«Somos um país com muita doçaria interessante»

Chama-se «Doçaria Portuguesa – Norte» e é o primeiro volume a ser lançado do maior inventário da doçaria nacional, com autoria da designer Cristina Castro, que anda pelo país a recolher especialidades. A lista já vai em 650 doces e haverá mais quatro livros, sendo o próximo dedicado ao Alentejo e Algarve.

O que podemos descobrir nesta doce epopeia?
Uma coisa que não é segredo nenhum: que somos um país com muita doçaria interessante. Mas em muitas coisas não somos os únicos. Comecei por viajar dentro de Portugal e, a certa altura, para perceber a doçaria, tive de ir a muitos outros sítios fora do país. Tive de compreender o que se faz na Índia, na Ásia… Somos um país feito de gente que veio de muitos sítios. Por exemplo, a aletria também se faz noutras partes do mundo.

Não é um livro de receitas, é um guia?
É um livro sobre a história, a prática e as tradições doceiras. Fala sobre pessoas que atualmente fazem doces, tenham eles quinhentos anos ou cinco, mas que, de alguma forma, ganharam uma tradição local. Descreve cada doce, a sua história, quem o faz e em que locais. Tem esse caráter de itinerário, de guia. Em alguns casos, explica-se como deve ser comido o doce, porque isso também faz parte da tradição. Encontrei um doce em Valpaços que, na hora de o meter no forno, as pessoas à volta têm de se rir.

Há mais doces com essas curiosidades?
Vários. Mas houve um em particular: os fálgaros em Sernancelhe. Não têm açúcar, mas são entendidos como um doce e comidos no fim das refeições com geleia ou compotas. Leva imensos ovos, farinha e queijo mole. As senhoras só precisam de dois utensílios: uma bacia e um forno a lenha. Batem os ingredientes à mão e fica uma pasta sem interesse. Depois metem umas colheradas em travessas que vão ao forno. E quando se abre o forno estão lá dentro bolos altos, bonitos, parecem cogumelos, com formas extraordinárias.

A doçaria ainda é uma tarefa feminina?
Ainda é essencialmente feminina, embora eu tenha entrevistado muitos homens e haja muitos a fazer e até a criar doces novos. Ouve-se muito e repetidamente esta história: «isto foi a minha avó que me ensinou, foi a minha mãe que me ensinou.»

E como são as histórias à volta dos doces?
Apercebi-me que as pessoas que fazem os doces, e os doces com muita história, têm uma relação muito sentimental com a doçaria. Uma senhora dizia-me que tinha de fazer os doces não para continuar o negócio, mas porque era a única forma de estar junto da mãe. Por isso é que as histórias acabam por ser muito boas, é outro mundo.


Um doce por semana
Neste inventário da doçaria nacional, Cristina trabalha com o gastrónomo Virgílio Nogueiro Gomes e a historiadora Isabel Fernandes. Uma vez por semana, às sextas-feiras, no site No Ponto (noponto.pt), Cristina Castro publica vídeos que revelam histórias de doces, como os sticks de Paço d’Arcos, doce-homenagem aos campeões de hóquei em patins das décadas de 40 e 50 ou os calços de Macedo de Cavaleiros, pão doce em forma de ferradura.


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