Também em Murça, já no limite norte da Região Demarcada do Douro, dificilmente conseguimos fugir ao cliché de comparar cada curva na estrada a um miradouro. A paisagem pintada em retalhos de olival e vinha, que desliza pela janela, regala-nos os olhos. Estamos na Terra Quente de um concelho feito de contrastes, com um pé no Douro e outro em Trás-os-Montes. Aqui cabem montanhas e planaltos, vales e rios, e uma diversidade de microclimas que permite ao concelho ser uma referência na produção de vinhos brancos, especialmente conhecidos pela frescura. “É esta acidez, que não é gritante mas é equilibrada”, o que os torna especiais para Gabriela Canossa, enóloga da Quinta do Cabeceiro, no extremo sul de Murça, onde se concentra a maioria da produção vitivinícola.
Dar a conhecer estes vinhos brancos singulares, assim como os produtores e as suas ofertas de enoturismo foi o mote para a criação da nova Rota dos Vinhos Brancos de Murça, que propõe uma viagem pelo território à boleia da uva branca, um programa que inclui visitas a adegas, provas de vinho, piqueniques e passeios, enriquecida também com outros sabores, histórias e paisagens do concelho.
A icónica Porca de Murça, posta em pedestal no centro da vila, é um bom ponto de partida para esta jornada. A proveniência incerta da escultura faz com que esteja envolta em lendas e suposições, sendo a mais consensual que a estátua se trata de uma herança da cultura castreja e dos povos pré-celtas, símbolo de fertilidade e proteção. Com maior segurança aponta-se a origem dos doces típicos que se encontram a dois passos dali, na Casa das Queijadas e Toucinho do Céu. Esses. “A minha mãe aprendeu a fazer com a madrinha, que trabalhava ali no convento”, diz Maria José Pereira (ou Zezinha das Queijadas, como é conhecida), a atual guardiã dessas receitas trazidas do antigo Convento de São Bento de Murça.
De energias reforçadas, vale a pena dar um salto à aldeia de Valongo de Milhais, cuja toponímia se deve ao seu habitante mais emblemático: Aníbal Augusto Milhais, ou o Soldado Milhões, como ficou imortalizado. O edifício onde viveu essa figura heroica da Primeira Guerra Mundial abriu recentemente como casa-museu. Dos olivais da aldeia nasce também outra homenagem ao herói, um azeite de edição limitada da Cooperativa Agrícola dos Olivicultores de Murça, líquido precioso que vem acompanhado de um livro que conta a história do soldado. É uma das referências de um portfólio recheado de azeites premiados, disponíveis para prova em visita à sede da cooperativa.
O azeite e muitos outros produtos do concelho são o estandarte do restaurante Quinta da Falgueira, que este verão abriu uma segunda morada na Adega Cooperativa de Murça. A especialidade é o leitão assado em forno a lenha, mas o cabrito e o bacalhau com broa também lhe ficam à altura. Tudo bem acompanhado pelos vinhos brancos de Murça.
Três destinos de copo cheio
# Adega Cooperativa de Murça
É uma visita pela história dos vinhos do concelho e da região demarcada, aquela que se faz na Adega Cooperativa de Murça. Fundada em 1963, tem hoje mais de 700 associados, que ali entregam as suas uvas. “O forte do nosso negócio é o vinho do Porto, vendido a granel para as casas exportadoras”, informa António Ribeiro, presidente da cooperativa. Mas também produzem vinhos DOC Douro, com a marca Caves de Murça. As visitas à adega são gratuitas, mediante marcação, e terminam com uma prova na cave das pipas.
# Quinta do Cabeceiro
Gabriela Canossa conheceu o lugar da Sobreira em 2006, numa das habituais idas a Murça para comprar uvas brancas para os seus lotes de vinho do Porto, e surpreendeu-se: “Aqui as uvas têm frescura mesmo a baixa altitude”. A razão deve-se à existência de um filão de quartzito naquela zona, que lhes confere acidez e mineralidade. Uma vez rendida àquelas vinhas, em 2018 a enóloga aceitou o desafio de António Ribeiro para o vir auxiliar na transição de viticultor para produtor/engarrafador. “Isto é um micro projeto familiar”, define Gabriela. Sete hectares de vinha e uma garagem transformada em adega, onde a família de António recebe calorosamente visitas e dá a provar os seus vinhos, entre os quais um Porto branco (são o mais pequeno entreposto fiscal da região). Também organizam piqueniques e almoços na vinha. Recomenda-se especialmente conhecer a parcela do Cabeceiro (que dá nome ao projeto), debruçada sobre as águas do rio Tua.
# Quinta Monte de São Sebastião
No que toca ao enoturismo, a Quinta Monte de São Sebastião vai além das habituais visitas à adega e provas de vinhos, e propõe a combinação de ambos os programas com um passeio de charme a bordo de um Citroën 2CV, de 1962. “É o carro em que eu vou para as vinhas, isto é um todo-o-terreno”, afiança António Breia, enquanto conduz o seu clássico por entre os bardos de videiras. Apesar da idade, a viatura mantém o vigor e não se amedronta nas encostas mais íngremes, nem quando sai dos limites da quinta e desfila pelas ruas da vila.