Crítica de Fernando Melo: Solar dos Presuntos, em Lisboa

O Solar dos Presuntos fica na zona dos Restauradores. (Fotografia de Orlando Almeida/GI)
Pedimos emprestado ao filósofo o mito de Zaratustra para ilustrar a óbvia capacidade de regeneração do Solar dos Presuntos, de portas abertas desde 1974 de constante foco no grande serviço e na felicidade. Entramos a sorrir, somos recebidos com um sorriso e despedimo-nos a sorrir. Até parece fácil.

A vida de crítico de vinhos e comida é aparentemente simples mas quando o crítico é confrontado com as vezeiras questões de qual o melhor vinho ou qual o melhor restaurante, instala-se a complexidade, ou sendo mais prosaico a complicação. Sempre que dei a resposta que achei justa e equilibrada, não foi bem vinda. E uma pergunta jamais se rejeita, há antes que não lhe negar resposta pronta. É certo que aconteceu apenas uma vez, mas num passado recente fui convidado a sair quando respondi, em menos de um minuto. À questão de apontar o melhor há sempre que renunciar, todo o bom senso indica que não existe tal coisa, mas ao mesmo tempo é uma resposta para a qual o crítico tem de estar preparado, e à maneira de exercício diário tem de ter na ponta da língua.

(Fotografia de Orlando Almeida/GI)

O Solar dos Presuntos é a bandeira restaurativa da Lisboa que amamos e frequentamos com fervor. O gigante Pedro Cardoso governa a casa de forma exímia, conhece tudo e todos como ninguém. E isso não é ainda bastante para aferir a qualidade nem o prazer que representa uma refeição intimista aqui neste templo de assinatura minhota. Se olharmos friamente, encontramos declinações excelsas de todo o nosso património culinário. Começa no bacalhau assado no forno à portuguesa (24,50 euros), imperdível a todos os títulos, sobretudo o da memória, que o chef Hugo Araújo absorveu na perfeição e executa com respeito sacramental por quem o precedeu nas funções. Sai um abraço apertado para o chef José Silva, que atravessou décadas no mais belo anonimato. As pataniscas de bacalhau com arroz malandrinho de feijão (18 euros) são outro legado importante, de registo inteiramente caseiro, ainda que processados para os milhares de comensais que diariamente as têm como motivo de romaria. A açorda de lavagante (32 euros) é sinal da imensa prioridade dada ao melhor marisco na mesa deste matizado e fascinante solar. Dá bem para dois, mesmo em dias de fome. O cabrito assado à moda de Monção com batata assada e arroz de forno (23,50 euros) é delícia que o chef Araújo aprendeu no céu antes de nascer, a execução é brilhante e deixa saudades. Nas sobremesas não podem escapar o bolo de bolacha (6 euros), nem o maravilhoso doce da Avó Luísa (6,20 euros), criado em 1974, e a partir do qual todas as sobremesas do mesmo nome foram criadas. Mas claro que há mais para explorar. Ou não estivéssemos no que é provavelmente o melhor restaurante do país.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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