As casas sintrenses que estão a recuperar o vinho de Colares

Um dos mais esquecidos patrimónios de Sintra está a recuperar fôlego. Falamos do seu vinho, o de Colares, que quase meio século depois volta a estar na moda. O que se segue é um périplo pelas casas obrigatórias para conhecer o passado e confirmar o seu futuro.

Bem no coração da vila, a Adega de Colares é o local mais propício para iniciar a descoberta. Fundada em 1931, e classificada como a cooperativa mais antiga de Portugal, trata-se da maior produtora de toda a região, concentrando em si parte significativa da vinificação. Embora infelizmente não seja possível acompanhar o processo – como já acontece noutras regiões -, ainda assim merece visita o edifício principal, uma enorme nave com cerca de 120 metros de comprimento, setenta tonéis de madeira e um total de setecentos mil litros de capacidade.

Esta notável construção, assim como o edifício do outro lado da estrada, as Caves Visconde de Salreu (por ora desativadas), mas também a Adega Viúva Gomes, representam todas elas um sinal da prosperidade dos anos de 1950, época onde se produziam dois milhões de litros por ano por oposição aos 20 000 atuais. Francisco Figueiredo, enólogo da Cooperativa e nosso anfitrião, explica durante a visita que o contraste pode ser explicado pela expansão urbana no final do século passado e consequente perda de território vinícola, mas também o facto de a especificidade dos vinhos de Colares só agora estar a ser devidamente compreendida.

Um recente artigo no New York Times inteiramente dedicado a Colares prova o seu comentário. Para além de uma resenha histórica do vinho, fala de “uma das mais singulares regiões de vinho do mundo, provavelmente o vinho mais distinto em Portugal”. Um artigo que, apenas por si só, e de acordo com os alguns produtores, fez chegar às adegas maior pedido de informações de exportações.

Solo de areia e castas raras

Depois de uma época sombria, o mercado e o consumidor de vinhos são hoje mais conhecedores, procurando vinhos raros, únicos e com carácter, que possam oferecer uma experiência única. Ora, os vinhos de Colares, e especialmente os DOC, dadas as suas especificidades, assentam que nem uma luva nesta descrição, bem à vista aliás, quando acompanhamos Francisco na visita às vinhas antigas em Fontanelas e nas Azenhas do Mar.

A visita oferece uma viagem a séculos de história, diríamos que fundamental para se poder compreender o vinho de Colares. O solo de areia que ressalta imediatamente à vista é uma das suas grandes particularidades. Foi, aliás, essa a razão que permitiu a todos estes vinhedos se manterem ativos enquanto a Europa sucumbia à filoxera, doença que dizimou toda a paisagem vinícola neste velho continente. Há depois as plantas em si, espécie de arbustos praticamente deitados sobre o solo, característica das castas Ramisco (para os tintos) e Malvasia (para os brancos), raras no mundo mas dominantes na região e obrigatórias para a certificação DOC.

A paisagem compõe-se de outros pequenos elementos de grande valor patrimonial, indispensáveis para o sucesso de uma vinha saudável. Os abrigos de cana que resguardam as vinhas da Nortada representam uma técnica ancestral e única no mundo do vinho. O mesmo acontece no que diz respeito aos pontões, peças também de cana utilizadas para elevar as videiras e impedir que a uva toque no solo. E o que dizer das macieiras que intervalam as plantações e que representam uma outra tradição da região? Trata-se, concretamente, da maçã reineta de Colares, tão famosa quanto desconhecida que, pelo facto de se encontrar igualmente plantada em chão de areia apresenta a mesma acidez do vinho.

Toda esta história encontra-se hoje resumida a apenas dezoito hectares, uma ínfima parte dos mil que foram no passado. A situação merece obviamente espanto e preocupação, até porque não se espera que o preço dos solos diminua. Mas há razão para se alimentar alguma expectativa. «A Cooperativa acompanha a plantação de novas vinhas em solo de areia, seis a sete hectares no total, um projeto que se iniciou há cerca de dois anos. Depois de décadas, esta é a primeira vez que isto acontece», diz Francisco Figueiredo.

A Adega Viúva Gomes, outro produtor, tem em mãos algo muito semelhante. Em março próximo inicia a plantação de dois novos hectares – meio hectare em chão de areia com castas ramisco e malvasia, os restantes em chão rijo, o outro tipo de vinho da região, certificado como Vinho Regional de Lisboa. «Pela primeira vez na nossa história poderemos vinificar na nossa adega», refere João Baeta, um dos atuais proprietários, deixando antever que será um momento histórico para toda a equipa.

É ele que nos apresenta o bonito edifício no coração de Almoçageme, com fachada coberta de azulejos e, nela, uma inscrição de 1808 para reavivar a memória. «O nosso enoturismo funciona há cerca de dez anos. Durante as visitas percorremos a história da Adega que se mistura com a do vinho de Colares. E damos a provar os nossos vinhos DOC Colares e Vinhos de Lisboa, uma boa forma de perceber as suas diferenças», salienta. As vinhas situam-se a quilómetros das adegas, facto que pode limitar a experiência caso não se tenha viatura própria. E se tal não constitui problema para as já mencionadas – porque localizam-se no centro das vilas e de fácil acesso, mais difícil será bater à porta da Chitas/Beira-Mar, situada na estrada que liga a Praia da Maças às Azenhas do Mar.

A discrição da adega contrasta com os 120 anos de existência, personificada pelo seu proprietário Paulo Silva, neto do fundador da empresa. A habilidade de contar histórias com os setenta anos de trabalho – tem 93 anos – transforma o encontro num enorme prazer, mas este acontece sem marcação. «A equipa é reduzida para todo o volume de trabalho. Não há visitas guiadas, não há provas, vamos acolhendo as pessoas consoante a época. Nas vindimas por exemplo, é completamente impossível», refere.

De qualquer forma, e até porque o ambiente da empresa é familiar, é certo que a porta está sempre aberta, até porque é possível comprar vinho diretamente – qualidade que se estende a todas as restantes adegas. Vale a pena entrar para ver a primeira sala de tonéis onde se encontram 50 mil litros de vinho e espreitar para a sala seguinte onde se situam os antigos depósitos de cimento. Não será o mesmo que visitar o museu que Paulo Silva inaugurará dentro em breve, mas fica a certeza que o espírito de antiguidade será praticamente o mesmo.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

 

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