De ténis, calções curtos e t-shirt branca, Ana Chaves caminha entre as vinhas, satisfeita, enquanto um grupo de homens colhe os cachos de uvas manualmente e os coloca nas caixas de 12kg. “Este ano deu-nos mais uva e de maior qualidade, porque choveu durante o inverno”, explica a produtora da Herdade Barranco do Vale, estendida ao longo de 100 hectares no sítio de Campilhos, freguesia de São Bartolomeu de Messines. Hoje, a visita às vinhas faz-se a pé, mas costuma ser num atrelado puxado por trator, conforme o número de pessoas interessadas.
Lisboeta de gema, tendo trabalhado quase 20 anos numa empresa de telecomunicações, Ana é o rosto da terceira geração da família de Ramiro da Graça Cabrita. Foi a produzir e a exportar alfarroba que ele conseguiu angariar dinheiro para comprar a propriedade, florestada com sobreiros, alfarrobeiras, oliveiras, pinheiros e medronheiros que hoje se veem na paisagem, e na qual plantou dez hectares de vinha, metade para uvas de mesa. Quando uma rutura de tendão a obrigou a parar e refletir, Ana Chaves decidiu assumir a herdade então adormecida.
Sem qualquer ligação à vinicultura, a família encarou com ceticismo o ímpeto empreendedor da produtora. Em 2015 pegou na velha adega – da qual guarda o desengaçador, uma prensa e um enrolhador, num espaço que serve de sala de visitas, loja e armazém – e em três anos lançou o primeiro Rosé Negra Mole, casta autóctone do Algarve que o avô Ramiro havia plantado. “Foi o vinho que nos deu nome no mercado”, conta, já durante o almoço no alpendre repleto de pratos serranos d’ O Caixeiro, O Petisco, Fatinha e Académico, restaurantes parceiros dali da aldeia.
Agora disponível na versão de 2023, o Rosé Negra Mole é uma das 14 referências da Herdade Barranco do Vale, a maioria Reserva, cuja alquimia está a cargo do enólogo João do Ó. A casta identitária, branca e tinta, cresce em vinhas com 70 anos e é uma das oito plantadas em solos maioritariamente de xisto e argila, entre as serras de Monchique e do Caldeirão e o mar, que as refresca. Das castas brancas plantadas a posteriori, a produtora lançou o Blend Branco, junção de Antão Vaz, Alvarinho e Arinto, à venda na colheita de 2021 e o mais premiado do portefólio.
Nos contrarrótulos das garrafas pode ler-se a carta que Ana escreve anualmente ao avô, como num diário de família. É o que diz ser uma “singela homenagem” ao património que ele deixou, coisas tão aparentemente simples como as charcas que têm permitido às vinhas resistir à seca sem problemas de maior. Em jeito de despedida, Ana Matias Chaves partilha que um dia a Herdade Barranco do Vale há de ficar para o filho, agora maior de idade, e que também ajuda na apanha e venda da alfarroba. Porque é um projeto de família feito de amor e olhos no futuro.
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