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Ânfora, o regresso às origens do vinho

O Amphora Wine Day, na Herdade do Rocim, celebra a produção do vinho de talha. (Fotografia: Pedro Granadeiro/GI)

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Depois de dois anos sem poderem viajar devido à pandemia, Andrew e Annedria Beckman saíram do vale de Willamette, no estado do Oregon, EUA, para virem a Portugal mostrar os vinhos que lá produzem. O motivo foi a terceira edição do Amphora Wine Day, evento organizado pela Herdade do Rocim. Este festival, que se realizou dia 13 de novembro, contou com a presença de 30 produtores portugueses e estrangeiros, de países em que a técnica milenar de vinificar em recipientes de barro tem raízes até a este produtor do Novo Mundo.

Amphora Wine Day (Fotografia: Pedro Granadeiro/GI)

 

Nos últimos anos, esta que é a forma mais antiga de fazer vinho – teve origem no Cáucaso do Sul, hoje, Geórgia, Azerbaijão e Arménia, no VI milénio a.C – , quase se extinguiu no Alentejo, onde se produz ininterruptamente desde que os romanos trouxeram as vinhas e a técnica. Pedro Ribeiro, proprietário da Herdade do Rocim, tem contribuído para o renovado interesse. Além de organizar o festival, foi dos primeiros produtores a engarrafá-lo. “Temos uma adega com mais de 200 anos onde nunca se deixou de produzir”, conta o enólogo natural do Porto. Em 2011, engarrafou o seu primeiro vinho de talha. “Toda a gente dizia: o Pedro enlouqueceu”, lembra.

 

“Os vinhos de talha são um banho de humildade para um enólogo”, considera. “Queremos controlar tudo e ali não dá, não há controlo de temperatura, há excesso de oxigénio… é um desafio”. A tendência atual dos vinhos naturais “favoreceu este tipo de produção, porque tem pouca manipulação, além de ter tradição e história. E muitas vezes, o que a indústria precisa é de ‘story telling’, e nós aqui já a temos, não precisamos de a criar”, diz.

Para Andrew e Annedria, o casal que veio dos EUA apresentar os vinhos que produz na Beckham Estate Vineyard, a tradição não foi um fator, até porque estão a construir a sua própria história. “Vivíamos em Portland e mudámos para o campo, a 150 quilómetros da cidade, porque precisávamos de espaço para construir o ateliê de cerâmica”, conta Andrew. Foi o seu trabalho como artista e ceramista que o levou ao vale de Willamette, mas logo se desviou da ideia original. É que esta região, nos últimos anos, foi-se tornando apetecível para produtores de vinho, devido ao clima e à qualidade do solo.

Andrew Beckham – Beckham Estate Vineyard (Fotografia: Pedro

 

“Os nossos vizinhos tinham uma pequena vinha e aos sábados abriam a garagem para vender o vinho. Vimos a comunidade que ali se juntava e também quisemos fazer parte”, conta. Plantaram vinha em 2004 e em 2007 elaboraram o primeiro rótulo. A ideia de vinificar em barro só veio depois. “Annedria mostrou-me um artigo sobre a Elisabetta Foradori”, famosa produtora de vinhos de ânfora em Dolomitas, nos Alpes italianos. “Olhei para as fotografias e disse ‘eu consigo fazer isto’. Começou, então, a produzir as próprias ânforas, que que chamou Novum. Demorou cinco anos até chegar ao formato que queria e hoje já as vende a outros produtores. Andrew numera e data as ânforas: “é importante ter a data e a assinatura para que no futuro se saiba quem as fez, onde e quando. Nestes dias, visitámos uma adega que tinha uma talha de 1674”.

 

A adega a que se refere é a do Mestre Daniel, em Vila Alva, onde se produzem as referências da XXVI Talhas. “Até aos 15 anos, pensava que só se produzia em talha porque era o que eu via toda a gente fazer”, conta Daniel Parreira, que herdou a adega do avô, o tal mestre, assim chamado por ser carpinteiro. A adega esteve fechada 30 anos e, em 2018, Daniel, o seu amigo de infância e enólogo Ricardo Santos, o primo designer e a irmã, decidiram recuperar a produção. “O Ricardo, apesar de ser enólogo, não manda nada. Quem manda é o pai dele que ajudava o meu avô. É ele que nos ensina, que vai à adega mexer as talhas, verificar se está tudo bem”, diz. Aqui, procuram as castas que sempre foram utilizadas: Antão Vaz, roupeiro, diagalves, larião e manteúdo, nos brancos, e tinta grossa, trincadeira e aragonez nos tintos. No método de vinificação “não há controlo de temperatura, não adicionamos leveduras, é mesmo deixar acontecer”.

Aprender e recuperar

Grandes empresas alentejanas aperceberam-se da potencialidade deste tipo de produção, como é o caso da Herdade do Esporão. Sandra Alves, responsável pela enologia, conta que começaram em 2014 a procurar talhas perdidas em herdades. Aprenderam a recuperá-las e foram à descobertas das uvas mais interessantes. “Fizemos experiências com castas diferentes”. O primeiro branco, com rabo-de-ovelha e manteúdo, saiu em 2016. “Começámos a explorar as vinhas velhas centenárias da sub-região Granja-Amareleja. Estabelecemos contactos com pequenos viticultores para procurar as que nos interessavam”, conta. No tinto, ficou o moreto, no branco, o roupeiro. “São de vinhas de sequeiro [sem irrigação], da margem do rio Guadiana, em solos extremamente arenosos, com muito calhau rolado. Não são enxertadas, são em pé franco, o que lhes dá grandeza e complexidade”, diz.

 

Foi também com vinhas velhas que Márcio Lopes elaborou o Pequenos Rebentos Selvagem 2020. Este produtor da região dos Vinhos Verdes (e do Douro, onde tem os projetos Proibido e Permitido) explica que quando pensaram em elaborar este Selvagem, não tinham em mente o vinho de talha. “Começámos a usar o barro porque é mais poroso do que a madeira. E a casta azal que usamos para este vinho é muito redutiva, não tem exuberância de aromáticos, e a porosidade dá um extra de oxigénio ao vinho. Não é “uma questão de moda”, diz. Usa como método para potenciar certas castas. “O que tento fazer é esquecer o que aprendi na faculdade e ouvir mais o que dizem os antigos. Se as uvas forem boas, o meu trabalho é estragar o menos possível”, remata. O resto, deixa-se acontecer.

Márcio Lopes (Fotografia: Pedro Granadeiro/GI)

 

Vinho de ânfora (ou talha)
Fazer vinho utilizando recipientes de barro terá sido o primeiro método de vinificação. Conforme as tradições locais, pode variar um pouco, mas não muito. As uvas são maceradas e fermentadas dentro da ânfora com tudo: películas, grainhas e, normalmente, com o engaço. Com frequência é necessário mexer para baixar as massas (a parte sólida que se separa do líquido). Quando o vinho está pronto, a talha é aberta por baixo e o vinho passa por essa massa, saindo naturalmente filtrado.

 

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