Descobrir o Algarve escondido entre refúgios no barlavento

Em Lagoa, cabe a história da gente do mar e dos que por ela se deixam encantar, vindos de fora. Paisagem de sobra, praias para turistas e segredos ainda protegidos pela terra. Vinho com abundância, resorts e comida de luxo. E, claro, sempre de fundo o mesmo mar, que nos faz ir e voltar.


Ferragudo: Entre o Arade e o Atlântico

«Hoje não temos peixe, não foi um bom dia para os pescadores». Manuel Mendes lamenta, mas a mudança de planos para o dia, na produção das conservas da Saboreal, só reforça o mote da empresa: aqui só se trata peixe fresco. Por isso, é dia de colocar rótulos à mão, aliás como tudo o que se faz nesta pequena fábrica na zona industrial do Pateiro, a 10 minutos de carro de Ferragudo.

Desde há dois anos que as semanas do antigo farmacêutico, natural da vila, respeitam a mesma cadência. Primeiro, prepara-se os legumes da região, antes de o peixe chegar. Corta-se a batata do Algarve, pica-se os coentros, tritura-se as azeitonas, as amêndoas e junta-se sal de Castro Marim. Depois, chega a “fruta” do mar. A sardinha, o atum, o carapau e a cavala são selecionados ainda dentro do barco, pois quem o navega é André Teixeira, armador de pesca, e o segundo sócio da Saboreal.

Vincent Jonckheere é o terceiro e o mentor da ideia. Recorda a indústria conserveira, que em tempos brindou a bacia do Arade com 23 fábricas. «Hoje não sei se existe esse número em Portugal inteiro», explica em português o belga, que dava aulas de gestão hoteleira no seu país. Chegou pela primeira vez a Ferragudo com seis anos, ainda a vila «não tinha sido apanhada pelo turismo». Voltou por muitos verões e regressou definitivamente no inverno de 2014, para dar forma às petiscadas que lhe passavam pela cabeça.

Petiscadas porque o peixe conservado é embalado em boiões de vidro, acompanhado de legumes e especiarias. É em mercearias finas que se encontram à venda e podem ser servidas com tostas, pão ou utilizadas para dar sabor à massa. «É um produto de nicho», conclui Manuel, na despedida, enquanto Vincent assegura a qualidade da próxima paragem deste roteiro: a Portugal Gourmet Food. «Já provei os cogumelos deles, é um bom produto».

Ele, italiano, ela, húngara, conheceram-se em Itália e têm «andado pelo mundo», desde então. Chegaram a Portugal há três anos e com dois italianos e uma portuguesa têm cultivado cogumelos do cardo

O carro faz então meia volta e regressa ao centro de Ferragudo, a vila piscatória banhada pelo calmo Arade, com Portimão do outro lado da margem e os barcos dos pescadores a dar cor ao casario branco. Atravessando a pequena ponte, chega-se ao Take Eat, onde Luca Erminio e Tünde Tolnai preparam diariamente pratos vegetarianos. Ele, italiano, ela, húngara, conheceram-se em Itália e têm «andado pelo mundo», desde então. Chegaram a Portugal há três anos e com dois italianos e uma portuguesa têm cultivado cogumelos do cardo (Pleurotus eryngii) num terreno de Ferragudo. Cada quilo chega a custar 10 euros e duas semanas bastam para poderem colher a próxima parcela, depois vendida e distribuída a partir do restaurante ou do site. «A produção é melhor no inverno, já que os cogumelos precisam de estar entre os 12.º e os 22.º graus para se desenvolverem», explica em inglês Tünde. «Crescem em florestas, por toda a Europa», prossegue Luca, enquanto observa as miniaturas brancas que já surgem da terra. Dali a alguns dias, alguns fungos terão já as dimensões de um volante de automóvel. Será tempo de recomeçar o ciclo.

Tünde Tolnai e Luca Erminio fazem plantação de Cogumelos do Cardo pela Gourmet Food.


Carvoeiro: Vinho em terra de pescadores

A tranquilidade do Arade fica para trás, mas a história de Ferragudo pode ser contada lado a lado com a do Carvoeiro. Nuno Baselli cresceu entre os pescadores da sua terra e ainda recorda os tempos em que estes se faziam ao mar durante a tarde, nos seus barcos de madeira, para cumprir o desejo dos turistas: ver as grutas.

Os passeios continuam a repetir-se ainda, em embarcações mais modernas. A Carvoeiro Caves, que gere com a mulher, Teresa Baselli, é uma das empresas que põe todos os dias três barcos na água. «Salvo se houver sueste, o vento que dizem vir do norte de África. O mar fica agitado e sente-se um calor descomunal», conta Teresa.

