Fernando Melo: 10 vinhos para uma ceia de Natal em grande

(Fotografia: www.freepik.com)
A ceia natalícia é a mais sentida e celebrada no seio das famílias portuguesas. Os mais novos no corropio ansioso dos presentes, os mais velhos felizes pelo carinho da companhia da descendência e todos mobilizados para a grande mesa do ano. Idealizámos e melhor ceia enófila, com ligações vínicas como sempre ousadas, e como sempre conseguidas e felizes.
Queremos que o seu Natal seja muito feliz e sobretudo acessível. A quadra pede extravagância e normalmente é correspondida, levando muitas vezes as famílias a abdicar da melhor selecção de vinhos, quando muita da alegria está na mesa. Neste ano, a nossa proposta é de que isso não aconteça e por isso apresentamos soluções alternativas, de muito valor a custos contidos. E organizámos o seu Natal de forma ligeiramente diferente, com riqueza à mesa e contenção na garrafeira. Para as entradas pensámos nas maravilhosas ostras portuguesas – crassostrea angulata – da Ria Formosa, Sado ou Aveiro – com a genial assessoria de um Alvarinho da região minhota Monção & Melgaço. Quisemos cumprir o desígnio grave do prazer com sapateira maridada com o genial branco que a Adega de Favaios acaba de lançar no mercado. E por ser do agrado da maioria, atrevemo-nos a propor salmão fumado, harmonizado com o estreante branco duriense da Quinta dos Frades. Entrando na refeição quente, servimos-lhe um consomé de perdiz com um Loureiro de rara sensibilidade, arroz de polvo com um grande Touriga Franca do Douro, bacalhau à lagareiro com um branco alentejano de uvas tintas e o patrimonial capão à Freamunde acompanhado por um grande tinto do Tejo. Nos doces, servimos aletria, lampreia de ovos e bolo rei, numa sequência vínica de que muito nos orgulhamos e que termina com um tinto vigoroso. Feliz Natal!
Ostras portuguesas
17 – QM Nature Alvarinho Monção e Melgaço Verdes branco 2023 (12,5%) | Quintas de Melgaço – 18 euros
A relativa abundância de boas ostras faz hoje remontar a um reduto que há cem anos se festejava em Setúbal, em plena Luísa Todi, há fotografias de então que atestam que se ia à capital sadina pelos rugosos bivalves, tanto ou mais quanto hoje se vai pelo peixe. São por isso mesmo a evocação natalícia primordial para o início da refeição. As notas salinas acentuadas deste estreme de Alvarinho, juntamente com a excelente e equilibrada acidez que ostenta, configuram-no como a melhor ligação. Será passo inicial por todos festejado.
Recheio de sapateira
17,5 – Casa Velha Reserva Douro branco 2022 (13%) | Adega de Favaios – 11 euros
Pegue no receituário marítimo e petisqueiro, invista numa sapateira de boa frescura no supermercado ou praça mais próximos e mãos à obra. Talvez seja a sua primeira experiência e vai ver que será bem sucedida, a primeira de muitas seguramente. Este vinho notável e democrático produzido pela venerável Adega de Favaios nos cocurutos altaneiros que encabeçam o Douro é dotado de muito sabor e de uma acidez belíssima, que vai ao encontro das exigentes gorduras e temperos que caracterizam esta delícia consensual e festiva.
Salmão fumado
17 – Vinha dos Santos Douro branco 2023 (12,5%) | Quinta dos Frades – 9 euros
Com uma base de Malvasia Fina, Gouveio e Rabigato, este vinho corporiza o primeiro branco produzido pela mão segura do enólogo Diogo Lopes. Como é seu apanágio, trata-se de um vinho equilibrado e de frescura acentuada. A complexidade aromática resultante vai ao encontro da festa de aromas que normalmente o salmão fumado proporciona, ao mesmo tempo que a integra num registo uno e indestrutível. O resultado é neutro e por isso bem sucedido. O mesmo resultado é conseguido outros peixes fumados, como bacalhau, espadarte e truta.
Consomé de perdiz
18,5 – Pequenos Rebentos Loureiro Vinhas Velhas Verdes branco 2022 (12,5%) | Márcio Lopes – 25 euros
Diz o povo “depois da sopa molha-se a boca”, mas este grande vinho do mago Márcio Lopes consegue a sublimação de todos os sabores, num magistral exercício de harmonização com a sofisticada casta Loureiro que explora as características de estrutura vínica, mais do que as que dizem respeito à fruta. A ligação com a perdiz é muito eficaz e a elegância do vinho não fere nem ameaça a fineza e tessitura do consomé. Há que ter o cuidado de não o arrefecer demasiado, aconselho o serviço a 15ºC, para melhor ligar com o prato.
