É como se fosse possível reunir numa só refeição nos restaurantes do concelho, toda a história do concelho. A começar pelos enchidos e fumados, tão ligados, desde tempos ancestrais, à tradição da matança do porco, acompanhados por broa de milho, que todas as casas coziam em forno de lenha. E continuar escolhendo para o repasto um dos pratos que marcaram gerações de famílias de lavradores e fidalgas, o arroz de sarrabulho, que a partir do século XX passou a reinar nos cardápios de restaurantes, pensões e casas de pasto de Ponte de Lima, por intervenção de Clara Penha, pioneira da restauração contemporânea local, e se tornou prato tradicional nas romarias, festas, casamentos e feiras. Até que em 2024 foi reconhecido como Especialidade Tradicional Garantida pela União Europeia.
Da realeza gastronómica de Ponte de Lima, herdada de receituários familiares, consta também nas ementas o bacalhau de cebolada, um prato impregnado de ruralidade e cujas raízes remontam pelo menos ao século XVI, quando este peixe era comercializado na região seco e salgado. Frito, em pataniscas ou bolinhos de bacalhau, tornou-se presença tradicional nos farnéis das gentes do campo e servido em tabernas, casas de pasto tasquinhas ambulantes.
A carne Minhota, assim designada desde 2002 uma raça bovina autóctone também conhecida por Galega, é outro produto gastronómico que tem posto na hierarquia gastronómica de Ponte de Lima. Conhecida por ser suculenta, tenra e saborosa, é uma carne que possui selo de certificação desde 2013, sendo muito requisitada à mesa, principalmente em forma de naco.
A lampreia é igualmente rainha, neste caso como prato de época. A espécie encontra-se documentada como fazendo parte da “riqueza piscícola” do rio Lima, no alvará de 1568 do cardeal D. Henrique. Desde os primeiros meses do ano até à primavera, ela povoa as ementas como uma iguaria que atrai diversas gerações de apreciadores. O arroz de lampreia e a lampreia à bordalesa são receitas que vingaram no tempo e que têm bastante saída, de preferência harmonizadas com vinho verde da região.
O vinho verde Loureiro ou o Vinhão (na malga), assim como um príncipe das sobremesas, o leite-creme, e a sidra, antigo “vinho de maçã”, símbolo de uma tradição enraizada nas práticas agrícolas locais e bebida típica das Feiras Novas, também têm lugar à mesa. São embaixadores que levam o nome de Ponte de Lima pelo mundo.

(Fotografia de Pedro Granadeiro)
Bacalhau de cebolada
Deolinda Martins, de 59 anos, cozinheira e proprietária d’O Confrade, garante que, depois do arroz de sarrabulho, é o prato que tem mais saída. Testemunha o seu enraizamento na gastronomia local, recordando a época em que, ainda criança, ajudava a mãe a preparar “as merendas” para levar para o campo na freguesia de Ribeira, no tempo das vindimas e das colheitas da batata e azeitona, em que não faltava o bacalhau de cebolada. Serve-o no seu restaurante, em posta generosa frita em azeite, depois de escaldada em água a ferver e passada em farinha. É guarnecida com molho de cebolada, pimento, louro e salsa, e batata frita às rodelas. N’O Confrade, recomenda-se vinho verde para acompanhar.

(Fotografia de Rui Manuel Fonseca)
Carne minhota
O naco é uma das especialidades dos restaurantes locais. A carne desta raça bovina autóctone, conhecida ao longo dos séculos como Galega ou Minhota, é tão saborosa, suculenta e tenra, que apenas necessita de sal para ir ao grelhador. É o que garante Sofia Caldas que, com o irmão Hélder, gere o restaurante que a mãe, Maria da Conceição Fernandes, antiga cozinheira, tornou referência em Ponte de Lima. O naco de carne e a costeleta de vitela da raça Minhota, esta última acompanhada com arroz de feijocas no forno, são especialidades da casa. “É uma carne muito procurada, porque as pessoas sabem que é de qualidade, de animais mantidos no pasto”, nota a filha da matriarca, hoje com 72 anos, que foi a primeira a implementar o prato e já garantiu continuidade, transmitindo o legado aos seus descendentes.

(Fotografia de Rui Manuel Fonseca)
Lampreia
É um prato de época incontornável na gastronomia tradicional e atrai apreciadores de várias gerações a Ponte de Lima. Miguel Barbosa, de 29 anos, sócio gerente do Restaurante Açude, testemunha que é uma espécie de “arroz de sarrabulho de lampreia”, que tem sempre clientes, independentemente do preço, que tem oscilado e chega a atingir valores “muitos elevados”. E que na sua temporada, de janeiro a abril, é mesmo o segundo prato com mais saída, depois do arroz de sarrabulho à moda de Ponte de Lima. É uma especialidade da casa, que “tem um toque especial” da cozinheira Maria das Dores, que “a faz diferente”, tanto em arroz como à bordalesa. “Trabalhamos com os pescadores do rio Lima”, garante Miguel.

