Torres Vedras: há vida no Carnaval (e para além dele)

Cidade pacata, durante cinco dias Torres Vedras veste-se de matrafona para celebrar o autodenominado Carnaval mais português de Portugal. Eis um roteiro para sobreviver à farra. Ou para qualquer altura do ano.

Cup. Com três letrinhas apenas se escreve o nome da bebida oficial do Carnaval de Torres. Já os ingredientes são bem mais: «Ananás, vinho branco, vinho do porto, água mineral, sais minerais e outras coisas mais», diz Maria Alice com um sorriso desafiador. É, juntamente com o marido, Joaquim Manuel da Silva – «pode colocar Joaquim da Caravela, que é assim que toda gente me conhece», – a cara e o coração desta mercearia, a Gelados Caravela. Fica no centro da cidade, na Avenida 5 de Outubro. É aqui que os foliões e as matrafonas – a imagem oficial do carnaval local, homens que se mascaram de mulheres – vêm parar durante os cinco dias de festa (de sexta a terça), para beber um, dois, três, quatro, mil copos de cup. «Durante estes dias não posso deixar entrar ninguém, senão com a euforia partem-me isto tudo. Ponho uma barraquinha lá fora, à entrada», continua Maria Alice.

A receita vem desde os tempos da antiga Feira Popular de Lisboa. Tudo aqui tem história. Uma daquelas lojas que se diz que já não existem, se bem que em Torres Vedras ainda sobrevivam algumas. Maria Alice mostra com orgulho os azeites, enchidos, frutos secos, chocolates, conservas, «tudo de qualidade. Tenho pessoas que vêm de muito longe pois sabem que nunca falhamos.» Já o marido aponta para a garrafeira de vinho do porto. Que ninguém se deixe enganar pelo pó, pois escondem-se ali autênticas pérolas, vintages e colheitas desde 1900. Este não é, contudo, o único tesouro. Tudo começou com os gelados, em 1957, daí o nome. «O meu padrinho aprendeu a fazer gelados com os italianos, em Lisboa.» Continuam a fazê-los, naturais, claro está, com leite, ovos, açúcar e frutos, disponíveis entre março e outubro, que o tempo agora pede cups.

(Fotografias: Reinaldo Rodrigues/GI)

Apenas um dos bons exemplos de como a cidade continua a conservar algumas das suas lojas históricas, ainda que também por aqui os moradores se queixem da morte lenta do comércio tradicional. A centenária Casa Esteveira, especializada em produtos agrícolas, bricolage e campismo, a Lourilãs, a vender lãs e produtos de retrosaria desde 1979, a Casa Moreira, fundada em 1953, ou a Pastelaria Havaneza, com 118 anos, são mais algumas delas. Mas chega de lojas, até porque ninguém vai comprar uma tenda de campismo ou um novelo de lã no carnaval, pois não?

A imagem da cidade vai muito para além das lojas antigas. E do carnaval. Uma cidade de província, tradicional, pacata (pelo menos durante 360 dias do ano), com um centro histórico meio adormecido que tem, ainda assim, uma série de boas moradas de alma contemporânea. Sobretudo em termos gastronómicos – e com tantos cups ao longo destes dias é fundamental não descurar a alimentação. Locais como o Tawa Sushi. Sim, um restaurante japonês em Torres, afinal está a dois passos do Mercado Municipal, de onde chega diariamente peixe fresco das lotas de Peniche e Ericeira, a cerca de meia hora de distância. Foi precisamente esta proximidade ao mar e a falta de restaurantes semelhantes que levou Márcia Pereira e o marido a arriscar.

Um risco calculado, até porque os dois sócios eram responsáveis pelo também nipónico Uni, na Ericeira. «Não escondo que tínhamos receio de que não houvesse clientes suficientes, até porque os apaixonados por sushi, como nós, podiam sempre optar por ir à Ericeira ou Lisboa, que é tão perto», confessa. Já lã vão três anos e a aposta foi ganha. «Temos clientes que fazem disto a sua cantina. Conquistámos muita gente, mesmo os mais desconfiados.» Sushi tradicional, com peixe fresco e uma carta em constante evolução. «Agora vamos ter mais variedade e peixe branco, lírio e pargo mulato», acrescenta Márcia. E também karaage – frango crocante. O que dificilmente sairá da carta é o gunkan Carnaval, seis enrolados de peixe, entre eles salmão, atum e peixe branco.

Cup é a bebida tradicional na Casa Caravela e a oficial do Carnaval de Torres.
(Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

Ainda no centro, pode referir-se a Taverna 22, de Bruno Vaza – antigo jogador do Torreense e do Braga, na década de 1990 e filho dos proprietários do Pateo do Faustino, um dos restaurantes tradicionais mais conhecidos na cidade – o Midi, o Patanisca ou a cervejaria O Gordo, para marisco, um prego ao balcão ou o universal e democrático frango no churrasco – com maionese caseira, um dos segredos da casa. E ainda o El Manadas, decorado com motivos tauromáquicos, onde se pode comer uma bem típica feijoada à transmontana, cozido à portuguesa ou carnes bravas, com destaque para o touro. Todos no centro da cidade, nas ruas por onde passa o corso do carnaval.

