Castanhas: onde encontrar, provar e comprar o fruto da época

Apanha da castanha no souto da aldeia de Espinhosela. (Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)
A castanha é a rainha da Terra Fria, e o concelho de Bragança é um dos maiores produtores nacionais desse fruto seco, apregoado nas ruas de norte a sul mal chegam os primeiros sopros frios do outono. Saiba onde provar pratos com castanha e onde produtos feitos com o fruto.

“Assada, no S. Martinho, serve de lastro à prova do vinho novo. Cozida, no Janeiro glacial, aquece as mãos e a boca dos pobres e ricos. Crua, engorda os porcos, com a vossa licença …” Assim descreve Miguel Torga o fruto “doce e modesto” do castanheiro, no “Reino Maravilhoso” com que batizou Trás-os-Montes. Assim sendo, a castanha é a rainha da Terra Fria. E o concelho de Bragança é um dos maiores produtores nacionais desse fruto seco, apregoado nas ruas de norte a sul mal chegam os primeiros sopros frios do outono.

(Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)

(Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)

Antes de estalar nos assadores, cobre a terra, misturada com os ouriços que se vão largando dos castanheiros. É esse o quadro que se repete ao longo da ROTA DOS SOUTOS, um percurso pedestre circular, de 14 quilómetros, que liga várias aldeias da freguesia de Espinhosela, em pleno Parque Natural de Montesinho, e a que esta altura se acrescentam os corpos debruçados na apanha do fruto. Aqui, a castanha é a cultura agrícola principal. Os frondosos soutos de castanheiros, muitos deles centenários, dominam a paisagem, intercalados por bosques, prados e cursos de água.

Só nesta localidade, no noroeste do concelho, são colhidas anualmente 500 toneladas de castanha. “Este ano há menos. Há anos bons e anos maus, tudo depende. Mas até está equilibrada de tamanho”, esclarece Lindolfo Garcia Afonso, do alto das suas quatro décadas dedicadas à produção de Castanha da Terra Fria DOP, predominantemente das variedades côta, longal, amarelal e martaínha.

Além de ser um dos pilares da economia local, a castanha constituiu a base da alimentação humana e pecuária até à introdução da batata em Portugal, no século XVIII, e ainda hoje tem um papel de destaque na gastronomia tradicional, além de uma versatilidade que dá azo às mais variadas aplicações.

Para exemplos basta entrar na MARRON – OFICINA DA CASTANHA, no centro da cidade. Tudo começou com um licor de castanha criado por João Campos, um vianense que se mudou para Bragança há 25 anos. O sucesso que fez em feiras medievais por todo o país levou-o a pensar em abrir uma loja exclusivamente dedicada à castanha, cujo potencial considerava desaproveitado. Hoje, nas prateleiras da Marron, ao licor original e a mais três versões – todas com castanha – juntam-se dezenas de outros produtos feitos com castanha e seus derivados. Há compotas, bolachas, biscoitos, bombons e doçaria, como o pastel de castanha.

Também há gelados, cerveja artesanal, farinhas, infusões de folha de castanheiro, vinagre balsâmico com castanha, mel de castanheiro, castanha em calda, castanha glacé, queijos com castanha e até enchidos. “Temos tudo de castanha, até castanha fresca”, brinca João. No piso inferior da mercearia, que também funciona como bar e onde não falta jeropiga, existe ainda um pequeno centro interpretativo dedicado à vida rural transmontana e em particular à cultura da castanha, de que faz parte uma coleção de assadores.

Mas não é apenas do fruto do castanheiro que se pode tirar proveito e inovação. A CASA DO JOA, na aldeia de Parada, é um projeto que se propõe a recuperar a tradição ancestral de produção vitivinícola na região aliado a técnicas modernas de enologia, e acaba de lançar um vinho inédito, o Feito do JOA, que troca a adição de sulfitos por Chestwine, isto é, extrato de flor de castanheiro. A tecnologia foi desenvolvida pelo Instituto Politécnico de Bragança e pela empresa Tree Flowers Solutions, e constitui uma alternativa natural de proteção e conservação do vinho, em linha com os valores com que Jorge Ortega Afonso (JOA) fundou o projeto: mínimo de intervenção, tanto na vinha como na adega, de forma a obter o máximo de expressão do terroir. “O JOA é uma homenagem às gentes desta zona”, descreve o enólogo, natural daquela aldeia. A carteira de vinhos inclui um branco de curtimenta, um tinto e um rosé, todos eles produzidos a partir de vinhas velhas.

Quem os quiser conhecer pode fazer uma visita e prova ou optar por um programa mais especial e passar “um dia como enólogo”, conhecendo a palmo as vinhas, a aldeia e a adega. “Podem provar tudo o que não estiver engarrafado e depois fazer o seu próprio blend”, assegura Jorge Ortega Afonso.