Arroz de polvo
18 – Duorum Touriga Franca Douro tinto 2022 (14%) | Duorum – 20 euros
É o primeiro estreme de Touriga Franca a marcar presença na linha de proa da marca Duorum. Estagiou nove meses em barricas de carvalho francês de segundo e terceiro ano, uvas provenientes de altitude entre 400 e 500 metros. Trata-se de um vinho sumptuoso e majestático, grande expressão do terroir duriense, que de resto as vinhas da Duorum têm vindo a representar ao longo dos anos. O arroz de polvo, típico da quadra natalícia vai encontrar parceiro forte na nobreza do vinho e o encontro entre vinho e comida vai inspirar muitas outras experiências.
Bacalhau à lagareiro
17,5 – Ravasqueira Vinha das Romãs blanc de noirs Alentejo branco 2023 (12,5%) | Ravasqueira – 21 euros
Este produtor tem vindo a lançar com sucesso vinhos brancos de grande qualidade produzidos a partir de castas tintas e este é um bom exemplo. O topo de gama Vinha das Romãs tem neste vinho declinação muito feliz. Uvas das castas Touriga Franca e Syrah, extracção em prensa com aproveitamento da parte inicial do processo, em que o mosto é incolor. Colocado em inox e em barricas novas de carvalho francês. Acidez bem afinada, a lidar bem com o azeite abundante da preparação lagareiro, com a totalidade do vinho a ir diretamente ao bacalhau.
Capão à Freamunde
17 – Lagoalva Alfrocheiro & Syrah Reserva Tejo tinto 2021 (13%) | Quinta da Lagoalva – 10 euros
É sempre de acarinhar todo o vinho deste produtor que conta com a casta Syrah no seu elenco, já que terá sido nesta propriedade que conheceu as primeiras vinificações em Portugal, fruto da visão da família Campilho. Com erca de dois terços Syrah e um terço Alfrocheiro, o mix é vencedor entre a comunidade enófila nacional, justamente pela flexibilidade e prontidão com que aborda uma variedade de pratos com particular eficácia. O capão à Freamunde, assado glorioso da tradição nacional encontra parceria vigorosa com este vinho.
Aletria
17,5 Aveleda Alvarinho Verdes 2023 (12,5%) | Aveleda – 6,50 euros
A doçaria caseira que se processa em cada lar do país tem óbvio e necessário lugar à mesa na quadra natalícia. Nos tempos dos nossos avós, era indispensável um licor, tanto para produzir os doces como para os apreciar à mesa. Encontrámos neste brilhante Alvarinho o batimento certo, agora que o gosto se mudou mais para vinhos secos do que doces. Em caso de dúvida, basta provar e conferir que se trata de uma casta nobre, vinificada com respeito e sentimento pela Aveleda, simplicidade desarmante e muito eficaz.
Lampreia de ovos
17,5 – Maynard’s Finest Reserve ruby Porto (N/V) | Barão de Vilar – 14 euros
Estamos perante um vinho do Porto entrada de gama, com estágio de poucos anos em madeira, e o restante em garrafa. O ensaio feito com a clássica lampreia de ovos destruiu inteiramente o mito de que os doces mais doces pedem tawny e não ruby. Ligação vibrante e sofisticada a criar vários braços de harmonização com doçaria de Natal. Rabanadas, pudins e tartes diversas de fruta estão entre as soluções vencedoras de ligação com este vinho belíssimo. O pudim do Abade de Priscos, por exemplo, casou na perfeição.
Bolo Rei
18 – Família Margaça Talhão 02 Sousão Alentejo tinto 2021 (14%) | Margaça – 30 euros
A ligação mais ousada de todas as que lhe propomos nesta edição da sua Evasões e também aquela que cumpre o saudável desígnio da novidade. Ousar, no fundo, implica inovar e este Sousão bem alentejano de Pias foi uma grande revelação. Além de penetrar com naturalidade no seio da massa brioche do bolo, deteve-se com muito prazer nos frutos secos e caramelizados, unificando-os. Daqui a uns anos, este vinho promete excelente harmonização com a difícil e caprichosa doçaria conventual.



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