Mas nem tudo fica no centro. Quem, pelo menos por estes dias, quiser fugir à confusão pode sempre ir em direção ao Parque da Várzea, a zona verde, a poucos minutos a pé, ao encontro do Roots. Raízes, em português. Um nome que não foi escolhido ao acaso. «Tentamos ter uma política de proximidade, comprar num raio de 20 quilómetros, promover os produtos da terra», explica Bruno Barbosa. «Até a água: fui dos primeiros a usar apenas água do Vimeiro, aqui do concelho. Agora toda a gente conhece, mas há uns anos havia alguma relutância.» Um espaço cosmopolita, cheio de personalidade – o traço é da arquiteta Patrícia Mateus, também de Torres – com vários espaços independentes: restaurante, wine-bar e cafetaria. «Muita da madeira foi aproveitada do anterior bar, os candeeiros foram feitos a partir de postes de eletricidade públicos», diz Bruno. «Foi uma grande mudança. No início algumas pessoas não reagiram bem, estavam habituadas ao antigo espaço, uns diziam que era muito elitista, mas depois acabaram por reconhecer a qualidade. Vale a pena tentar fazer diferente», conclui. A comida? Está à altura da proposta. Sopa de pera-rocha criada pelos próprios, bife de atum com batata-doce, bife t-bone grelhado, bacalhau à Zé do pipo ou vitela à lagareiro. Têm, inclusive, um forno a lenha.

Diferente é também o que se tenta fazer na Casa do Riu, à entrada (ou saída) da cidade, numa zona teoricamente menos glamorosa. Casa de petiscos, de tapas, de concertos – a agenda musical é gerida pelo baterista dos Amor Electro – e uma zona exterior com vista para o castelo perfeita para ir em família. Muito, numa cidade longe dos roteiros turísticos e onde muita gente julga haver tão pouco ou nada para celebrar. A não ser o Carnaval.

 

O restaurante El Manadas é um clássico em Torres Vedras, uma instituição local.
(Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Pastel de feijão
Terra que é terra tem um doce típico. Em Torres Vedras é o pastel de feijão. Raro é o café, a pastelaria, a mercearia onde não se pode comprá-lo. No topo da lista está a Fábrica Corôa, a trabalhar desde 1940 (na atual localização desde 1975), na Praça 25 de Abril, no centro da cidade. Fazem uma média de cem dúzias por dia, mas nas festas dobra. E o que têm os pastéis de Torres de diferente? «O sabor e a textura, sente-se mais amêndoa, a capa exterior é mais fina», conta Nuno Correia, proprietário. Levam açúcar, gema de ovo, feijão branco e amêndoa. Tudo artesanal. E muito calórico? «Isso não interessa nada», responde uma as trabalhadoras, com a mão na massa. Cada pastel custa 80 cêntimos, uma caixa de seis fica por 4,50 euros.

 

Rota Histórica das Linhas de Torres
Falar em Torres Vedras é (também) falar em na Rota Histórica das Linhas Torres. O que é ao certo? No início do século XIX, Portugal estava na iminência de ser invadido mais uma vez pelas forças de Napoleão. Arthur Wellesley, 1º Duque de Wellington e comandante do exército anglo-português, traçou um plano que impedia a entrada do exército e que, em caso de derrota, providenciava uma retirada segura às tropas britânicas. A estratégia passou pela construção de uma série de fortificações na periferia de Lisboa, que ficariam conhecidas como as Linhas de Torres. 152 fortificações – entre fortes, estradas militares e barreiras naturais –, estando o posto mais avançado na cidade de Torres Vedras. Uma rota que, além de Torres, engloba os municípios de Arruda dos Vinhos, Loures, Mafra, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira. Entre elas está o forte de São Vicente de Torres, que tem um centro de interpretação desde 2017.

 

Aqui também há história. E cultura
Torres Vedras não tem um centro histórico Património da Humanidade, ou grande tradição cultural, mas isso não significa falta de história ou de cultura. Bem pelo contrário. O Castelo de Torres, bem no topo da cidade (tem um centro de interpretação no interior), o recém-inaugurado Centro de Interpretação da Presença Judaica, a poucos metros de distância, também na zona antiga, ou a Fábrica das Histórias – Casa Jaime Umbelino são alguns dos bons exemplos. E o próprio Teatro-Cine de Torres Vedras, com uma agenda de fazer inveja a cidades maiores.

 

Stay Torres Vedras

Central mais central não há. Fica na Praça 25 de Abril, onde antes se situava o hotel Império, e é uma excelente opção para quem ficar alojado no coração da cidade. Uma cadeia com hotéis em Faro, Guimarães, Porto, Évora, Coimbra e Lisboa, que aqui replica o conceito da marca. Um quatro estrelas com decoração simples, serviço eficaz e sem grandes salamaleques ou serviços dispensáveis, a bem do preço. Surpreendente é a vista de alguns quartos, terraços privativos com via aberta para o castelo. Quartos espaçosos e confortáveis quanto baste, com chá, café e internet grátis à disposição. Tem bar-restaurante aberto a toda a cidade, ideal para refeições leves. Especial referência para a possibilidade de alugar bicicletas.

 

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