Joseph vai ao telefone e mostra a fotografia do almoço que tiveram no restaurante Sardinha, no número 18 da Rua do Jardim do Tabaco. «Também comemos outro prato muito bom. Bit… bito…», tenta concluir. Para alguém que veio a Lisboa fazer um guia com uma forte componente estética, seria de esperar que tivessem optado por um prato mais contemporâneo, ao invés do cozido à portuguesa ou do simples bitoque, mas não é propriamente isso que eles procuram. Também, mas não só. «Não sentimos necessidade de escolher entre o lado típico ou o lado cosmopolita. É possível encontrar personagens e lugares autênticos em qualquer um destes universos», afirma.
Foi dele a ideia de criar os guias 38Hours – em março (de 2016) mudaram de nome para Lost iN. Canadiano, especializado em novas tecnologias, viveu em várias cidades europeias até que decidiu rumar a Berlim para fazer um projeto. Não sabia ao certo o quê, apenas que seria em papel. «As pessoas passam o dia ao computador. Viajar implica fugir à rotina, desligar, e só o papel consegue fazê-lo na perfeição.» Uwe Husenfuss e Marleen Franke, ambos alemães – Uwe é jornalista e Marleen trata do marketing – abanam a cabeça, em sinal de concordância. São o núcleo duro da equipa.
Com gente criativa
Em tempos de crise e perante a mil vezes anunciada morte do papel, não deixa de causar algum espanto a rapidez com que estes roteiros têm vindo a ser recebidos internacionalmente. Começaram por casa, Berlim, mas em cerca de 15 meses lançaram já uma dezena de destinos (Paris, Amesterdão, Londres, Viena, Milão, Barcelona, Nova Iorque, Frankfurt, Estocolmo), e durante o ano de 2016 serão editados mais dez, entre eles Los Angeles, Ibiza e Lisboa.
Qual é o segredo do sucesso, afinal? «É um guia feito por pessoas e para as pessoas», garante Marleen. A frase pode parecer cliché, mas as cerca de setenta páginas estão aí para mostrar que nem toda a conversa é marketing. O processo é sempre o mesmo e passa por entrevistar uma série de personalidades da terra. Não gente famosa, mas sobretudo pessoas ligadas à área criativa, artistas, jornalistas, DJ, gente que vive e conhece a cidade por dentro. «Não contamos a nossa experiência enquanto visitantes, apenas reproduzimos aquilo que os habitantes nos contam. Ninguém conhece melhor do que vocês. É fundamental saber ouvir.»
É isso que fazem no número 1 da Avenida Duque de Loulé, no Apartamento, entidade responsável pela sua vinda a Lisboa. Yen Sung, DJ da discoteca Lux, Tiago Pais, autor do livro As 50 Melhores Tascas de Lisboa, ou o galerista João Barbado são algumas das pessoas presentes no cocktail de boas-vindas e três dos lisboetas que darão a cara pela cidade.
Os alemães perguntam e ouvem mais do que falam, mas não têm receio de opinar quando o tema é a relação com o turismo. Poderá a mais recente galinha dos ovos de ouro transformar-se num problema? «A cidade está em movimento, isso nota-se e é entusiasmante, convém é que seja na direção certa. Uma cidade feita exclusivamente a pensar nos turistas não é bom nem para os habitantes nem para os próprios turistas», diz Uwe, ele que está em Lisboa pela sétima vez e tem acompanhado esta evolução. Dá o exemplo de Barcelona e da sua Berlim natal, onde em muitos bares e restaurantes se dirigem aos clientes em inglês.
O melhor de dois mundos
O segredo, no turismo como na vida, está na difícil arte de encontrar o meio termo. «O mundo evolui, não podemos construir uma parede à volta da cidade, mas é preciso manter a essência.» A expressão é usada várias vezes ao longo da conversa. «E em Lisboa ainda é possível encontrar o melhor dos dois mundos, o lado cosmopolita, mas também um estilo de vida muito caraterístico, que não pode ser replicado em lado nenhum. A arquitetura, o rio, a comida, as tas… tascas», conclui, num português quase correto.
É precisamente à mesa que continuamos a conversa, já no dia seguinte, no restaurante Das Flores – na rua com o mesmo nome, entre a Praça Luís de Camões e o Cais do Sodré. «É incrível como aqui ainda é possível encontrar uma série de locais que nos remetem para os sabores do campo e para a cozinha da mãe. Isso em Berlim é impossível», diz Marleen, assim que os pastéis de bacalhau com arroz de feijão, coelho estufado, alheira com ovo e grelos, linguado grelhado e pargo no forno chegam à mesa. Ela que não teve pudor em pedir um copo de aguardente, para experimentar uma das bebidas nacionais e limpar o estômago, depois de uma noite de muita comida. «Fomos ao restaurante de Sergi Arola, no Penha Longa Resort», justifica-se. «Também estava ótimo.» Nunca é de mais ter alguém de fora a relembrar-nos como se preserva a essência e se mantém o equilíbrio.
Uum guia diferente
Publicados em inglês e vendidos em lojas e livrarias um pouco por todo o mundo (custam 10 euros), os guias ‘Lost iN’ estão longe de ser um guia convencional. Aproximam-se muito de uma revista. Mais do que compilar informações e dicas sobre a cidade, mostram-na através dos olhos dos seus habitantes. Há sempre várias entrevistas, uma produção fotográfica – neste caso de Pauliana Valente Pimentel, ela que em 2015 venceu o prémio de melhor projeto fotográfico da Sociedade Portuguesa de Autores – e um texto de ficção. O nome do escritor (português) desta edição permanece ainda em segredo. Têm também uma app, disponível por 3,99 euros. Mas o encanto está, sem dúvida, no papel.
O espaço
O que é o Apartamento?
Situado no número 1 da Avenida Duque de Loulé, em Lisboa, é um apartamento onde são organizados vários tipos de eventos, quase sempre com uma vertente urbana e contemporânea. De exposições de arte ao lançamento de livros, de workshops a lojas temporárias, há de tudo um pouco. Trimestralmente convidam uma revista internacional para apresentar um novo número em Lisboa. Nem todos os dias há eventos, mas há um período do dia em que as portas estão abertas (das 15h00 às 18h00) para quem quiser conhecer o espaço, comprar uma revista ou apresentar um projeto.