uma mãe a comandar a cozinha, de onde saem pães, bolos, bruschettas, pratos do dia e as «meninas da casa»: empadas alentejanas. «A massa é estaladiça, a galinha é desfiada à mão, tudo caseiro», diz Rui Ramos. Como sabe bem o moderno, com sabor do antigo.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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