É da praia do Carvoeiro que partem os barcos, parando em algares e passando pelos rochedos do barlavento algarvio (oeste) e por praias até à gruta de Benagil, onde a afluência é tanta que as embarcações esperam para se aproximar. Há quem arrisque algumas braçadas a partir da praia, ali ao lado, mas alguns incidentes levam a capitania a desencorajar, cada vez mais, os nadadores.

De regresso ao ponto de partida, ainda se avista o farol de Alfanzina, a funcionar desde os anos 1920, e já a chegar à praia do Carvoeiro, o novo passadiço de madeira sobre o Algar Seco.

Para desembarcar na gruta, só de caiaque ou prancha. Já os barcos ficam na água, de onde também é possível compreender a dimensão do algar, que encantou a revista britânica AnOther. Com o pequeno areal ao fundo, distingue-se pela clarabóia natural que convida a luz a entrar e pelos dois grandes acessos rochosos.

De regresso ao ponto de partida, ainda se avista o farol de Alfanzina, a funcionar desde os anos 1920, e já a chegar à praia do Carvoeiro, o novo passadiço de madeira sobre o Algar Seco. O acesso faz-se pela estrada ou subindo a escadaria do areal até à Ermida de Nossa Senhora da Encarnação. À frente, estão mais de 500 metros de madeira, que serpenteiam por cima do rochedo do Algar seco e da falésia, oferecendo vistas sem fim do Atlântico.

A meio do passadiço, inaugurado há um par de anos, há uma escada de madeira que termina
para dar lugar a uma outra escadaria escavada na rocha. Descendo, encontra-se um óasis em formato labiríntico, desenhado pela força do vento e do mar. É preciso sapatilhas para não escorregar, mas em baixo encontram-se pequenos lagos naturais, reentrâncias, mais degraus para subir e para descer, terra avermelhada para ver, e o azul do Atlântico a ser constantemente rasgado pelas embarcações, a caminho das grutas.

Porque o mar abre o apetite, a próxima paragem serve para reconfortar o estômago. Basta uma curta caminhada até à Estrada do Farol para anchovas marinadas e uma recriação de uma conserva de petinga darem as boas-vindas à mesa do Terroir Wine Shop & Kitchen. O interior está forrado a paletes de madeira, uma das paredes exibe uma imagem de uma vinha e a oposta, uma garrafeira com 300 referências de vinho. A equipa está preparada para sugerir rapidamente um bom vinho, mas é uma sorte encontrar por lá João Marques, um dos dois sócios.

O interior do Terroir Wine Shop & Kitchen é forrado a paletes de madeira.

Natural de Aveiro, fez desde cedo o caminho para sul, ao estudar turismo na Universidade do Algarve. Dali comprou bilhete de ida para Brighton, Inglaterra, para trabalhar no Grand Hotel, onde Margaret Thatcher sofreu uma tentativa de assassinato por parte do IRA, em 1984. Pouco percebia de vinhos, confessa, mas a necessidade fez o hábito. Formou-se no Court of Master Sommelier e tornou-se escanção de Gordon Ramsay por dois anos, em Londres. Mas o calor do Algarve levou a melhor e João acabaria por regressar para abrir uma empresa de distribuição de vinhos e uma petiscaria, com Rafael Carlsen.

O projeto evoluiu para o Terroir, onde a cozinha é irrepreensível e as garrafas podem ser consumidas a preço de garrafeira, acrescendo a taxa de rolha (10 euros). Há também vinho a copo (sempre Riedel), de todas as regiões do país e sempre de pequenos produtores, a acompanhar os pratos, pensados para partilhar. O camarão tigre com arroz de pinhão está entre as novas sugestões e as lulinhas fritas com arroz thai e o picapau de bife com as grossas batatas rústicas são já preferidos dos que regressam para repetir a dose.

«Tudo o que conseguimos fazer por nós, fazemos», explica o proprietário.

Parte da fama deve-se também a Hélder Fernando, cozinheiro angolano a viver em Portugal desde os 16 anos. Os molhos são feitos por ele, a conserva de petinga também, e a constante vontade de inovar garante-lhe elogios de João Marques. «Tudo o que conseguimos fazer por nós, fazemos», explica o proprietário.

E isso inclui o Dialog, o vinho do Terroir, produzido a partir das castas da Quinta dos Vales, localizada em Estômbar, a 8 quilómetros dali. A propriedade pertence desde 2006 ao alemão Karl Heinz Stock que, depois de anos no mercado imobiliário, decidiu juntar os vinhos ao seu passatempo de eleição: a escultura. E o registo está presente por todos os 44 hectares da quinta, dos quais metade são vinha. Há figuras de animais, mas também esculturas femininas volumosas e coloridas, que podem ser apreciadas numa visita ao terreno.

