Desarma: brilha mais uma estrela Michelin no Funchal

Chef Octávio Freitas, no Desarma (Fotografia de Artur Machado/GI)
No Desarma, embarcamos numa viagem pela Madeira de Octávio Freitas, com uma cozinha de tributo à ilha, que valeu ao chef a sua primeira estrela Michelin, conquistada na edição deste ano do guia.

Da varanda do Desarma, a cidade do Funchal surge como um anfiteatro aberto ao mar, e ao que ele traz. Hoje, assiste-se a um vaivém de navios de cruzeiro, mas ao longo dos séculos, a situação geográfica da Madeira colocou-a no centro das rotas comerciais transatlânticas, enriquecendo em várias camadas a cultura e a gastronomia da ilha. Uma herança capaz de artilhar um chef irrequieto e uma equipa jovem e ambiciosa com todas as armas necessárias para, em apenas um ano de abertura, juntarem o Desarma, no topo do recém-renovado hotel The Views Baía, à constelação madeirense.

Vista sobre o Funchal, da varanda do Desarma (Fotografia de Artur Machado/GI)

Hotel The Views Baía (Fotografia de Artur Machado/GI)

 

A conquista da estrela Michelin no guia de 2024 veio como “prova que não precisamos sair da ilha para estarmos ao nível dos melhores”, realçou o chef Octávio Freitas, na primeira edição da gala em Portugal, que aconteceu em fevereiro. O cozinheiro, natural de Câmara de Lobos é um apaixonado pela sua terra e orgulhoso defensor dos produtos regionais, daí que assuma um certo “bairrismo” em tudo o que cria. A completar 26 anos de carreira, toda ela construída no território insular, Octávio concretizou no Desarma “o sonho de criar uma catedral gastronómica” e dar palco aos sabores madeirenses, com uma cozinha focada no estudo e valorização dos produtos endémicos.

Numa sala que lembra uma plantação de bananeiras, concebida pela designer Nini Andrade Silva, com o mar em plano de fundo, o chef convida a participar “numa batalha de sentidos travada na boca, uma viagem profunda à Madeira”, através de dois menus de degustação que prometem surpreender a cada momento (podem ser seis ou oito). O pináculo da experiência acontece na Bancada do Chef, o balcão em mármore que rodeia a cozinha e que permite assistir a todos os movimentos da brigada, qual orquestra em harmonia, sob direção do maestro. Naqueles oito lugares privilegiados, a proximidade com o chef eleva a apresentação do prato a uma conversa sobre inspirações, técnicas e curiosidades ao longo de 12 momentos (nove pré-definidos e três de improviso).

Desarma (Fotografia de Artur Machado/GI)

 

Há-de saltar à vista a cortina de peixes secos pendurados ao fundo da cozinha, e há-de surgir pretexto para o chef trazer ao balcão uma coleção de fermentados caseiros (a sua mais recente obsessão), ou um naco de atum curado, para falar dos seus enchidos marítimos. “Isto tem sido uma das nossas grandes apostas, fazemos várias curas de atum”, diz. Prova-se um pouco logo ao início, numa trilogia inspirada nas comidas de tasco e dos arraiais, da qual faz parte uma recriação da espetada da Madeira: atum curado, com creme de alho assado e sal fumados, sobre um biscoito feito com óleo de louro.

Atum curado, Lapas Secas e Ovas de espada (Fotografia de Artur Machado/GI)

 

Mais para a frente, numa sucessão de pratos que cumprem o desígnio de desarmar quem os prova, chega um tributo à cidade-anfiteatro. “Quando se descobre a Madeira, no Funchal encontra-se um vale formoso de funcho, que é o que vai dar o nome à capital. Então quis fazer um prato desenvolvido através do funcho”, apresenta. Monta no balcão um conjunto de texturas (mousse de funcho, funcho fermentado, em gel, em salada e numa emulsão com lima kefir) servidas com cherne e caviar. “Gosto de pratos dinâmicos na boca”, justifica Octávio. A composição, delicada e elegante, harmoniza em pleno com as notas herbáceas e a acidez do Cagarra 2022 (um blend de Sercial e Verdelho cujo nome provém de uma ave marinha que nidifica na ilha da Madeira). “Este é o meu vinho mais recente”, lança o chef, que é também produtor/viticultor nos tempos livres. “O meu sonho é fazer um menu completo harmonizado com vinhos meus”, confessa.

Cherne e texturas de funcho (Fotografia de Artur Machado/GI)

 

Face à natureza insaciável que já revelou, e que o faz dedicar-se em absoluto a tudo o que lhe desperta o interesse, não tardará, certamente, a acontecer. “Eu tenho uma inquietação natural. Sou curioso, gosto de aprender. Estou sempre a pensar e a projetar coisas novas. E essa forma irrequieta de estar é paixão”, resume o cozinheiro. No Desarma, transforma esse desassossego numa ode à sua amada Madeira, num entusiasmo contagioso, que faz partir dali com ânsia de explorar a ilha.

 

The Views Baía. Rua das Maravilhas, 74, Funchal. Tel: 291700200. Web: theviewshotels.pt. Quarto duplo a partir de 180 euros/noite (com pequeno-almoço).

Desarma. Rua das Maravilhas, 74, Funchal. Tel.: 23455678. Web: desarma.pt. Menu de degustação a partir de 175 euros por pessoa (sem pairing de vinhos)



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