Aveiro: Tudo o que há para conhecer na cidade dos canais

Há uma ria que enche canais e que entra pela cidade de Aveiro. E há a ria. Pura, selvagem, com ilhas e casas, aves e peixes, plantas comestíveis, barcos naufragados e marinhas submersas. Há um outro mundo para descobrir em passeios ao sabor das marés.

Um barco movido a energia solar, 100 por cento ecológico, com seis painéis solares e sete baterias, duplo casco e sete metros de comprimento, entra devagar num dos esteiros da ria. Esta não é ria que circula pelos canais de Aveiro e que anda por onde os homens ordenam. Esta é a ria. Autêntica e genuína. A ria que ninguém verga, que anda por onde quer e como quer, que enche e vaga conforme a maré.

Gabriel Jesus Conceição tem carta profissional e cédula marítima, carta de patrão de costa. É o «comandante» do barco movido pelo sol. Conhece a ria, fez o reconhecimento numa prancha de paddle com a maré vazia. «É um sítio único, mágico. Cada canto e recanto têm a sua essência», conta. Gabriel avisa os passageiros que estarão duas caravelas afundadas nas profundezas, navega até tocar nas margens para colher salicórnia selvagem e gramata branca com sabor a sal.

«Uma viagem nunca é igual à outra. A paisagem muda sempre, é a natureza pura e dura, é um mundo à parte»

A paisagem vai mudando, esteiro a esteiro. As aves andam nas suas vidas, nos seus voos: A ria, tranquila e profunda, formosa e segura, mostra-se tal como é: bela e misteriosa. Uma garça, com um traço vermelho ao longo do pescoço, dá o ar da sua graça. Gabriel chama a atenção para os ninhos em cima das árvores e para os buracos num muro de terra que são as casas das andorinhas das barreiras. A vegetação muda da água doce para a salgada, dos caniços para o junco.

«Uma viagem nunca é igual à outra. A paisagem muda sempre, é a natureza pura e dura, é um mundo à parte», diz Gabriel, que comanda o barco sem barulhos de motor, sem cheiro a gasóleo, e que conduz a sítios pouco explorados desta laguna, zona de proteção especial com quase 50 quilómetros de extensão e 11 de profundidade do mar para terra. Gaivinha é como se chama o barco que a empresa Sterna tem a navegar pela ria profunda, com champanhe a bordo e vários passeios e rotas à escolha. Sterna, a propósito, é um género de aves que se pode encontrar ali.

Bem fácil de localizar é José Rebelo, que faz passeios turísticos de moliceiro em ria aberta, fora dos canais da cidade, com partida e chegada no Cais do Bico, na Murtosa, embora a viagem possa ter início em Aveiro. É o homem de t-shirt e chapéu amarelos, usa «sempre» essa cor. E a sua embarcação destaca-se por ter bandeiras de diversos países, oferecidas por clientes, além de estar decorada com os tradicionais painéis, pintados à mão, com mensagens brejeiras e bem humoradas, como «no nosso tempo apanhávamos caralhoses [nome dado, ali, às navalhas]!». «O pintor é que bota as malandrices ali», diz, divertido, o também pescador. Quis foi que o barco tivesse a cor amarela, alegre como ele se há-de manter durante o percurso de horas – meio dia, um dia inteiro, o cliente escolhe.

Passeio no barco Gaivinha (Fotografia: Maria João Gala/GI)

José mostra a ria menos conhecida, proporcionando experiências diversas. Pode ser uma paragem numa ilha onde trabalham pescadores, para aprender que as navalhas saem das suas tocas, na areia, se se puser sal à entrada. Ou um almoço partilhado numa pequena casa coberta de azulejos de padrões diferentes, noutra ilha, Espaventa, de onde se avista múltiplas estacas. «Isto era um viveiro de peixe, eles estacavam para os pescadores não virem cá buscar peixe dentro – as redes furavam», esclarece o responsável pelo barco, antes de partir na direção de Aveiro.

