A família sesimbrense que faz farinha torrada, a “barra energética dos pescadores”

Mário Frade é o chefe pasteleiro que faz a farinha torrada n'A Camponesa, em Sesimbra. (Fotografia de Orlando Almeida/GI).
Doce “ancestral” que os pescadores levavam para o mar para ter força e energia, hoje a farinha torrada é uma marca registada e um ex-líbris da doçaria de Sesimbra. Na vila, a padaria A Camponesa é dos poucos sítios que a produz segundo a receita original.

Ana Sousa não sabe precisar nenhuma data de origem da receita da farinha torrada, mas garante que é muito antiga, talvez criada no contexto em que a produção de farinha era abundante no concelho de Sesimbra – como dá conta o museu da Moagem de Sampaio, visitável ainda antes de se chegar à vila.

Certo é que a padaria/pastelaria A Camponesa, localmente conhecida como Joaquim do Moinho, foi “pioneira” a produzi-la e a vendê-la comercialmente, há 35 anos, graças à mãe de Ana Sousa, chamada Anita. Até então, este doce era feito apenas pela “comunidade”, especialmente entre as famílias de pescadores.

“A farinha torrada era um doce que praticamente todas as famílias faziam em casa, para consumo próprio. Os pescadores levavam-na para o mar e comiam-na como se fosse uma barra energética, por ser muito calórico” e conservar-se facilmente graças ao açúcar com que era feito, explica a gerente da padaria.

(Fotografia de Orlando Almeida/GI)

Segundo se lê no website do município de Sesimbra, a farinha torrada “era uma espécie de medicamento utilizado contra constipações e tosse persistente”. “Quando alguém estava fraco, era acompanhada por um copo de cerveja preta, que na altura se podia comprar nas farmácias”.

Na padaria A Camponesa, fazem-na segundo a receita que terá chegado à mãe de Ana Sousa. Leva apenas ovos, farinha, açúcar amarelo, chocolate, raspa de limão e canela. Como antigamente os ovos e o chocolate eram ingredientes eram caros, punham-se em menos quantidade e a farinha torrada ficava muito dura.

O negócio, gerido por Ana e o irmão e que o ano passado comemorou 75 anos de existência, começou por ser apenas padaria, com o avô Joaquim aos comandos (daí o nome porque ainda é conhecido na vila de Sesimbra). A valência de pastelaria veio mais tarde, é desse tempo que nos chega a confeção da farinha torrada.

(Fotografia de Orlando Almeida/GI)

Depois do pasteleiro António, que somou mais de três décadas a fazer “quilos e quilos” do doce na Camponesa, hoje é Mário Frade, de 59 anos, que junta os ingredientes e estende a massa no balcão, levando a farinha torrada ao forno, para tostar a 230 graus, durante oito a 10 minutos. No final, está pronta e é cortada em cubos.

A Camponesa vende o doce a 10 euros/quilo, em caixas de seis cubos – o que equivale mais ou menos a meio-quilo de farinha torrada – ou mais, conforme o pedido do cliente. Há anos, o município procedeu ao registo da marca e da receita, para promover a farinha torrada em feiras de turismo e outros eventos, e elevou-a a ex-líbris da doçaria local.

Em conversa com a Evasões, Ana Sousa confessa que a pandemia e os sucessivos confinamentos vieram afetar muito o negócio desde 2020, mas está esperançosa de que a situação melhore, com a retoma do turismo nacional e estrangeiro em Sesimbra. A vila, que há 500 anos tem uma relação com o mar, guarda motivos surpreendentes de visita.

 

A Evasões visitou A Camponesa no início do mês de março de 2020.

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