Chef Bertílio Gomes: “Nas últimas décadas, houve um deslumbramento com a proteína animal”

Chef Bertílio Gomes: "Nas últimas décadas, houve um deslumbramento com a proteína animal"
Bertílio Gomes.
Pelo nono ano, um chef é desafiado a reinterpretar A Última Ceia de Jesus Cristo e seus apóstolos. Um trabalho de pesquisa, sempre ligado à memória e ao afeto, que levou Bertílio Gomes, chef da lisboeta Taberna Albricoque, a focar-se na proteína vegetal e na cozinha sustentável. O resultado vê-se no Canal História, dia 26 de março, e prova-se em takeaway, na Semana Santa.

Esta é uma iniciativa com quase uma década, que já contou com convidados como Rui Paula, Henrique Sá Pessoa, Vítor Sobral ou Kiko Martins. Como é que reagiu ao convite?

Foi uma surpresa, senti-me honrado. Depois, o tema em si é muito interessante e obrigou-me a olhar para o mesmo e perceber mais sobre o assunto.

Foi esse o principal desafio em recriar A Última Ceia? O da pesquisa?

Foi. Li vários livros e cheguei à conclusão que não existe muita informação ao nível dos alimentos desta refeição. Conseguimos perceber mais pelo que era a alimentação na época, como o pão ázimo, que uso no menu. Terá nascido na fuga do povo hebraico e Moisés do Egito. Estariam a fazer pão e não tiveram tempo de o levedar, daí ter nascido este modelo mais achatado. Tudo isso é muito interessante.

O menu tem alimentos bíblicos, como trigo, favas, lentilhas e grão. A única proteína animal é o carapau, mas há uma explicação.

Sim. Sabemos que a alimentação – e não é preciso retroceder dois mil anos, basta cem – era muito mais vegetal do que animal. Nas últimas três, quatro décadas é que houve um deslumbramento e facilitismo com a proteína animal. Aliás, o planeta está como está pelo excesso de produção e consumo desta proteína. No tempo dos meus avós, era mais rentável ter um animal vivo do que morto. Uma ovelha viva dava lã todos os anos e leite todos os dias.

O chef Bertílio Gomes, da Taberna Albricoque, em Lisboa. (Fotos: DR)

As lentilhas com queijo de cabra, tomate confit e kale.

Os figos que usa num dos pratos refletem a sua ligação familiar ao Algarve. Esta influência está sempre presente?

Sempre. Eu trabalho muito com o coração, a emoção na cozinha é importante. A minha ligação ao Algarve faz-me ir beber sempre a esse património familiar. Tenho uma admiração grande pela gastronomia do sul, do Algarve e Alentejo, por serem cozinhas de sustentabilidade, que surgiram de tempos de escassez e pobreza em que se usava a imaginação e os recursos disponíveis em redor. Sem forçar a natureza, que é o que fazemos hoje e que está a dar mau resultado.

Na morcela vegetal, o único prato do menu que foi buscar à carta da Taberna Albricoque, há aqui um trabalho de recuperação de memórias.

Não é mais do que uma salada de cenoura, como se serve ao início da refeição no Algarve mas também na zona da Bacia do Mediterrâneo. É feita com cenoura roxa, conhecida no sul como pau-roxo, muito usada há 50, 60 anos e que caiu em desuso e no esquecimento. Além disso, uso também azeitonas que são curadas só com sal, como se fosse um presunto, um processo antigo e pouco conhecido.

As favas e trigo em pétalas de cebola assada.

A morcela vegetal está no menu A Última Ceia e na carta da Taberna Albricoque.

A Taberna Albricoque está em takeaway à sexta e sábado. Como têm vivido o último ano?

Tem sido uma loucura, uma montanha russa de emoções. Num ano, tivemos fechados seis meses e trabalhámos outros seis, com limitações. Estamos a tentar ganhar um dia de cada vez.

Agora que temos datas para a reabertura da restauração, o que vem aí de novo?

Reduzi a carta, mantendo alguns pratos fixos que já são referência, como rissóis de berbigão, canja de lingueirão e raia alhada. Depois, vou introduzir propostas diferentes diariamente, conforme o que haja no mercado. Nos vinhos, será assim também.

 


O Menu “A Última Ceia”

Tártaro de beterraba com grão e ervas amargas
Lentilhas com queijo de cabra, tomate confit e kale
Favas e trigo em pétalas de cebola assada
Morcela vegetal
Tártaro de carapau com figos secos e amêndoas
Sorvete de vinho tinto com especiarias e frutos vermelhos numa rabanada de folar de Páscoa

 


Estreia na TV e takeaway

“A Última Ceia” de Bertílio Gomes, é exibido dia 26 de março no Canal História, pelas 22h10. O menu de seis momentos está disponível para takeaway durante a Semana Santa na Taberna Albricoque, em Lisboa. Preço: 40 euros, para duas pessoas.

 




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