Pelos caminhos sinuosos da Baga, a casta rainha da Bairrada

Vinhas de Luís Patrão (Vadio) no Vale Dom Pedro, em Poutena. (Fotografia de Pedro Granadeiro/GI)
A casta Baga faz hoje alguns dos melhores vinhos da região demarcada. Para celebrá-la, o grupo de sete produtores Baga Friends instituiu o Dia Internacional da Baga, que se celebra pela segunda vez este ano. Será no dia 6 de maio que vão abrir as adegas para visitas e provas especiais. À noite, a festa continua com um jantar no Rei dos Leitões.

Já longe vão os tempos em que um vinho feito de Baga era “banana verde na boca”. Esta casta típica da Bairrada, com muitos taninos e acidez, se já foi ingrata para muitos viticultores da região, é agora a sua principal expressão.

Ao percorrer-se a adega de LUÍS PATO (em Amoreira da Gândara, Anadia), Maria João Café, anfitriã do enoturismo da casa, fala da intensa ligação da casta ao território e das estratégias seguidas para revelar o melhor que esta uva tem para dar. “Estamos a 20 quilómetros da costa, por isso há muita influência atlântica, com muito vento e humidade. A amplitude térmica no verão é muito grande, o que permite que a frescura se mantenha dentro da uva, mantendo a acidez”, explica. Graças a isso, “é fácil fazer bons espumantes e bons brancos, mas dá trabalho fazer um bom tinto”, diz, citando Luís Pato.

Mas o produtor, que ficou conhecido pela sua rebeldia quando se recusou a utilizar as castas estrangeiras que nos anos 80 foram incentivadas, numa tentativa de estimular a competitividade internacional, conseguiu fazer tintos de excelência, mostrando o que a Baga é capaz. Uma das estratégias com mais sucesso, além do longo estágio em tonéis, é a dupla vindima.

“Se tivermos de esperar até ao final de setembro para vindimar, pois o ciclo de maturação da Baga é longo, pode chover e a uva apodrece”, conta Maria João Pato, filha do produtor e criadora da mais recente marca casa a Duckman, que aposta no perfil dos vinhos naturais. “Nos anos 80, fazia-se a vindima verde, isto é cortavam-se cachos para o chão”, conta. A ideia era que a planta, que é muito produtiva, se tivesse menos cachos por pé, iria amadurecer mais rapidamente. Mas mais inteligente foi quando se começou a vindimar as uvas menos maduras para fazer espumante e deixar mais um mês as restantes para estarem prontas para o tinto. E é isso que se continua a fazer aqui.

No Dia da Baga, a adega do Luís Pato estará aberta para receber visitantes que poderão fazer provas de vinhos e comer petiscos que serão preparados por três chefs convidados, Luís Gaspar, Vítor Adão e Rui Martins.

É também em ambiente de festa, com provas, petiscada e uma exposição de quadros do mestre Mário Silva que Mário Sérgio vai receber os visitantes na sua QUINTA DAS BÁGEIRAS. Este é também um dos mais antigos e fiéis produtores de Baga na região. “A tradição dos vinhos vem do meu bisavô. O normal era as pessoas fazerem vinho e venderem para taberneiros e, mais tarde, para as caves da Bairrada, pois estas até à década de 80 não faziam vinificação.

Foi em 1989 que Mário decidiu começar a engarrafar os seus vinhos, ainda com a ajuda do seu avô Fausto, que homenageia num dos seus rótulos. E o seu bisavô também esteve indiretamente presente no primeiro vinho que engarrafou. “Estagiou no tonel do meu bisavô, que ainda tenho, foi um reserva 87. Mandei para um concurso e ficou em terceiro lugar. Aí percebi que tinha qualidade e que podia começar a engarrafar”, conta.

Mário Sérgio é um dos fundadores do Baga Friends e foi, segundo o próprio, um dos que mais insistiu para que se realizasse o Dia da Baga. “Há uns anos, fui com o François Chasans à Borgonha e vi uma coisa giríssima. Durante dois dias, os produtores abriam as adegas para conviver com quem os fosse visitar. Para mim, este não é um dia para provas técnicas, é para receber as pessoas que querem conhecer a Bairrada e os Baga Friends, um dia de festa”, refere.

O François Chasans de que fala Mário é outro dos Baga Friends, proprietário da QUINTA DA VACARIÇA, em Tamengos, Anadia. O francês, dono de uma garrafeira nos arredores de Paris, apaixonou-se pela região quando, numa viagem para visitar a Expo 98, provou pela primeira vez um vinho da Bairrada. “Era um dos melhores vinhos que já tinha bebido”, conta. Pouco tempo depois, visitou a região e comprou uma pequena propriedade. Dos dois hectares iniciais de Baga, tem agora cinco, entre a casta tinta e algumas brancas, e fez o seu primeiro vinho em 2008. Reparte o seu tempo entre França e Portugal e quando está cá, o mais provável é encontrá-lo no meio da vinha.

Esta, trabalhada em modo biodinâmico, precisa de atenção constante. E é no meio das uvas que se sente bem. “Não ligo a dinheiro nem quero ter uma grande produção”, o que lhe interessa é fazer vinhos “que expressem a região, vinhos de emoções. O problema da Bairrada é que era desvalorizada e muitas pessoas tinham vergonha do seu vinho. A região tem acima de tudo um problema identitário”, considera. No dia 6, vai mostrar as suas vinhas e explicar como se trabalha em modo biodinâmico.

Este é o único produtor dos Baga Friends que não produz espumantes. Todos os outros trabalham, além dos seus vinhos tranquilos de Baga e brancos com castas locais (Maria Gomes, Cercial e Bical), o método clássico, introduzido na região ainda no século XIX, por José Maria Tavares da Silva, que também fundou e dirigiu Escola Prática de Viticultura na região.

