Crítica de Fernando Melo: Mattë, em Lisboa

(Fotografia: DR)
A casa já ali está há uns anos e representa a realização de um sonho para o proprietário, Gustavo Neves. O seu Mattë, com o chef Habner Gomes aos comandos, cumpre o difícil desígnio de a um tempo representar a cozinha japonesa como poucos e redefinir o conceito de fusão. Tudo como num sonho feliz.

A vida tem destas coisas. Várias vezes passei à porta desta casa a caminho do Largo de Santos para chegar à marginal, sem sequer suspeitar que portas adentro podia estar um tesouro assim. Parei, entrei e abismei. Todo um mundo dentro, os olhos detêm-se na curiosa gaiola dourada com uma mesa de quatro ou seis pessoas, que presumi funcionar como chef’s table, e ao fundo a barra de sushi ao balcão, com lugar para meia dúzia de comensais. Até lá, não falta onde sentar gente. O chef Habner Gomes é brasileiro e oficia desde os 15 anos em cozinhas japonesas, exímio nas artes da cozedura da lâmina, atenção especial à intensidade de sabor e à correspondente transformação. E como todo o mestre de sushi que se preze, é ele que trata e trabalha o arroz. Utiliza o vinagre akasu, ligeiramente nacarado e muito saboroso, para dar integridade a todas as peças.

(Fotografia: DR)

Comecei por um brilhante carpaccio de lírio dos Açores, seguiu-se uma deliciosa proposta de ostra do Sado e ovas de salmão. A lula dos Açores com mentaiko estava digna de samurais, tenrura e sabor incríveis. Utilizei muito pouco molho de soja, para explorar ao máximo as nuances e texturas de cada peixe. O-toro, chu-toro, akami, lírio e enxaréu, em desfile vezeiro de grande recorte técnico.

Em jeito de limpa palato, veio o chawan mushi, espécie de pudim morno muito eficaz. Depois, o inefável cortejo de pares de niguiris, um desafio para a memória de quem quer ser discreto à mesa, carapau, dourada, goraz, pargo, pregado, lírio, atum, o-toro, chu-toro e ouriço. Sequência muito feliz de espécies, apresentadas montadas no arroz já referido.

(Fotografia: DR)

Altura para gabar e enaltecer as escolhas vínicas, sempre desafiantes como sabemos, talvez as mais difíceis de conseguir. O sommelier Fábio Carvalho domina o assunto e sabe surpreender pela correção. Excelente e discreto entendimento com Ângelo Dominguez na sala. Assim vale a pena. Vieram dois apontamentos quentes, o primeiro de gola de lírio, o segundo katsu-sando, espécie de sanduíche quente de carne wagyu. Digestibilidade imaculada e irrepreensível, final muito feliz a fazer sair quase pronto para voltar a entrar e iniciar nova empreitada. Sonho feliz e realizado, o do ainda jovem Gustavo Neves.

A refeição ideal
Doze momentos nas mãos do chef (125 euros)

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend