Crítica: Narcissus Fernandesii, Vila Viçosa

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Lombinho de porco do chef Pedro Mendes
Tudo certo, distâncias bem medidas, alcance de cada criação, festival de raízes e das muitas proximidades que matizam o talento culinário do chef Pedro Mendes. Está como peixe na água no Alentejo Marmóris, em Vila Viçosa, feito rei Neptuno do montado.

Corre o sexto ano de funcionamento do hotel dedicado ao mármore que Vila Viçosa viu nascer e de que a região é expoente supremo no mundo. António Alves é a personalidade ímpar que está por detrás das duas venturas, a da pedra e a do fogo que dão vida ao brilhante projeto hoteleiro que está a tornar-se centro gravitacional do Alentejo raiano de Vila Viçosa. Quem foi buscar para gerir os fogões? Pedro Mendes, o homem que no momento em que deixava formalmente o Algarve publicava o mais notável livro sobre a bolota. Pensador livre, cidadão do mundo e cozinheiro de vocação, rasou as chamas do Narcissus Fernandesii – o restaurante da catedral do mármore – para uma curta terapia atlântica no Maria Pia, Cascais, e para voltar fortalecido como o aço da espada do samurai para o lugar onde tranquilamente criou todo um novo mundo.

Não há maior alegria do que estar à mesa e sentir que o cozinheiro está feliz, mais do que alguma vez o vi. Começo, de resto, com a vénia mais longa ao tártaro de ostras em alho-francês assado (18 euros), tratamento excecional das fibras do alho-porro a receber em jeito de cama as ostras migadas à faca, conjunto secundado por uma ostra ao natural servida à parte. Por mais que me tente habituar, ainda não vejo virtude em cortar o frágil bivalve aos bocados mas não há dúvida de que o prato funciona e para atestar logo ali a minha rendição pedi para repetir esse prato. Gesto que significa apreço e não abuso na relação sala-cozinha. Vieram os pezinhos de coentrada (14 euros), servidos dentro de uma cebola grande na forma caldosa e sápida, para comer à colher, as unhas desossadas e cortadas de forma a que mesmo os maiores detratores das partes moles do porco gostem da proposta.

O chef Pedro Mendes tem vindo a homenagear o grande chef Paul Bocuse de várias formas, é preciso conhecê-lo para atestar a forma insistente como em segredo o faz, neste caso baseado na célebre sopa de trufas fechada em massa folhada que Bocuse serviu ao presidente francês Giscard d’Estaing no início dos anos 1970. Ainda bem que a surpresa é notada e que nós temos direito a graças como esta. Nas sopas brilha a açorda de bacalhau (10 euros), simplicidade e subtileza a denunciar a leitura profunda do Alentejo, o creme de beldroegas, queijo de cabra e ovo de codorniz escalfado (9 euros) a mostrar o mesmo mas a denunciar génio culinário. Bacalhau, brás de algas e pimento assado (23 euros) feito por um dos muito poucos chefs que conhecem a fundo o património marítimo que são as algas e que além de convencer deixa marca, e um maravilhoso robalo de mar escalfado em algas com molho de limão (25 euros) resolvem a equação atlântica de lés a lés. No domínio carnívoro, absolutamente imperdível a pintada, cerveja artesanal de Vila Viçosa e trigo sarraceno (22 euros), emoção garantida, para mim a declinação mais feliz de sempre desta ave. Está de pedra e cal – perdão, mármore – o chef Pedro Mendes no seu posto e o milagre aconteceu, há um novo epicentro na Raia.

Classificação
O espaço: 4,5
O serviço: 3,5
A comida: 5

A refeição ideal
Menu alentejano (50 euros; suplemento 4 vinhos, 25 euros)

Açorda de bacalhau
Pezinhos de coentrada
Cação em caldeirada
Presa de porco ibérico, gratin de batata e picles de maçã
Laranjeira da Vila

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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