Um dos primeiros sintomas é a temperatura, logo a seguir aos dias, que começam a marcha em direção ao inverno, encurtando. Ficamos mais tempo em casa, dedicamo-nos mais à cozinha e olhamos com outros olhos para a garrafeira. Como sempre acontece na sua Evasões, ousamos novas pontes de ligação de vinhos com comida e isso começa logo com o primeiro vinho da lista de hoje, o singelo cozido de grão com um branco alentejano. Mantemos a tónica e a inspiração do lugar e propomos uma sopa (açorda) de bacalhau com outro branco do Alentejo; a sempre jovem Adega do Cartaxo inspirou-nos a ponto de recomendar o magnífico novo tinto daquela casa com arroz de pato; voltamos ao bacalhau para aconselhar maridagem da confeção à Brás com um branco clássico da Ervideira; aliviamos a gula para ligar lasanha com um rosé de Montalegre; servimos um canónico linguado gratinado no forno com um grande branco do Douro. E vêm ainda mais três rosés de truz para casar com pato com laranja, caril de camarão e bacalhau à Gomes de Sá. Por fim, olhamos gulosos para um grande tinto de Lisboa e ensaiamo-lo com sucesso com a clássica perdiz à Convento de Alcântara. Boas provas e viva o outono!
Ravasqueira Alvarinho
Alentejo branco 2023 (13%) | Ravasqueira 16 euros
Pontuação: 18/20
Surge seis anos após a última edição este Alvarinho brilhante e exemplar, de elegância avassaladora. Foi um dos primeiros de fora da região dos Vinhos Verdes a aventurar-se pelo Alentejo, e foram muitos os que se lhe seguiram. Os níveis de maturação conseguidos demonstram uma adequação excelente ao terroir da Ravasqueira, hoje fortemente realçada pelo grande enólogo David Baverstock, agora aos comandos enológicos da empresa. Entrada copiosa na boca, belíssima acidez e comprimento admirável, prolongando o prazer na prova e à mesa. Irá bem com cozido de grão.
Dona Maria
Alentejo branco 2023 (12,5%) | Dona Maria 10 euros
Pontuação: 17/20
A grande enóloga Sandra Gonçalves imprime o seu cunho pessoal em todos os vinhos que produz, elevando sempre ao máximo o patamar de qualidade, independentemente de outros aspectos qualitativos, como o preço. Entendimento perfeito com Júlio Bastos, proprietário. Produzido a partir de Arinto, Antão Vaz e Viosinho, apresenta uma acidez notável e grau alcoólico bastante contido. Trabalho notável na vinha e na adega, especialmente tendo em conta que estamos em terras quentes. Ligação perfeita com uma açorda de bacalhau à alentejana.
Detalhe Touriga Nacional & Cabernet Sauvignon
Tejo tinto 2017 (14%) | Adega Cooperativa do Cartaxo 17 euros
Pontuação: 17,5/20
Estreia deste título, estagiou dez meses em barricas de carvalho francês e seis anos em garrafa. A Adega do Cartaxo celebra por esta altura o septuagésimo aniversário, e o enólogo Pedro Gil tem vindo a criar novos vinhos para marcar a efeméride. Longe vão os anos da rusticidade dos vinhos do Cartaxo, que agora deram lugar à elegância e à vocação para a mesa. Apesar de vezeira no Tejo, é a primeira vez que no Tejo assistimos à novidade absoluta da ligação das castas Touriga Nacional e Cabernet Sauvignon, livres de quaisquer aromas e sabores espúrios, antes limpos e cristalinos, coroados pela elegância. Genial com arroz de pato à portuguesa.
Conde d’Ervideira Reserva
Alentejo branco 2023 (13,5%) | Ervideira 15 euros
Pontuação: 18/20
Este clássico produzido a partir de uvas da casta Antão Vaz, da Vinha da Ribeira, fermentou e estagiou em barricas de carvalho francês e húngaro. Estamos perante um dos grandes brancos de Portugal, que em simultâneo sempre se instituiu como guia e farol da produção de vinhos brancos, ao cumprir de forma exemplar o paradigma do binómio elegância- -força. É a um tempo de extrema complexidade, conseguindo enfrentar combates com pratos contundentes e incrivelmente acutilantes. Pronto para destruir o marisco mais fino. Excelente a ligação com bacalhau à Brás.
