As mulheres que mandam na cozinha portuguesa

O Dia Internacional da Mulher também é uma homenagem a todas as mulheres que, à frente ou nos bastidores dos tachos, alimentam outros pelo país. Esta é uma conversa no feminino com 9 chefs e cozinheiras.

«Ainda tenho muitas alunas que me dizem sentir-se ostracizadas nos estágios e que ouvem “Lá vem uma mulher para a cozinha”». O desabafo é atual, feito por Cristina Félix, diretora da Escola de Hotelaria e Turismo de Viana do Castelo. Desempenha o cargo há dez anos e foram várias as queixas que lhe passaram pelas mãos. «Esta é uma realidade, tanto em pequenas como grandes unidades hoteleiras. Já tivemos cozinheiros a dizer que não queriam ter mulheres nas suas cozinhas», conta a responsável, que se faz rodear por quatro outras gestoras no instituto: «É importante termos mais mulheres representadas na cozinha». E elas estão a chegar. Nos cursos da Escola de Hotelaria de Viana do Castelo, as mulheres são ainda uma minoria (numa turma de 25 jovens há quatro alunas), mas o número de inscritas tem vindo a aumentar, segundo Cristina.

Em Lisboa, o chef João Sá é professor na Escola de Hotelaria de Lisboa e fala de uma realidade diferente. «Há seis anos, quando comecei a dar aulas, acho que existiam menos mulheres. Agora diria que é metade-metade», afirma o responsável pelas aulas de cozinha portuguesa criativa. A diferença está, diz, na mudança de atitude por parte das jovens. «Antes as mulheres eram mais retraídas, tinham mais vergonha e receios, mas cada vez mais têm outra atitude perante os colegas. Isso vai dar frutos daqui a uns anos», defende.

Reconhecida crítica gastronómica, Fátima Moura fala da forte presença das mulheres nas cozinhas pelo país, mas evidencia as exceções na alta cozinha e nos hotéis. «Se a profissão não suscitasse o interesse das mulheres não haveria tantas a chefiar restaurantes de cozinha regional com equipas quase integralmente femininas», sublinha, alertando, no entanto, que os «restaurantes de hotéis e de alta cozinha tiveram sempre brigadas exclusivamente masculinas e uma dura disciplina praticamente militar que não permitia a presença do sexo feminino». A autora de vários livros de gastronomia conta ainda que «foi preciso as mulheres lutarem muito» para chefiarem uma cozinha e que hoje há várias chefs à frente de grandes restaurantes, mas que «continuam a ser raras as que chefiam a cozinha dos grandes hotéis com as suas pantagruélicas secções de banquetes».

Com visões mais ou menos complementares, Cristina Félix, João Sá e Fátima Moura concordam no mesmo ponto: a maternidade e as responsabilidades familiares podem ser fatores difíceis de conciliar numa profissão em que a carga horária ultrapassa muitas vezes o considerado normal. «Os horários da restauração são penosos para todos, mas sobretudo para as mulheres com filhos. Mas penosos são também horários de outras profissões», lembra Fátima Moura. Também João Sá, casado com a chef Marlene Vieira acredita que a maternidade é um obstáculo fisiológico. «Não podemos inventar que o homem cuida da mesma forma que a mulher», diz o chef, pai de uma menina com dois anos.

«Acho que cada vez mais as mulheres estão a conseguir equilibrar os cuidados dos filhos com os homens e isso vai refletir-se no trabalho. Falando a nível pessoal, nem eu nem a Marlene [Vieira] conseguimos conceber cozinheiros a trabalhar 12 horas por dia na nossa empresa», conta. «Nem as novas gerações estão dispostas a trabalhar assim. Quando o ramo hoteleiro perceber que menos horas equivale até a mais capacidade criativa, isso vai também mudar a forma como se concilia tudo». É apenas uma questão de tempo para as mudanças começarem a refletir-se na indústria, defende Fátima Moura: «O movimento é imparável e o grande número de mulheres que saem todos os anos das escolas hoteleiras e as que já entraram para as cozinhas vão subir naturalmente de posto nas suas carreiras e chegar aos lugares de topo».

 

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