Entrevista a Milton Lima: cachaça é “a personificação do brasileiro numa bebida”

Nasceu em Pirassununga, interior de São Paulo, região importante na produção de cachaça (a popular 51 vem de lá). Há 25 anos que se dedica a divulgar o destilado. Mas não quer ser chamado embaixador da cachaça, prefere a expressão "ativista da cachaça".

Milton Lima abriu, há oito anos, a Cachaçaria Macaúva, em Analândia, interior do Estado de São Paulo. A sua carta de cachaças venceu quatro vezes consecutivas o prémio de melhor carta de bebidas, atribuído pela conceituada revista “Prazeres da Mesa”. Agora, Marcelo Moschetti, amigo de longa data de Milton, a viver no Porto, vai abrir uma casa-irmã na cidade. Durante este mês, a Macaúva Porto abrirá as suas portas na Rua Miguel Bombarda.

A tese final de seu curso foi “Cachaça: da Senzala para a Casa Grande”. Porque se interessou pelo assunto?

Quando comecei a fazer o curso de Marketing, a cachaça ainda sofria muito preconceito, era bebida vulgar, de pobres. Os brasileiros têm uma péssima tradição de valorizar o que é do outro, o champanhe da França, a tequila do México… E eu quis perceber porque é que o povo brasileiro não valoriza a sua cultura, a sua bebida.

Esse foi o primeiro passo para o movimento de valorização do destilado. Como estão as coisas agora?

A cachaça já é valorizada. E nós estamos a colocar a cachaça na boca das pessoas, a mostrar o seu potencial, pois ainda é desconhecida. Na Alemanha é valorizada, mas quando estive na Escócia, percebi que nunca tinham ouvido falar. Ainda é mais conhecida como ingrediente da caipirinha.

O que é uma cachaça?

Para ser considerada uma cachaça, tem de ser produzida no Brasil. E tem de ser feita do caldo da cana-de-açúcar (não do melaço, como o rum). Tem de ter entre 38 e 48 por cento de álcool. De resto, pode ser ou não envelhecida em madeira.

Qual a singularidade da cachaça em relação a outras bebidas destiladas?

Para mim, a cachaça é o destilado mais incrível do Mundo. As possibilidades que pode trazer são enormes. Tem uma diversidade tão grande, tanta história: há cachaça que é enterrada, cachaça envelhecida em tonéis gigantes… Existem quatro mil cachaças. E pode conectar as pessoas, contar a história de uma região, de uma família, de uma cidade, de uma cultura, de um processo. O mais legal é justamente a diversidade.

Como começou a produção de cachaça?

Na América do Sul não se fazia bebidas destiladas antes de chegarem os portugueses. O Brasil foi o primeiro país a ser colonizado e a produção da cachaça interferiu muito no que é o mundo hoje. E tudo por causa de um português iluminado que levou um alambique numa caravela e de outro, Martins de Sousa, que levou a cana-de-açúcar [originária da Índia] para o Brasil. Não há certeza histórica, mas pensa-se que terá sido em São Vicente, litoral de São Paulo, que se começou a produzir cachaça, ainda no século XVI.

E os portugueses deste lado do Atlântico gostaram.

Sim. Tanto que em 1755, quando aconteceu o terramoto de Lisboa, a cachaça estava sobretaxada. Apesar de ser cara, os portugueses preferiam a cachaça à bagaceira. E foram estes impostos que ajudaram a reconstruir Lisboa. Agora, porque a preferiam… pelo paladar, pelo aroma…? A cachaça tem uma pegada, uma ginga que nenhuma outra bebida tem, talvez seja a personificação do brasileiro numa bebida.

A carta da sua Cachaçaria Macaúva, que terá uma casa-irmã no Porto, foi premiada várias vezes. O que tem em consideração quando escolhe as cachaças?

O que importa é a diversidade: mostrar as regiões do país, madeiras diferentes, vários teores alcoólicos. Quanto maior for o universo na minha carta, melhor.

 

Leia também:

Capim Dourado: O restaurante no Porto com todo o Brasil à mesa
Porto: quatro bares para beber whisky
Bar 1908: Aprenda a fazer os cinco cocktails mais pedidos nos bares




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend