Chef Bruno Rocha: “A sustentabilidade tornou-se um cliché”

O chef Bruno Rocha.
O chef executivo e diretor criativo de restauração e bebidas do Bairro Alto Hotel partilha, em entrevista, a visão da sua equipa acerca de um tema tão atual quanto o da sustentabilidade e o desperdício zero.

Consciente de que alcançar o nirvana do desperdício zero na cozinha é uma utopia, Bruno Rocha, lisboeta de 44 anos, partilha a sua visão acerca do tema e exemplifica como, tanto num hotel como em casa, qualquer pessoa pode trabalhar os produtos. Um trabalho que leva para as mesas do restaurante BAHR pratos equilibrados, com muitos vegetais e zero hidratos de carbono, e que o chef ambiciona ver premiado.

Como encara a questão da sustentabilidade na cozinha?
Preocupa-me que a sustentabilidade se tenha tornado um chavão, ou mesmo um cliché. Houve uma altura em que a cozinha molecular estava na mó de cima e era uma colagem a Espanha; depois tudo o que era nórdico é que era incrível; e agora são os pequenos produtores. Preocupa-me que isso não seja feito de forma genuína e transparente, e com sentido crítico. Entre 20 a 25% de tudo o que é produzido a nível mundial já é desperdício. O desperdício zero é muito difícil numa unidade hoteleira, por isso preocupa-me que haja esse discurso “cool”. Temos de ter cuidado com isso, e ter a certeza de que quando estamos a dizê-lo, o fazemos mesmo.

O que é que se pode fazer para minimizar o desperdício?
Temos de ir ao outro lado da conversa: perceber o que o pequeno produtor precisa para crescer e entender as dificuldades dele. Gosto muito deste triângulo: respeito [pelo trabalho do produtor], criatividade e responsabilidade [em trabalhar com ele]. Por outro lado, conseguimos reduzir o desperdício na capitação. Se eu tirar 20 gramas de carne a uma dose, [multiplicado por milhões de doses que são servidas no mundo ao mesmo tempo], consegue-se reduzir uma quantidade de coisas. Duzentas gramas de carne por pessoa é um absurdo. Nem é recomendado medicamente, nem são os valores diários de que precisamos para a nossa subsistência. Menos produção animal, menos gás metano para a atmosfera. E também não servimos hidratos: temos pratos alicerçados em vegetais.

O chef do restaurante BAHR, no Bairro Alto. (Fotografia: DR)

Pode dar exemplos concretos?
Quando vou comprar um produto, já sei que diferentes destinos lhe dar, pois quanto mais se conseguir controlar o processo, mais rentável ele se torna a nível de “food-cost” e de rentabilidade. [O segredo] é pensar logo o que se pode fazer. Depois de usarmos os filetes do peixe usamos as cabeças para fazer rissóis de peixe, em vez de um caldo, ou mesmo um suflé de peixe como aquele que era feito pelas nossas mães; as aparas de borrego podem dar croquetes…

Acha que os portugueses têm atitudes, no geral, sustentáveis?
Conheço poucos países no mundo com tanta diversidade gastronómica numa área geográfica tão pequena [como a de Portugal]. Ainda por cima, somos super disciplinados com a nossa alimentação. Se formos à Alemanha, vemos que comem a mesma dieta 365 dias por ano. Nós vamos mudando, somos sazonais e sustentáveis na nossa casa. Chega o frio, e começa toda a gente a pensar na feijoada. Se nós próprios nos debatemos com isso, porque não fazemos isso nos nossos locais de trabalho? Eu acredito que este movimento [de maior consciencialização alimentar] tem de começar também no processo educativo. Esta conversa é muito mais profunda, mas as crianças não deviam chegar ao refeitório e comer pescada do Chile cozida ou carne importada porque é mais barata, por exemplo.

O que é que ambiciona para o BAHR?
Gastronomicamente, já tenho muitas caixinhas preenchidas, mas há umas que ainda não conseguimos preencher porque a pandemia não nos deixou. Não escondo, e a equipa tem essa ambição, que gostávamos de ter prémios relacionados com a gastronomia. Gostávamos de ganhar uma estrela Michelin à nossa maneira. Estamos felizes a trabalhar, a dar visibilidade a produtores e a pessoas que há uns tempos passavam dificuldades e sobre os quais a pandemia veio dar luz, porque isto deu tudo a volta; mas não escondo que gostávamos muito de ganhar prémios que reconheçam o esforço de todos os que aqui trabalham.

O restaurante do Bairro Alto Hotel. (Fotografia: Francisco Nogueira)

Restaurante BAHR
Desdobra-se em vários ambientes e andamentos, com um Menu de Mercado disponível aos almoços de segunda a sexta-feira; e uma carta de jantar mais completa. No bar, que se prolonga também para um terraço, os cocktails de Tiago Santos seguem a mesma filosofia redutora do desperdício.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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