Mont’Alegre
Trás-os-Montes Rosé 2023 (12,5%) | FG Wines 12 euros
Pontuação: 17,5/20
Francisco Gonçalves é um daqueles enólogos raros que procuram a harmonização vinho-comida perfeita e ao mesmo tempo perseguem a vanguarda dos caminhos não usados. Detentor de um vasto arsenal enológico, capaz de fazer frente ao maior desafio, consegue colocar-se no lugar do consumidor e construir soluções práticas e úteis com o seu grande corpo de conhecimento. Este rosé foi produzido a partir de uvas Tinta Amarela e Tinta Roriz em vinhas de altitude, acima dos 700 metros. Acidez bem focada e trabalhada e muito sabor. Ligação perfeita com lasanha de carne.
Duas Quintas Reserva
Douro Branco 2023 (13%) | Adriano Ramos Pinto 24 euros
Pontuação: 18,5/20
Uma das grandes marcas de vinho do país é sustentada pela dupla proveniência das uvas da Quinta de Ervamoira e Quinta dos Bons Ares em branco e tinto. Sobressai no branco a casta Rabigato dentre as diversas que compõem o lote. A genialidade está neste matizar de terroirs e na excelência enológica; há poucos brancos durienses de que possamos dizer o mesmo. Claro que gosta da mesa e claro que vive no coração dos enófilos mais fervorosos, porque celebra o próprio Douro. Merece bem um linguado no forno gratinado com banana.
Vinha dos Deuses
Douro rosé 2023 (12,5%) | Quinta dos Frades 16 euros
Pontuação: 17,5/20
Quando o enólogo Diogo Lopes se junta ao seu parceiro de sempre Anselmo Mendes, torna o mundo mais colorido e fresco. A dupla é de franco sucesso e somos nós que lucramos com isso. Dos vinhedos em que mais de metade são vinhas velhas com mais de 90 anos, foram selecionados cachos especiais de Touriga Nacional para produzir este rosé. Charme, frescura e longevidade, já que apresenta condições para guardar por mais um par de anos. Pelo seu perfil cítrico, irá bem com um bom pato assado com laranja.
Adegamãe Palhete
Lisboa Rosé (11%) | Adegamãe 9 euros
Pontuação: 17/20
Apoiado nas castas Castelão, Pinot Noir e Fernão Pires vinificadas conjuntamente, este rosé está talhado para seduzir e surpreender. Ressuscita um certo estilo que todos temos na memória mas a que não associamos momentos extraordinários de prova. Aqui a proposta é séria e com muita personalidade. A associação de uvas brancas e tintas num mesmo vinho é clássica na região de Lisboa e sempre foi popular e muito apreciada. Com este rosé, o produtor faz um reforço de intenção e brinda-nos com uma fórmula frutada e fresca. Fantástico com caril de camarão à goesa sem picante.
Lugar do Gato
Dão rosé 2023 (13%) | Quinta do Gato 15 euros
Pontuação: 17/20
Paulo Páscoa é um dos bravos que corporizam a força refundadora a sub-região de Lafões, com excelentes resultados. É minimalista nas suas abordagens e o seu trabalho passa muito pela vinha, escolhendo talhões e cachos mesmo para os vinhos mais simples. Este prodigioso rosé produzido a partir de Touriga Nacional e Tinta Roriz apresenta um lado cítrico e outro copioso, quase guloso, conferindo vida ao conjunto, ao mesmo tempo que consegue mais eficácia no corte de gorduras e proteínas. Vai bem com bacalhau à Gomes de Sá.
Quinta Monte d’Oiro Ex Aequo
Lisboa Tinto 2021 (13,5%) | José Bento dos Santos 70 euros
Pontuação: 19/20
É sempre com emoção e expectativa que assistimos a uma nova edição deste vinho telúrico e profundo. Produzido a partir de uvas próprias das castas Syrah e Touriga Nacional, fermentou em cubas inox com reprodução de pisa a pé e maceração prolongada, estagiando depois por 20 meses em barricas de carvalho francês, 40% das quais novas. Graça Gonçalves é a enóloga residente e continua irrepreensível e inspirada no seu labor, autêntica guardiã das vinhas e vinhos desta grande casa. Bom entendimento com perdiz à Convento de Alcântara.