A francesinha do Afonso que Bourdain levou à CNN

Miguel Afonso trouxe a receita do histórico Café Luso, onde aprendeu a fazer francesinhas desde criança. Hoje, a sua obra de arte é conhecida por todo o mundo.

Passavam 20 minutos da hora de fecho e Miguel Afonso mantinha-se de olhar atento sobre as prensas. Atrás da porta já fechada, uma dúzia de clientes aguardavam a vez de serem servidos. Vestígios do fenómeno a que alguns apelidam de efeito Bourdain e que teve, em poucos dias, um efeito drástico na vida do pequeno e discreto restaurante portuense. Para Afonso, foi tudo surpreendente, até porque «não fazia ideia quem ele era».

Um telefonema e três dias depois, o célebre chef e apresentador Anthony Bourdain estava sentado à mesa d’O Afonso – uma de várias paragens que fez pela cidade durante a produção da nova temporada do programa Parts Unknown. O capítulo dedicado ao Porto foi transmitido a 2 de julho pelo canal norte-americano CNN.

As mudanças começaram a sentir-se logo depois da visita em fevereiro e após «partilhar algumas imagens», explica Afonso ainda atrás do balcão. Se num dia normal de fim de semana saíam da cozinha entre 80 a 100 francesinhas, hoje, o número pode facilmente chegar às 200. «E isto num dia normal da semana», frisa.

Num dia normal saíam da cozinha entre 80 a 100 francesinhas. Hoje, o número pode facilmente chegar às 200

Um aumento que faria pular de alegria qualquer dono de restaurante mas que parece não surtir efeito na expressão facial de Afonso. Não é homem de sorriso fácil, traço que não lhe retira a simpatia e atenção aos clientes. A espaços, vai deixando transparecer o orgulho de ver a sua arte levada às televisões norte-americanas – e de todo o mundo.

Trabalhou uma vida inteira para isto e mesmo com a casa a meio gás, entre «o cansaço acumulado e alguns momentos mais difíceis», Afonso nunca se deixou levar por facilitismos ou atalhos. É que o segredo está nas suas mãos. Mais ninguém tem autorização para fazer francesinhas. «Só quando estou doente é que a minha esposa dá uma ajuda.»

A francesinha que só é feita por um homem: Afonso (Fotografia de Pedro Correia/GI)

Aos nove anos já manobrava a prensa e aprendia os segredos da arte com o pai, atrás do balcão do histórico Café Luso. De receita na mão e acompanhado do irmão, deixou para trás três décadas no negócio de família e fundou o Pontual, que haveria de deixar para apostar num negócio só seu, de portas abertas desde 2003.

Para Afonso, o efeito Bourdain, tão cobiçado por homens de negócio e agentes turísticos, é sinónimo de trabalho. Muito trabalho. Se a produção de francesinhas duplica, é sobre ele que recai a responsabilidade. O objetivo é que a estrela da carta nunca perca a qualidade que garante a fidelidade dos clientes do costume.

«Continuo a fazer tudo da mesma maneira. Nunca mudámos. Algumas pessoas não entendem isso. Aqui grelhamos tudo na hora, embora haja sítios onde já está tudo preparado desde a manhã. Aqui, não.»

Aos nove anos já manobrava a prensa e aprendia os segredos da arte com o pai, atrás do balcão do histórico Café Luso

A francesinha de Afonso é equilibrada, cuidadosamente montada e de sabor forte – tal e qual as do velhinho Café Luso. O processo não é simples e tem os seus truques, que não são secretos porque ao balcão é possível observar toda a dança a três, entre Afonso, as prensas e a chapa quente. São precisos mais de uma dúzia de passos para chegar ao resultado final que fez Bourdain exclamar «Meu Deus, o que é esta coisa?!». É uma francesinha portuense, genuína e feita com muito suor.

A Afonso, a perfeição sai-lhe do corpo e da alma. Despachado o serviço de almoço e com o jantar a um par de horas de distância, não há tempo para sestas. «Ainda tenho que ir para a cozinha preparar tudo para mais logo.» Confessa que lhe fazem falta mais um par de mãos, especialmente com o mar de gente que vai, cada vez mais, enchendo mesas e fazendo filas à porta. Turistas, que nunca passavam por ali, agora fazem parte da clientela habitual. O efeito Bourdain, afinal, não se mede apenas pelos números, turistas e share televisivo. Para Afonso, o efeito mede-se através do orgulho, da genuinidade e da sensação de que o trabalho árduo compensa. E desabafa: «o reconhecimento demorou, mas valeu a pena».

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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