Passeio à (re)descoberta do Porto, guiado por Germano Silva

Germano Silva tem 88 anos e faz visitas guiadas pelo Porto, quase sempre esgotadas. (Fotografia de Igor Martins/GI)
Germano Silva, o veterano dos guias, conduz-nos numa viagem pela várias épocas da cidade, e pelas da sua vida também.

Como se todas as ruas falassem

Germano leva uma vida longa – tem 88 anos -, vivida com intensidade e propósito, amparados pela leveza dos alegres. Por todas essas razões, apenas se podem destacar alguns aspectos da sua biografia, os que o levaram ao ofício de contador das histórias do Porto e a uma obra publicada de vários livros sobre histórias e lugares da cidade. O mais recente acaba de chegar às livrarias, com o título de “Porto: Profissões (quase) desaparecidas” (Porto Editora).

Ele mesmo foi um homem de várias profissões, desde que começou a trabalhar, aos 11 anos, numa fábrica até chegar, em 1956 à redação do Jornal de Notícias como colaborador desportivo. Colaborou com várias publicações e, depois de reformar, continuou a escrever crónicas sobre a cidade. E é como jornalista, e não como historiador, que se apresenta até hoje.

Germano visita a antiga oficina de balanças Ibê, ao lado da Adega do Túnel. (Fotografia de Igor Martins/GI)

É uma experiência inesquecível percorrer o Porto pela mão do Germano, assim o demonstram as suas visitas guiadas, que faz há vários anos, permanentemente com lotação esgotada. Todas as ruas e, em cada rua, cada fachada, cada recanto, cada fonte e cada jardim são para ele motivo para falar de alguém ou de algum acontecimento, com um tempero bem humorado. “O Porto é um manacial que nunca mais acaba”, sublinha aquele que a Universidade do Porto tornou Doutor Honoris causa há três anos.

Nasceu em Penafiel, mas foi viver no Porto com apenas um ano e tinha apenas 11 quando começou a trabalhar, para ajudar no sustento da família. O pai era guarda-freios, ele foi trabalhar em fábricas que já não laboram, a dos Fósforos e dos Lanifícios de Lordelo, por onde passamos nesta reportagem. Viveu sempre na dimensão popular da cidade que profusamente narra. “Até me casar, vivi sempre numa ilha, em Oliveira Monteiro; e depois na ilha do Cruzinho, no Campo Alegre”, conta. “Uma ilha não é um estendal de miséria, é uma comunidade que tem o sentido da partilha e da entreajuda”, salienta. Saltou das fábricas para o trabalho administrativo, mercê do Curso Geral de Comércio que frequentou, à noite, com 16 anos. E foi enquanto secretário no hospital de Santo António, onde assistia a urgência, que se cruzou com os jornalistas e com o jornalismo.

Por fim, a encerrar este curto e imperfeito resumo, convém narrar a história que foi causa da epifania de todas as outras que contou. Foi quando Germano, jornalista da secção Local do JN, cobria um incêndio na rua de Santa Catarina. No dia seguinte, a notícia d´O Primeiro de Janeiro suplantava a dele em rica informação – o fogo ocorrera na casa do escritor Arnaldo Gama, o que o repórter desconhecia. O seu chefe, António Brochado, deu-lhe a marcante lição: “Não saber não faz mal, não querer saber é difente. Quando não souberes como fazer, começa por contar uma história”. E assim fez Germano, até hoje. O roteiro que escolheu assinala as épocas mais importantes da cidade.

 

O ROTEIRO DE AFETOS

 

01. SÉ DO PORTO

“Foi aqui que tudo começou, no morro da Pena Ventosa”, conta Germano, com o vento frio a justificar o nome que se dava à elevação onde fica a Sé do Porto. Naquele terreiro e ao seu redor, saltam memórias da cidade a cada passo. Da fachada da Sé, onde estão marcadas em dois traços na pedra medidas das feiras medievais (a vara e o côvado), no lugar onde se terá instalado o primeiro povoado da cidade, com defensiva precaução. Por ali passou o poder espiritual e temporal, ou até mesmo a incorporação de ambos na mesma figura, já que o Porto foi governado pelos bispos entre 1120 e 1406. Passa-se pelo antigo Largo dos Açougues, agora nomeado de Dr. Pedro Vitorino, pela torre medieval e pelas “escadas da rainha”, por onde D. Teresa subiria até à catedral. Na Torre dos 24, entravam a saíam os vereadores, germinavam mudanças. “Foi nesta zona da cidade que passou toda a luta pelo poder do povo”.

A Catedral da Sé do Porto. (Fotografia de Igor Martins/GI)

 

02. JARDIM DE SÃO LÁZARO

“É um jardim romântico que marcou muito a cidade do Porto e de que gosto muito”, explica Germano, apontando os largos caminhos, o coreto e a fonte deste jardim central que abriu em 1850 e foi uma prenda do rei D. Pedro II às mulheres portuenses, em reconhecimento dos sacrifícios feitos durante o Cerco do Porto. “Era um jardim para elas se recrearem, até era proibido passar por aqui a carregar coisas, não era um espaço de trabalho”, sublinha.

O jardim de São Lázaro. (Fotografia de Igor Martins/GI)

 

03. BAIRRO DO HERCULANO

Vai-se a pé de São Lázaro até este bairro, na encosta do Bonfim onde ficavam muitas das fábricas que surgiram na cidade a partir do século XVIII, quando a industrialização converteu a cidade das quintas na cidade dos operários. O Bairro do Herculano, um encantador reduto de corredores limpos e cheios de plantas, evoca essa memória e continua habitado por portuenses antigos… e agora também alguns turistas de passagem. Chegou a ter quatro mercearias e as antigas casas de banho comunitárias são agora uma nova casa. É ainda um lugar de vibrante festa de São João e um dos lugares preferidos de Germano.

O Bairro Herculano. (Fotografia de Igor Martins/GI)

 

04. ADEGA DO TÚNEL

Esta tasca peculiar é mesmo o que diz o seu nome: está instalada num túnel e sob aquele teto abobadado já muito aconteceu. Era a tasca que Germano frequentava e onde comia quando foi operário da Fábrica de Lanifícios de Lordelo, cuja fachada um novo edifício preservou. Começou por ser armazém de farinhas das azenhas que ali havia, foi também abrigo de fugitivos e é agora refúgio de petiscos feitos por Helena Gomes, com uma carta singela de comida tradicional – das feijoadas aos rojões – no menu de almoço. Fica mesmo ao lado a oficina da fábrica de balanças Ibê, onde José Teixeira continua a executar o ofício do seu avô, que a fundou em 1947.

A Adega do Túnel (Fotografia de Igor Martins/GI)

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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