Porto: um roteiro independente pelo Largo 1º de Dezembro

O Largo de Primeiro de Dezembro é o ponto de partida para um passeio entre a Sé e a Batalha – com um pé na observação da efeméride e o outro na descoberta de uma área que, embora central, guarda segredos que muitos portuenses ainda não descobriram.

A propósito da comemoração da Restauração da Independência, que em 1640 confirmou a libertação de Portugal de sessenta anos de domínio castelhano, pusemos um alfinete no mapa sobre o Largo de Primeiro de Dezembro, uma das marcas da toponímia portuense que evocam o fim da governação da dinastia filipina.

Seria uma praça discreta, que poderia passar despercebida, não fosse a sua função fundamental para a cidade de albergar o comando metropolitano da PSP do Porto. Tirando esse movimento formal, é um tranquilo largo cheio de magnólias com as suas variações de folhas e flores ao longo do ano. E se todos conhecem alguns dos seus imponentes arredores, como a soberba Sé Catedral e a estação de São Bento, a Praça da Batalha com o Teatro Nacional de São João, nem todos conhecerão o charme popular e sincero das escadas dos Guindais ali ao lado. Nem que dali, através de uma entrada da igreja de Santa Clara (o templo mesmo ao lado que será alvo de um grande restauro) se pode aceder ao único troço da muralha fernandina que dá para percorrer a pé – até alcançar uma das melhores vistas da cidade sobre o rio Douro e as ribeiras.

Ali em redor, há outros segredos: a tasca japonesa Shiko ou ainda um dos espaços mais contemporâneos do Porto, o District. Ou ainda uma das tascas de petiscos emblemáticas da cidade, a cervejaria Gazela e os seus famosos cachorrinhos, que seduziram o chef/apresentador televisivo/crítico de comida Anthony Bourdain. De hoje em diante, também a pista de gelo que assinala a quadra natalícia do Porto. Tudo isto podem ser pontos de chegada ou pontos de partida para dali explorar a Baixa ou a Ribeira, para um roteiro central porém afastado do óbvio. Independente, no verdadeiro sentido da palavra. Viva a Independência!

O convento escondido por Germano Silva

O Largo de Primeiro de Dezembro é relativamente pequeno, na forma de um quadrado e ligeiramente inclinado, povoado de magnólias que, na época da floração, transformam o local num quadro de rara beleza. O nome evoca o dia e o mês do ano de 1640, data da Restauração, de quando Portugal se libertou da tutela espanhola. Este largo ocupa o espaço que, em tempos muito distantes, era conhecido por Carvalhos do Monte. Repare naquele portal, no lado sul do largo, à esquerda. Vamos entrar.

O que se nos depara diante dos olhos é uma pequena maravilha digna de uma aguarela. Este espaço era o pátio que antecedia a entrada para a Igreja e o Convento de Santa Clara aqui fundado, no século XV, por iniciativa de D. João I e de sua mulher, a rainha D. Filipa de Lencastre, a pedido das freiras clarissas da Regra de S. Francisco. Queixavam-se elas de que viviam em condições muito precárias, em pequenos mosteiros dispersos por várias localidades, e que era seu desejo ocuparem um só convento que lhes oferecesse melhores condições de habitabilidade e a possibilidade de, mais recatadamente, se entregarem à vida religiosa que haviam professado. A desejada casa conventual foi criada aqui, no velho sítio dos Carvalhos do Monte. A primeira pedra foi lançada em março de 1416; e as primeiras freiras entraram na nova casa em 1427. A obra só ficaria concluída em 1457. Do edifício do século XV já quase nada resta.

Como era da praxe nos conventos femininos, a entrada principal para a igreja era aberta numa parede lateral, como é o caso. Isso acontecia para permitir a construção do coro alto em frente ao altar-mor. Era dele que as monjas assistiam às cerimónias religiosas. A primitiva entrada devia ser a que está mais à direita, rasgada em arco ogival. A outra porta, a que é agora a principal, é uma construção híbrida, uma mistura de gótico e manuelino que nada tem que ver com a primitiva construção.

Germano de Sousa foi jornalista no JN durante 40 anos. Hoje, embora reformado, continua a escrever crónicas sobre a cidade à qual conhece todos os cantos. (Fotografia: Pedro Granadeiro/Global Imagens)

No frontal, por cima da porta, há dois nichos onde figuram as imagens, de pedra pintada, de S. Francisco e de Santa Clara. Nos medalhões, junto à porta, estão representadas as figuras de D. João I e de D. Filipa de Lencastre. Da construção primitiva deve ser o algeroz gótico que subsiste no recanto superior ao lado direito – é a figura de um cão com coleira.

Mais à direita, fica o portal da entrada para o convento, obra barroca datada de 1697. Avultam nesta entrada as duas colunas salomónicas, capitéis coríntios, as armas de D. João I e, num nicho, a imagem de Nossa Senhora da Conceição, esculpida em calcário. No interior da igreja sobressai a beleza da rica talha dourada que reveste toda a capela-mor, obra da primeira metade do século XVII. No lado esquerdo da capela-mor figura o brasão dos Barretos, importante família do Porto. Num dos altares da direita a nossa atenção deve fixar-se na belíssima imagem de S. João, uma obra-prima do barroco. A Igreja do Mosteiro de Santa Clara funciona atualmente como matriz da paróquia da Sé.

De novo no largo, entre as magnólias, com tempo para mais uma vista de olhos ao redor. À direita do portão, de acesso ao pátio que antecede a entrada para a igreja, depara-se-nos um edifício onde agora funciona o comando distrital da PSP. Ali também esteve o aljube (prisão). E é por isso que, ao Largo de Primeiro de Dezembro, o povo ainda chama Largo do Aljube.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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