Comer em conta n’ O Passarinho, um milagre de família à prova na Lourinhã

De um lado, o frango à Passarinho; do outro, o coelho à Passarinho. (Fotografia de Nuno Brites/GI)
No enclave Bombarral-Lourinhã faz-se vida de praia, campo e cidade, tal a proximidade de tudo. Pelas estreitas e sinuosas estradas vai-se daqui para ali veloz e vorazmente e só quem tem o azimute bem afinado sabe onde parar. No restaurante O Passarinho, de Telma e Pedro Perdigão, perde muito quem não se perde e troca velocidade por sabores.

Foram décadas de trabalho intenso e aturado a levar por muitas auroras a preciosa produção local até ao MARL – Mercado Abastecedor da Região de Lisboa – em Loures. Cresceu inevitavelmente o conhecimento profundo dos produtos e suas gentes e revelou-se o enorme talento culinário de Telma. Nasceu no Canadá há 45 anos, mas desde os cinco que é assumidamente portuguesa, com vida consolidada em Moita dos Ferreiros, onde estamos e onde fica o restaurante O Passarinho, a que nos entregamos. Telma e Pedro Perdigão abriram este lugar quando o mundo se tornou inseguro e incerto, por efeito da pandemia, vai agora para três anos. Servem almoços apenas e oficiam na sala Filipa (25) e João Pedro (18), os filhos mais velhos do casal. A mais nova, Irina (nove) está em idade escolar e Filipa trabalha em Lisboa.

As sápidas hostilidades começam com uma maravilhosa sopa de feijão e hortaliça e sente-se o inefável trabalho alquímico de um caldo rico e bem proteico de carne. A chef Telma aprimora os sucos do cozido e do pernil e de quase todos os pratos do dia tira caldos que vão direitos à alma. Canónico o bacalhau à Brás, apesar das vezeiras demolha e renúncia ao esfiapar da aba. Batata frita brilhante, ovos bem cremosos na altura certa e está feito o prato, quem o inventou sabia bem o que fazia e há que não complicar. A receita usual do frango à Passarinho, de que a malagueta fresca é protagonista, é aqui substituída por cebola picadinha, a chef não é grande adepta de picante em excesso. Em contrapartida, serve lado a lado coelho e frango fritos à laia de entrada.

Passarinho, refira-se, é alcunha de Pedro: na banda em que o casal toca um dia deram-lhe uma gaita de passarinho para tocar e assim ficou. Não estão por isso obrigados aos rigores – sempre brandos, diga-se – do receituário popular. Aqui canta mais alto este passarinho e ainda bem. O já referido pernil vem para a mesa como os deuses mandam, assessoria de batata assada – divina – e salada fria de cenoura. Criação caseira irrepreensível, trabalho culinário perfeito, dir-se-ia de alta escola, que boa surpresa, Telma! O pernil de porco assado tem normalmente uma viscosidade que quando há descontrolo chega a colar os lábios, deixando menos vontade de entrar pelas partes gordas adentro, mas aqui rendemo-nos à correção de temperos e aplicação de correções ao longo da cozedura que nos torna fãs do prato.

À laia de prova, veio uma moreia frita de antologia, grande e poderosa é a chef Telma Perdigão. A doce terminação é um semi-frio de morango caseiro delicioso, escolho entregar-me à boa aguardente vínica da Lourinhã, glória da casa e do nosso país. Por 10 euros, come-se entrada, um dos pratos do dia e sobremesa, sem regras demasiado fixas e sem ninguém sair pouco satisfeito, que há sempre por onde escolher. Nos tempos de míngua para que a cidade parece querer empurrar-nos, sabe a milagre.


O MENU

Preço médio: 10 euros

Especialidades: sopa de feijão e hortaliça, bacalhau à Brás, frango à Passarinho, pernil de porco assado, moreia frita

Sobremesas: semi-frio de morango, papas de milho com arrobe




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