Começou em 1934 pelas mãos de Abrantes Jorge e António Passos, bisavô e avô da geração que continua a honrar o legado familiar. “O meu bisavô foi o investidor e o meu avô o homem do trabalho”, diz Francisco Passos, que partilha com o irmão Tiago o leme d’A Regaleira. “Eles compraram o espaço e fizeram obras de fundo para criar um restaurante que servisse a alta sociedade portuense.” A família era já conhecida pelos negócios ligados à hotelaria. “Tínhamos padarias, a Fábrica de Biscoitos Imperial, o Grande Hotel da Batalha e o Hotel Aliança. A Regaleira foi um investimento posterior”, lembra Francisco. Na época, uma cortina de veludo separava a sala da entrada; os empregados eram muitos. Só na cozinha, a carvão, trabalhavam 18 pessoas. Francisco ainda se recorda dos cozinhados a lenha, pois só mais recentemente se mudou para o gás. No final da década de 40, António Passos criou um balcão “muito bonito” do lado esquerdo, à entrada, com 16 lugares. Ali serviam-se sandes de carne assada e outras coisas mais rápidas que não eram apresentadas na sala. Mas mesmo estes preços de balcão eram altos. Para a classe mais modesta havia a cave do Sr. Rogério, que funcionou até finais dos anos 60. “Fazia parte da Regaleira, mas estava à exploração deste senhor Rogério, que seria também empregado d’A Regaleira. Tinha uma entrada própria no lado direito e as refeições eram mais económicas. Depois, a nossa avó Maria de Lurdes fez da cave a adega de vinhos.” Isto porque a casa sempre teve a preocupação de ter uma boa garrafeira. Em quase todas as fotografias que preenchem as paredes do restaurante – no espaço que ocupam desde 2021, depois de terem sido obrigados a deixar o edifício original – estão garrafas de vinho. “Os nossos avós eram grandes apreciadores de vinho. Principalmente vinhos franceses, da Borgonha. Até porque viajavam muito para França por causa dos negócios.”

Francisco Passos, António Coelho e Tiago Passos (Fotografia de André Rolo)
Foi com a abertura do balcão que foi contratado aquele que ficaria famoso por inventar a francesinha, Daniel David Silva. “Ele vem chefiar o balcão”, lembra Francisco Passos. “Foi numa dessas viagens a França que o nosso avô conheceu o Daniel, que trabalhava num hotel. Ficou maravilhado com ele, porque era um excelente empregado de balcão, e contratou-o.” Contratação de sucesso, pois em 1952 criou o que se tornou uma referência gastronómica do Porto. Mas A Regaleira era já conhecido por outros pratos, como as tripas. “Tínhamos um convénio com o Governador Civil do Porto que nos obrigava a ter tripas todos os dias; mantemos essa tradição até hoje”, conta Tiago. Outro prato famoso da época era a pescada à americana, do “grande chef Dário”, reformado há muitos anos. “Era uma pescada com maionese e com camarão de um calibre grande, tudo cozinhado num forno a lenha. Outro prato que estou a recriar para pôr na carta são os filetes de peixe-galo com arroz de amêijoas”, afirma Francisco. Do mar também faziam sucesso os bacalhaus, à Zé do Pipo, à Gomes de Sá e à lagareiro. E da Salsicharia Leandro vinham os enchidos para as costeletas de porco à salsicheiro. Nos 90 anos de história desta casa houve bons e maus momentos, sendo o mais crítico aquele que obrigou a fechar portas em 2018. Em 2021, os irmãos Passos conseguiram reabrir A Regaleira na mesma rua, expondo memórias do espaço original em fotografias e documentos. Para a nova casa mudaram-se também os empregados de décadas. Mantém-se assim a tradição e o espírito de bem servir. Francisco Passos remata: “Agora, o objetivo é chegar aos 100 anos. E depois, que venham mais 100”. Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.