(Fotografia de Rui Manuel Fonseca)
Enchidos e fumados
Produtos associados ao costume da matança do porco, ancestral em Ponte de Lima, ocupam lugar de destaque na sua gastronomia. O arroz de sarrabulho é o melhor exemplo disso. Mas também podem compor uma tábua de enchidos e fumados, produzidos localmente, ainda com sabor a tradição. A Quinta dos Fumeiros é uma das empresas que nasceu pela mão de filhas de Aurora Miranda do Rego, antiga criadora de suínos na freguesia de Poiares. As receitas com mais de 80 anos continuam a ser usadas na empresa familiar, cujo rosto é Deolinda Campelo, no processo de transformação de enchidos “de forma artesanal”. E que prometem levar clientes “a reviver o passado” e “momentos inesquecíveis com a família e amigos onde bastavam três coisas: boa conversa, bom vinho e, claro, boa comida”.

(Fotografia de José Carmo)
Broa de milho
Pão tradicional preparado à base de farinhas de milho, trigo e centeio, e cozido em forno de lenha, começou como sustento do povo e chegou às casas senhoriais de Ponte de Lima pela mão das cozinheiras. João Matos, de 67 anos, antigo empresário de hotelaria que abraçou a panificação, reproduz a receita da sua mãe Rosa, que a cozia para consumo de casa. Faz duas fornadas diárias: às 4 horas, para abrir a porta às 6.30 horas com ela ainda quente; e às 17 horas. Coze cerca de 200 por dia e os clientes dizem-lhe que “é a broa mais saborosa” de Ponte de Lima. “Orgulho-me muito disso”, diz, comentando que o segredo está “nas quantidades e no isco (fermento)” e que já transmitiu o saber aos filhos Silvia e João.

(Fotografia de Rui Manuel Fonseca)
Leite-creme
A sobremesa encontra-se referenciada em publicações de meados do século XIX como sendo confecionada nas cozinhas tradicionais das casas solarengas de Ponte de Lima, servida com açúcar à superfície, queimado com um ferro em brasa. O doce feito ao lume com leite, ovos, farinha de amido de milho, açúcar, canela e casca de limão, chegou até aos dias de hoje, e o restaurante A Carvalheira venceu três vezes seguidas o concurso de receitas de leite-creme promovido durante a Festa do Vinho Verde e dos Produtos Tradicionais de Ponte de Lima. “É o tetra”, brinca o proprietário José Gomes, que atribui “o segredo” às mãos da cozinheira Maria Teresa. O poeta minhoto António Manuel Couto Viana escreveu: “Sarrabulho sem remate de leite-creme é como mesa sem pão, que só no inferno a dão”.

(Fotografia de Rui Oliveira)
Loureiro e Vinhão
O vinho do Loureiro, casta branca da Região dos Vinhos Verdes que se caracteriza pela tonalidade citrina, aromas florais e frutados, acidez e notas de louro, é sinónimo de tradição em Ponte de Lima. Um território conhecido como Berço do Loureiro, um dos vinhos mais recomendados para acompanhar pratos tradicionais da região. E que também produz Vinhão, um vinho encorpado, de cor vermelha opaca, taninos marcantes e grande acidez. Quem gosta bebe-o na malga e escolhe-o para harmonizar com pratos fortes como arroz de sarrabulho à moda de Ponte de Lima, arroz de lampreia ou um bom naco de carne Minhota. A Adega de Ponte de Lima, fundada em 1959, conta atualmente com cerca de 1000 produtores de uva destas duas castas.

(Fotografia de Rui Manuel Fonseca)
Sidra
A sidra e a cultura da maçã fazem parte da história de Ponte de Lima. Pomares espalhados por todo o território enraizaram a tradição das comunidades locais produzirem vinho de maçã de forma artesanal. E o seu consumo nas Feiras Novas. Miguel Viseu e a mulher Emanuelle Dalla Costa, com os sócios Tiago Sampaio e João Gomes, resgataram a bebida. Deram-lhe um aspeto arrojado e atraente para as novas gerações, mas produzem-na como manda a tradição, sem aditivos e com variedades de maçã típicas do Minho, como a Porta da Loja, Pipo de Basto, Verdeal e Malapio. E colocaram-na no mercado com o nome NUA. Cerca de 80% da produção, dizem, vai para exportação, para países como Estados Unidos da América, Japão e a Noruega.

(Fotografia de Rui Manuel Fonseca)