Rainha da mesa brigantina

A sopa de castanha do SOLAR BRAGANÇANO é motivo de romaria de comensais de todo o país e além fronteiras. Além da castanha da região, o caldo saboroso e rico leva mais um punhado de produtos da horta e é servido todo o ano no restaurante que Desidério Rodrigues abriu em 1986, com Ana Maria Batista, sua mulher e autora das receitas confecionadas em potes de ferro ao lume, que enchem a mesa e confortam no frio transmontano.

Naco de Vitela Mirandela com puré de marmelo e castanhas.
(Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)

O resto da ementa, com uma forte componente de caça, presente nos pratos de faisão e javali, faz-se também de produtos locais, e por esta época a castanha é o ex-libris; destaca-se a posta de vitela mirandesa, servida com puré de marmelo e castanha. O pudim abade de Baçal (semelhante ao abade de Priscos), o bolo de castanha e a mousse do mesmo fruto são algumas das sugestões doces, para rematar a refeição, com uma chávena de café de saco.

Outra cozinha embaixadora dos produtos transmontanos é a do gastrobar CONTRADIÇÃO, dos irmãos António e Óscar Geadas, instalado junto à muralha, no interior da cidadela. “Queremos dar a quem aqui vem o melhor da nossa terra. Em todos os pratos colocamos um elemento de Trás-os-Montes, que enaltece a nossa agricultura e as nossas raças”, afirma o chef Óscar. Depois de conquistar a primeira estrela Michelin para a região com o seu restaurante G, apostou numa cozinha “de partilha”, fiel à tradição gastronómica local, mas com uma abordagem contemporânea.
Na carta de outono/inverno, o fruto estrela da época surge num prato de lombo de javali com puré de castanha e chips da mesma.

“Antes da introdução da batata era dos produtos mais utilizados na alimentação humana e do porco bísaro”, realça o cozinheiro, acrescentando ainda que esteve esquecida, mas que tem voltado nos últimos anos às ementas de restaurantes por todo o país. Quanto ao prato que criou para o Contradição, “o javali e a castanha sempre foi um casamento perfeito”, defende, mas reconhece no fruto o potencial tanto para salgados como para doces: “N’O Geadas, a minha mãe faz pudim de castanha há mais de 30 anos. É um produto que pertence ao receituário tradicional da região”. E enquanto assim for, é seguro dizer que a castanha irá continuar a fazer as delícias de muitos, no outono e fora dele, na sua forma mais clássica, reinventada ou em novas versões ainda por descobrir.

O Careto
Depois da edição de verão, Bragança recebe a Rota do Cocktail de Inverno, a partir de 1 de dezembro. A iniciativa prolonga-se até janeiro e conta com a participação de perto de uma dezena de bares, cada um deles desafiado a criar um cocktail para a ocasião. António Paiva, do CAFÉ BIBLIOTECA, criou uma bebida quente e reconfortante, inspirada nos produtos e figuras locais: o cocktail Careto. Na base está vinho transmontano, mel de castanheiro, pasta de castanha, frutos vermelhos, maçã e canela, tudo levado ao lume. A componente alcoólica inclui amêndoa amarga, licor de café, uísque de canela e licor de avelã. Depois do evento, a bebida ficará permanentemente na carta, sendo que no verão esta espécie de sangria quente volta à sua forma clássica, servida com gelo.

O Brigantino
O Brigantino nasceu de um desafio lançado em 2018 pelo Município de Bragança aos pasteleiros da cidade, que consistia em criar um doce que representasse a capital transmontana, utilizando três dos produtos mais emblemáticos do concelho: o mel, o azeite e a castanha. A receita vencedora foi a da pastelaria D. Dinis, que fez um pastel de massa folhada, com um recheio preparado com farinhas de castanha e amêndoa, azeite e mel da Serra de Montesinho. O pastel foi apresentado no início do ano e está à venda em pastelarias da cidade.

Semana Gastronómica da Castanha
Até domingo, dia 13 de novembro, decorre a Semana Gastronómica da Castanha – Sabores de Outono, na qual participam 20 restaurantes do concelho. Um deles é o MARIA LUÍS, aberto há pouco mais de meio ano na aldeia de Alfaião. Margarida Fernandes nasceu ali, mas foi criada em Angola. Descreve-se como “ uma transmontana com alma africana”, que voltou às raízes para finalmente seguir a paixão pela cozinha. Partilha o projeto com o marido, José Ramos, mas é do seu mérito tudo o que chega à mesa. Destaca-se a sopa de peixe, o polvo assado, o risoto de bacalhau e a deliciosa rabanada (foto). Mas também os pratos criados a pretexto da semana gastronómica, como os croquetes de carne com castanha, a coxa de frango recheada com cogumelos e castanha, o pudim e o bombom de castanha com chocolate.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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