Ceia: o restaurante ímpar em Lisboa onde só comem 14 pessoas

Uma sala, uma mesa com 14 lugares e um menu de degustação com 14 passos. Cinco meses depois de abrir, o Ceia continua a jogar numa liga à parte, na restauração. O mérito é de Pedro Pena Bastos e equipa, que lima cada aresta desta experiência gastronómica ímpar.

À primeira vista, é difícil defini-lo. Está longe de ser um supper club, uma refeição preparada na casa de desconhecidos; muito menos um restaurante, em que se chega sem hora marcada. O Ceia é o Ceia, uma experiência que acontece no Santa Clara 1728, um alojamento com apenas seis suites num edifício pré-terramoto. As boas-vindas são dadas com um copo de kvass, bebida fermentada feita a partir do pão da casa. «É mais tradicional na Rússia e na Ucrânia», explica o escanção Mário Marques.

Ainda faltam alguns minutos para as 20h00, a hora marcada para dar início à experiência, e na sala de espera – que é o átrio do Santa Clara – estão apenas os dois primeiros convidados. São, claro, clientes, mas o termo não parece encaixar num jantar tão intimista. O casal marcou a experiência depois de ler uma reportagem sobre o Ceia, mas há também quem chegue através do boca-a-boca. «Normalmente vêm aos pares, em casal, ou com amigos», conta Mário. «Esta noite vão ser nove pessoas e todos falam português. Muitas vezes, temos grupos com estrangeiros, mas até é mais comum serem portugueses.»

O coletivo de desconhecidos não tarda a compor-se e servem-se alguns snacks nesta divisão nobre, antes de se abrirem as portas brancas que dão acesso ao Ceia. Já lá dentro, a primeira imagem é de uma sala retangular, com prateleiras de livros de culinária e um grande quadro do século XVIII. Pela mesa vão passar peças de cerâmicas de Anne Westerlund, facas de Paulo Tuna e taças de Mariana da Malga. Praticamente tudo é feito à medida. Como a própria mesa comprida, capaz de sentar 14 pessoas.

O chef Pedro Pena Bastos (dir.) e a sua equipa. (Gustavo Bom/GI)

Dentro da sala, outra porta abre-se para mostrar a mesa de finalização, onde se pode acompanhar o trabalho do chef Pedro Pena Bastos e da equipa de seis pessoas. Saem os primeiros aperitivos, que geram curiosidade à mesa em torno de o que é um girassol-batateiro (a planta que produz o topinambur). Elogia-se a minirrabanada de berbigão e a tartelete com nozes fermentadas e tártaro de veado, caçado por Pena Bastos e a equipa no Alentejo. Muitos fermentados integram o menu de degustação de 14 momentos, como os espargos que acompanham a ostra do Sado e um peculiar citrino chamado lima-caviar. «Se não estivéssemos a fazer nada de diferenciador, mais valia não fazermos», justifica o chef.

Há ingredientes nunca vistos, tal como o vinagre de tagetes (flores amarelas aromáticas), ou o levístico, da família do aipo; mas também diferentes cortes, caso da faceira de porco bísaro, a peça que fica entre a pele e as bochechas, que é cozinhada 17 horas. Os dois purés de cenouras que o acompanham fazem o grupo conversar sobre a origem desta raíz laranja (terão sido os holandeses a selecionar esta variedade?) e em breve já se trocam memórias e mostram fotografias.

«Este é um projeto com alguns riscos, nomeadamente o grupo não se dar, mas acho que as pessoas já vêm com um certo estado de espírito», conta Pedro Pena Bastos já no final da noite, enquanto alguns participantes prolongam o serão no terraço, a conversar, já depois de uma visita à cozinha. «Acho que temos de deixar um novo legado no país. E espero que o nosso ajude a definir a nova hospitalidade», afirma. «Quando comecei a sonhar com o Ceia ainda estava no Esporão e acreditava que isto ia fazer toda a diferença no panorama nacional. É um projeto para a vida».

São seis pessoas a servir outras 14, quatro vezes por semana. Cerca de vinte produtores semanais, dezenas de produtos que Pedro conhece de olhos fechados, todos ibéricos, tratados e transformados para nada ser desperdiçado. Um dos produtores é ele mesmo. «Nasci no Porto, mas a parte da minha mãe é ribatejana. E juntamente com os meus dois irmãos resolvemos reavivar as oliveiras centenárias», conta, referindo-se à produção de 300 litros que dá origem ao azeite Cigarra. Qualquer um pode enviar-lhe um e-mail e comprar, mas também prová-lo no momento do pão, que vem fumado, a meio da refeição. Tal como no episódio bíblico da Última Ceia, também aqui há pão com fartura e vinho à mesa. Com a certeza de que não será a última.

 

Pedro Pena Bastos: Percurso
Nasceu no Porto, em 1990, e começou a carreira no Cafeína em 2008. Passou pelo Belcanto, Feitoria, em Portugal, e lá fora The Ledbury (Londres), Geranium (Copenhaga). Em 2013, lidera a cozinha do Grémo Literário e, entre 2014 e 2017 a Herdade do Esporão foi a sua casa.

 

Qual seria a Última Ceia de Pedro Pena Bastos?
Uma mesa com as pessoas que mais me são queridas. Com leitão assado que comíamos quando o meu pai parava na autoestrada, na Mealhada, depois do viaduto 131. Petingas assadas com tomate e arroz malandro da minha avó e o arroz doce dela, também.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

Leia também:

Dia dos Namorados: 15 sugestões para comer e dormir em Lisboa
Lisboa: este restaurante tem um menu ao contrário
Bacalhoeiros: novos sabores numa rua histórica de Lisboa




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend