Crítica de Fernando Melo: Dez vinhos com criatividade bem portuguesa

(Fotografia de Miguel Pereira da Silva/DR)
Portugal está na linha da frente em inovação e criação de novas propostas, sempre com elegância e eficácia gastronómica na mira. Parece um esforço concertado dos produtores entre si mas na verdade as diferenças de estilos e abordagens não podiam ser maiores. Viva a boa produção lusa!

Portugal atravessa grandes desafios, o maior dos quais é porventura o escoamento da sua produção pelos mercados internacionais. A crise é de certa forma global e todos buscam soluções para o problema. Certo é contudo que as propostas de gabarito se sucedem, fazendo-nos festejar promovendo sempre o melhor de que somos capazes. Em Tomar, em plena região do Tejo, labora incessantemente a brilhante enóloga Anca Poiana, que surge com o Cabernet Sauvignon de truz, fresco e muito original. Do Dão vem a nova criação do gigante Tiago Macena, numa oferta de grande criatividade e que faz convergir granito, barro e madeira de forma surpreendente. Nos baixos algarvios vemos surgir um rosé cheio de raça a partir da casta Negra Mole. Uma vinha velha no Douro mostra toda uma nova abordagem do alto dos seus 600 metros de altitude. Na cósmica e mítica Ervamoira nasce um grande vinho, do que de melhor se faz no país. Pela mão da dupla de enólogos Anselmo Mendes e Diogo Lopes chega um vinho de celebração que é uma ode à frescura e elegância. A série Howard’s Folly conhece mais um episódio feliz. O madeirense Octávio Freitas dá a conhecer mais um membro da família que promete dar que falar e beber. António Antunes sabe bem para onde deve levar a excelente linha Rumo, com uma proposta irresistível do Alentejo em modo branco. E Baião mostra mais um grande Avesso, genial à mesa e cheio de futuro. Ainda vale a pena acreditar; Portugal tem tudo na mão.

 

Casal Martins Cabernet Sauvignon Grande Escolha
Tejo tinto 2019 (14,5%) | Adega Casal Martins. 9,40 euros
Pontuação*: 17
Anca Poiana é hoje uma grande enóloga e agregadora de terroirs. Conheci-a na sua fase mais experimentalista, quando ainda estava nos anos verdes de uma brilhante carreira enquanto produtora de vinhos, e já então procurava vinhas velhas na sua região (Tomar) para construir o matizado de expressões e tonalidades que transportava na alma. Quem acha que vai encontrar terpenos e pirasinas que sempre tivemos como típicas na casta Cabernet Sauvignon, desengane-se. Aqui há equilíbrio, balsâmicos e vagens verdes, mas ligados a uma matriz mineral.

 

Terracota
Dão branco 2022 (13%)| No Rules Wines. 50 euros
Pontuação*: 18
Tiago Macena é o mais empenhado no seu ofício e já elevou o patamar vínico nacional a um nível estratosférico, ao alcançar a certificação necessária para Master of Wine. Uvas provenientes de vinha velha, com a consequente mistura de castas. Fermentação em contacto pelicular total, durante dois meses numa talha de barro, estagiando depois sem películas durante mais quatro meses. Afinação de três meses em barricas de carvalho francês de 500 litros. No nariz é a um tempo frutado e terroso, numa espécie de dualidade assumida que vai marcar presença também na boca.

 

 

Herdade Barranco do Vale Reserva Vinhas Velhas Negra Mole
Algarve rosé 2023 (12,5%) | HBVale. 12 euros
Pontuação*: 17,5
A casta Negra Mole tem vindo a mostrar as suas muitas mais-valias nos vinhedos algarvios, graças ao esforço continuado dos produtores empenhados em demonstrá-las. Fruta de caroço bem presente, notas balsâmicas e especiadas revelam bom desempenho aromático. Na boca revela excelente acidez fixa, tornando o vinho particularmente apto à boa mesa. Entrada cítrica, meio de boca copioso em notas de bagas de arbusto, e final de boca muito elegante, a terminar longo. Desempenho notável à mesa.

 

Vinha do Altar Reserva
Douro branco 2023 (12,5%) | Wine & Soul. 12 euros
Pontuação*: 17
Do planalto duriense de Sabrosa/Fermentões, a 600 metros de altitude, chega-nos esta maravilha das mãos do talentoso casal Sandra Tavares e Jorge Serôdio Borges. Vinha velha de baixa produção, castas tradicionais do Douro, polidas quase individualmente e colhidas no ponto ótimo de maturação fenólica. Prensagem muito suave, estágio sobre as borras finas ao longo de sete meses. Há frescura de todo o conjunto, e há um brilhante grupo de amargos que nos atrai muito neste vinho. Notas terrosas de cogumelos frescos muito atraentes, complexidade a toda a prova.

 

Quinta de Ervamoira
Douro tinto 2021 (14%) | Adriano Ramos Pinto. 104 euros
Pontuação*: 19
A Quinta de Ervamoira foi outrora um grande campo de experimentação, onde pela primeira vez se definiu o elenco das castas nobres do Douro, trabalho notável de João Nicolau de Almeida. Este vinho é tão possante quanto elegante. Selecção rigorosa de uvas da quinta, resultando num lote de Touriga Nacional (83%) e Touriga Franca (17%). Dezoito meses de estágio em barricas e tonéis de carvalho francês. Nariz de ameixa preta madura, grafite e sugestões cítricas. Boca incrivelmente macia mas poderosa, crescendo sempre até um final muito equilibrado e floral, com evocações de alcaçuz.

 

Quinta dos Frades Dona Sylvia Grande Reserva
Douro tinto 2017 (14,5%) | Quinta dos Frades. 52,30 euros
Pontuação*: 18,5
Produzido apenas em anos especiais. Trata-se de uma homenagem da família em memória de Sylvia Ferreira, mulher do comendador Delfim Ferreira. Vinha velha com 23 castas identificadas. Pisa a pé em lagares de granito. Estágio de 12 meses em barricas novas de carvalho francês, com tosta ligeira. Mínimo de 12 meses de estágio em garrafa. Aromas de fruta de caroço cozida, juntamente com impressões de bagas de arbusto e leves toques de madeira. Abre em camadas as mais diversas nuances, revelando muito boa aptidão gastronómica. Taninos muito finos e bem domados.

 

Howard’s Folly Cristina
Alentejo tinto 2019 (13,5%) | Hill Valley. 70 euros
Pontuação*: 18
Vem do Alentejo mas ninguém diria, tal a mineralidade e frescura que apresenta. Cristina Francisquinho, sábia e inspirada, trabalha neste projeto desde o início. Foi certo dia surpreendida pela pergunta do mentor e proprietário Howard Bilton, sobre qual seria a vinha de que mais gostava. Mas não se fez rogada, respondeu de imediato que era a Vinha da Jacinta, na serra de São Mamede. Field blend de 700 metros de altitude, cepas com mais de cem anos. Trabalho conjunto de Cristina – que acabou por lavrar o seu nome no novo topo de gama da casa -, Pedro Furriel e David Baverstock.

 

Cagarra
Madeirense branco 2022 (11,5%) | Octávio Freitas Winery. 45 euros
Pontuação*: 18
Produzido a partir de uvas Sercial e Verdelho, acidez invejável, cerca de 10 g/L em tartárico, o que é notável e deve-se sobretudo à Sercial. Fermentação em inox, estágio em contacto com aparas pouco tostadas de carvalho francês sobre as borras finas. O Verdelho confere um lado copioso ao vinho, juntamente com notas florais, que acrescentam interesse e prazer ao conjunto. Forte vocação gastronómica, vai acrescentar complexidade em garrafa por mais uns anos. O problema vai ser resistir-lhe em cave.

 

Rumo Lumina Reserva Arinto
Alentejo branco 2022 (12,5%) | Rumo. 31 euros
Pontuação*: 19
Estamos perante um Arinto (85%) de absoluta excelência, vinificado sem qualquer controlo de temperatura, juntamente com Roupeiro. Fermentação em barrica, seguindo-se estágio de 12 meses. Mais minimalista é difícil de conceber e mesmo assim não é esse o aspeto mais interessante. A fruta de caroço surge aliada a impressões terrosas e de pedra molhada. A boca mostra um grupo de amargos uno e forte. E o final de prova é longo, muito longo, terminando em flores silvestres. Atitude e força notáveis de António Antunes e sua mulher Marta, no seu novo projeto.

 

Cazas Novas Origem Avesso
Verdes branco 2022 (13%) | Sociedade Agrícola Casal de Ventozela. 22 euros
Pontuação*: 18
Fermentação em inox. Passagem e estágio das uvas das melhores parcelas de Avesso em barricas de 400 litros de carvalho francês. Vinhas de encosta, na transição que é conhecida como Douro Verde, quando o rio corre veloz em direção à sua foz. Muita frescura, notas de vagens verdes e flores brancas e ao mesmo tempo impressões terrosas e de trufas. Longo e equilibrado em todos os momentos da prova. É um dos melhores vinhos Avesso da atualidade e promete longevidade em cave. De resto, beneficia com dois anos de guarda em cave.




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