Para os seus espumantes Paulo Sousa (VINHOS SIDÓNIO DE SOUSA, Sangalhos) trabalha um blend de Bical, Maria Gomes e Arinto, nos brancos, e Baga, para o espumante rosé. Foi só em 2012 que começou a fazer “espumantes mais a sério”, refere. “Os espumantes surgem por volta de 2000 das cepas brancas que estavam no meio das tintas, só para experimentar”, conta Afonso Sousa, que ajuda o pai nas lides da empresa. A tradição familiar já vem de há cerca de 100 anos.

O avô de Paulo, Euclides Ferreira, nascido em 1900, esteve emigrado na América e quando voltou investiu tudo na vinha. “Começou a fazer vinho e a vender a granel. Em 1979, acabou a produção”, refere Paulo. Quando morreu, a mãe de Paulo, Dulcínia Santos Ferreira, ficou com as vinhas. Até 1990, estas estiveram entregues a um encarregado. A partir de 1990, o pai de Paulo, quando se reformou, dedicou-se aos vinhos.

O projeto tem crescido paulatinamente. “Em 2016, fizemos a primeira experiência com vinho branco, porque achamos que a Bairrada tem potencial para fazer brancos de grande qualidade. Mas nós somos principalmente uma casa de tintos e fazemos aquilo que gostamos porque não temos nem volume nem dimensão para correr atrás do mercado ou de modas”, refere Afonso.

Durante o Dia da Baga, vão mostrar a adega e as vinhas e fazer provas especiais de produtos que ainda não estão no mercado. “Queremos mostrar o que somos. Não temos a estrutura que outros têm, mas também gostamos de receber pessoas. Na nossa adega, a visita será mais sóbria e técnica. Mas é essa também a diversidade dos Baga Friends”, remata.

Por entre as vinhas, para mostrar as suas técnicas de cultivo e os diferentes solos da região (argilo-calcários e arenosos), vai estar Luís Patrão, do VADIO (Poutena, Vilarinho do Bairro). No Vale Dom Pedro, o enólogo, que é a mais recente aquisição dos Baga Friends, tem plantadas, em modo biológico, as vinhas com que elabora os seus tintos e brancos tranquilos e também os espumantes. “Lancei os primeiros vinhos por altura em que nasceram os Baga Friends. Lembro-me de ir ao primeiro evento deles e sempre admirei todos os produtores do grupo. Quando me abordaram para fazer parte, disse logo que sim”, conta.

Natural da região, Luís conta que com 15 anos começou a trabalhar na Adega Cooperativa de Vilarinho do Bairro durante as férias de verão para ganhar dinheiro. Mas foi só quando entrou em Enologia, na UTAD, que se apaixonou pelos vinhos. “Eu não tinha muita vontade de estudar. Tinha uma banda e queria era tocar. Quando entrei para a faculdade, gostei imediatamente do curso e tornei-me um óptimo aluno”, lembra. Depois, estagiou nos Estados Unidos e na Austrália. Quando regressou, trabalhou 13 anos na Herdade do Esporão, no Alentejo, até que decidiu regressar a casa. No Dia da Baga, além de mostrar as vinhas, fará a festa na sua adega. “Vou abrir vinhos de vários anos, ter uma bela chanfana na mesa e receber os amigos”, conta. Pois assim, com diversidade se vai celebrar a casta rainha da Bairrada.

Comer leitão no Mugasa
Nasceu ainda nos anos 1970 como “café de aldeia” pelas mãos de Álvaro Nogueira e a mulher Helena. Hoje, é um restaurante premiado e muito frequentado por quem vai à procura do tradicional leitão. Nos fornos a assar os leitões está Ricardo, filho do casal. Além deste prato, o leitão aparece também em iscas de fígado e cabidela. O bacalhau assado na brasa é outro dos pratos em destaque. A garrafeira reflete o que melhor se faz na região.

Ficar num hotel clássico
Desenhado por Cassiano Branco e mandado construir por Bissaya Barreto, quando este liderava a Sociedade da Água de Luso, o Grande Hotel do Luso foi inaugurado em 1940. “Na altura, estava bastante ligado ao turismo das termas, mas muito mudou e as termas deixaram de ser prioridade”, afirma João Diniz, presidente do conselho de administração do hotel. O que não mudou foi a fidelização dos clientes portugueses que há várias gerações o frequentam. Desde 2003 que não pertence às Águas de Luso, mas continua a ter parceria com as termas. Ao longo dos anos foi-se modernizando, não descurando o estilo clássico e sóbrio. À piscina olímpica exterior, de 1941, juntou-se mais recentemente uma piscina interior, spa e ginásio.

Aprender como se fazem os pastéis de Tentúgal na Afonso
É a casa mais antiga de pastéis de Tentúgal sempre na mesma família”, conta Olga Cavaleiro, filha de Natália, a também mais antiga pasteleira da região. “Há mais de 60 anos que temos esta marca, Afonso”, conta Olga, especialista em doçaria portuguesa e professora de pastelaria na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto. Natália, 80 anos, aprendeu a fazer os pastéis aos 12 “com a senhora Conceição, familiar da pessoa que saiu do convento Nossa Senhora do Carmo”, onde há vários séculos se confecionava e que, depois daquele encerrado, no fim do século XIX, manteve a tradição. A pastelaria vende estes e outros doces tradicionais e abre portas para se ver como se estende a finíssima massa que enrola o doce de ovos.

Dia Internacional da Baga
Baga nas suas sete quintas
6 de maio, das 10h às 18h
Bilhetes: www.bagafriends.com
Preço: 30 euros (inclui acesso às adegas dos sete produtores)

Adegas visitáveis
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Outras sugestões
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