Se é necessária reserva prévia para uma prova comentada na adega dos vinhos Marquês dos Vales, basta aparecer espontaneamente para fazer uma solo winetasting (5 euros), em que um passo-a-passo guia o cliente numa prova de quatro vinhos. A mais recente novidade, diz Michael, filho de Karl Stock, é o Bottle Blending, um workshop em que os participantes aprendem a arte de juntar diferentes variedades vínicas. Mais uma vez, arte e vinho, de mãos dadas.

O Vila Vita Parc Resort tem 173 apartamentos de luxo e um restaurante de fine dining.


Porches: Oásis à beira-mar

Os portões de ferro da entrada são despretensiosos e não deixam antever muito. Mas depressa se percebe que resort é uma palavra demasiado simples para descrever o Vila Vita Park. Os números são imponentes e o que existe dentro de muros ainda mais. Vinte e três hectares com 10 restaurantes; 173 alojamentos de autêntico luxo, alguns com o seu próprio rooftop, outros com jardim privativo; uma garrafeira que ocupa uma cave com raridades, uma praia com acesso direto e um iate, pronto a navegar. Se há paraísos, este é um deles.

A história também impressiona. O que começou por ser o destino de férias dos trabalhadores de uma seguradora alemã evoluiu para o resort da família Pohl. E é desde a sua génese que se mantém como hotel familiar, com zonas mais ou menos apropriadas para crianças. Motivo pelo qual apenas se avistam adultos no saudável pequeno-almoço do restaurante Atlântico, dentro do edifício do Club House, tal como na piscina infinity pool, em frente, indicada a partir dos 12 anos de idade.

É também dentro da cúpula do Club House que abriu, há cinco meses, o último restaurante do hotel: o Mizu, onde a cozinha japonesa é elevada para encontrar o finedining. Há letras japonesas a pender de candeeiros e bonsais como centros de mesa. Ao leme está Isa Pires, discípula de Hans Neuner no Ocean (o duas estrelas Michelin do Vila Vita), por seis anos, e uma ávida curiosa da cozinha asiática. Fala com modéstia das técnicas usadas, dos produtos preciosos que tem ao dispôr como o bacalhau preto do Alasca e o tradicional grelhador japonês, a robata, alimentado a carvão branco (binchotan). Uma variedade mais saudável que confere menos fumo às carnes e ao peixe.

Ao lado de Isa está o filipino Alan, que domina a grelha sob o olhar atento de quem se senta ao balcão e o sushiman António Muniz, que desceu até ao Algarve depois de lançar O Japonês, no Four Seasons Ritz de Lisboa. Passa pela mesa para deixar os crocantes makis de age watari gani e não poupa elogios ao Mizu. «Temos acesso a produtos incríveis», confessa. Tal como a carta com 25 sakes premium, com e sem álcool, mais ou menos doces, dominados pelo sommelier Filipe Rocha, que também não se nega ao desafio de um pairing com vinhos.

Deixando a cozinha asiática, mas mantendo o perfil dos jantares requintados, também se encontra ali por perto o B&G, no Vilalara Thalassa Resort. O restaurante começou o novo ano a cumprir resoluções: novo chef e nova carta. Já o espaço mantém-se e não é difícil perceber porquê. Fica em cima da Praia da Cova Redonda e de uma das piscinas do hotel. À chegada, há toalhas brancas e flores nas mesas e um rosé 100% touriga nacional da Quinta do Barranco, no Algarve, de nome Blush, que partilha a cor com o pôr do sol. Está para o salmonete com risotto de coentros e molho de laranja como o souflé de licor Grand Marnier está para o Blandy’s da Madeira, sobremesa que Pedro Sequeira não conseguiu tirar do menu.

O chef de Serpins, Coimbra, chegou há uns meses do Intercontinental Palácio das Cardosas, no Porto, e confessa que a carta levou uma reviravolta, para se aproximar ainda mais do fine dining. O pormenor e atenção são chave. Veja-se os cristais de citrinos ou o leitão 26 horas, pratos que vieram dos tempos partilhados na cozinha com Leonel Pereira no Panorama do Sheraton Hotel. Com 35 anos, Pedro tem um curriculum preenchido e sabe do que mais gosta de cozinhar: o peixe da nossa costa. Como resoluções tem ainda introduzir nos pratos os ingredientes que o Algarve lhe dá: «A Serra de Monchique aqui perto é riquíssima. Temos laranja, amêndoa, alfarroba e quero introduzir a muxama». O Algarve está aqui, ao sabor de uma garfada.

 

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