Pelo caminho, vê-se antigos palheiros de marnotos tornados refúgios de fim de semana, diversos tipos de vegetação e aves, incluindo flamingos de um rosa bem vincado. «Um sonho» é o nome do moliceiro de José Rebelo, e é difícil não pensar que é isso mesmo, esta ria «um bocado escondida» que, dependendo dos dias, pode ganhar diferentes cores, ter a face ondulada ou lisa como um espelho.

Praia na cidade, massagens nas salinas

«Cale do Oiro era a zona mais nobre, mais rica da ria de Aveiro», a norte de Monte Farinha, conta Fernando Catarino, criador da marca homónima, associada a diversos serviços turísticos na região. A Cale do Oiro – Salinário resulta de um projeto de requalificação das marinhas Grã Caravela e Peijota, que visa aproveitar todos os seus recursos, «alavancar o salgado de Aveiro» e «descentralizar o turismo». Visitar a marinha, ter uma experiência de marnoto, tomar banhos de sal e lamas, fazer massagens e comprar produtos criados com matérias-primas dali (como sabonetes com sal e areia ou azeite salicórnia), tudo isso se pode fazer naquele espaço.

Entre as «massagens e tratamentos que ajudam a relaxar e revigorar o corpo com um apontamento salgado», segundo a técnica de SPA Teresa Estêvão, está uma massagem de assinatura: a «Ritual Salinas», em que se utiliza flor de sal e produtos Cale do Oiro, como a máscara de lama, dura uma hora e custa 45 euros. No fim, «a pessoa sente-se bem física e psicologicamente». Já os banhos salgados e enlameados decorrem no «flutuário», uma espécie de piscina com sal e lamas onde se flutua «sem esforço», procurada por pessoas com problemas de circulação sanguínea ou de pele (como psoríase), mas não só.

«A marinha é como uma mulher; se não a tratamos bem, ela amua»

Uma zona de lazer não ficaria completa sem uma esplanada e algo para trincar, e também ali funciona uma petisqueira aveirense, com pitéus que podem incluir bacalhau ou mexilhão, confecionados por João Pedro Carneiro. E, no meio de tudo isto, os marnotos não deixam de «rer» (puxar) o sal destinado às cozinhas.

José Luís decidiu investir. «Foi a evolução do turismo», explica. E a vontade de dar um novo fôlego a um cenário que conhece bem. Tem mais ideias para os três hectares de água com 1,3 metros de altura, mais salgada e quente do que o mar, com três tubos e comportas que renovam a água. Vai colocar barcos de recreio e construir um observatório de aves. «É um paraíso dentro da cidade», comenta. Na marinha, Alberto Chipelo anda descalço e vai quebrar o sal, ou seja, conduzir o sal das laterais para o meio e depois para trás. São anos nesta vida. «É como uma colheita». E garante: «A marinha é como uma mulher; se não a tratamos bem, ela amua».

Marinha da Noeirinha (Fotografia: Maria João Gala/GI)

As marinhas têm vindo a desaparecer, mas algumas estão a ser revitalizadas, aquele não é caso único: José Luís Soares transformou uma marinha abandonada numa praia encostada à cidade com espreguiçadeiras e guarda-sóis, construiu um edifício moderno em forma de três triângulos, que se assemelham propositadamente a montes de sal, onde instalou uma loja onde se vende sal, flor de sal e salicórnia a granel, entre outros produtos, e um pequeno museu com algumas das alfaias envolvidas na produção de sal – ógalho do sal, ógalho da lama, travessas, varaxas. A recuperação foi em toda a linha e a Marinha da Noeirinha tem ainda banhos salgados e visitas guiadas com homens que tiram e explicam a faina do sal.

Junto à ria, por onde a água sobe e desce, mostrando lamas e algas, barcos que não parecem ter dono e densa vegetação, está um passadiço com vista para o cenário lagunar. Num só dia, várias paisagens, consoante o que as marés querem ou não mostrar. Os trilhos de madeira e de terra batida, para fazer a pé ou de bicicleta, que agora têm início no Cais da Ribeira de Esgueira, em Aveiro, e no futuro deverão estender-se até Estarreja, são uma espécie de braço da ria, um ponto privilegiado para observar encantos e mistérios de um pedaço de água com muitas histórias por desvendar.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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