Montanhas Mágicas: Entre rios, bosques e aldeias serranas

Ladeado a sul pelo Vouga e a norte pelo Douro, há um território composto por montanhas e vales dotado de uma tranquilidade de fazer inveja às grandes cidades. Aqui, tesouros geológicos e outros atributos naturais fundem-se com tradições e costumes de um povo orgulhosamente serrano

Esta viagem começa numa fronteira, entre norte e centro, litoral e interior. Nesta zona de convergência há um conjunto de montanhas que se destaca pela sua geomorfologia particular, biodiversidade e pela história e cultura das suas gentes. O território «Montanhas Mágicas», que integra a Carta Europeia de Turismo Sustentável, abrange as serras da Freita, Arada, Arestal e Montemuro, onde paisagens rochosas se juntam a bosques verdejantes atravessados por rios, numa rica composição natural, e de atributos arqueológicos notáveis.

Percorrendo o trilho da ecopista do Vouga, que se sobrepõe à antiga linha de caminhos de ferro, por túneis de charme romanesco que abrem caminho à monumental ponte de pedra do Poço de Santiago – marco arquitetónico de Sever do Vouga, datada do início do século XX -, os tufos amarelos das mimosas em flor parecem aumentar a cada passo. Ao fundo, o seu reflexo pincela o rio que acompanha sereno o passeio, contornando as formas voluptuosas das montanhas que o cercam.

«O Vouga tem uma coisa curiosa, quanto mais descemos pelo leito, cerca de 40 por cento das plantas que encontramos são exóticas, principalmente da América e da África do Sul», explica Paulo Pereira, historiador e botânico, especialista no património natural da região. Mas não só de espécies invasoras se compõe a flora deste lugar fresco e vivaz. Carvalhos e sobreiros preenchem grande parte do vale, nas zonas mais banhadas pelo sol, e na brenha da montanha predominam os pinheiros.

Já no topo das serras reina um silêncio que aquieta. Em contraste com a vegetação vasta, da paisagem erma que se estende até ao limite do horizonte surgem cristas e livrarias quartzíticas formadas no tempo em que todo este território estava submerso – e que marca agora uma altitude média de 600 metros, atingindo os 1381 metros no seu pico mais alto, na Serra de Montemuro. Esta equilibrada moldura de afloramentos rochosos guarda fósseis de trilobites, os únicos vestígios dos seres vivos que dominaram a região há milhões de anos.

Paisagem natural e humana

Na Arada, o cenário é rasgado pelo tilintar dos chocalhos que avisam o que aí vem – um pastor com o seu rebanho de cabras. E um olhar atento nota a intervenção humana na paisagem. Percursos pedestres marcam o solo, erguem-se mariolas, usadas desde sempre pelos pastores para orientação, e as imponentes eólicas e barragens mostram a sua pequenez ao lado das montanhas que as suportam.

«A construção da barragem levou à interrupção da rota migratória de alguns peixes, como a lampreia, que já não existem em todo o rio Vouga», lembra Paulo. Mas nem por isso deixou de ser um dos pratos mais típicos da região.

Ao chegar perto, a perceção é outra e torna-se difícil ficar indiferente ao imenso véu espelhado que é a Albufeira de Ribeiradio, um sítio de onde não apetece arredar pé. Exemplo de uma construção que mudou o caudal natural do rio e a paisagem ao seu redor, o grande manto de água que se estende ao longo de 23 quilómetros cobre hoje indícios da ocupação humana na região durante o período paleolítico. É palco de várias atividades desportivas e de lazer, e um dos principais atrativos balneares da zona no verão, quando as águas chegam aos 38º C.

«A construção da barragem levou à interrupção da rota migratória de alguns peixes, como a lampreia, que já não existem em todo o rio Vouga», lembra Paulo. Mas nem por isso deixou de ser um dos pratos mais típicos da região. A chef Alice Bruçó continua a prepará-la no restaurante Quinta do Barco, a casa típica que abriu com o marido, José Mendes, em 1996, à beira rio.

«Foi o nosso projeto de vida, e quando abrimos tive o cuidado de fazer o levantamento gastronómico da região», conta. Daí resultou uma carta repleta de petiscos como arroz de lampreia, lampreia à bordalesa, açorda de bacalhau (ou de sável, quando o há), os famosos filetes ou espetadas de polvo, os rissóis de redenho e várias papas, «que esta é uma região rica em papas», lembra Alice. Para sobremesa, há que provar o gelado de mirtilo, ou não se intitulasse Sever do Vouga como a capital deste fruto, que aqui foi introduzido há mais de 20 anos.

(Fotografia: Maria João Gala/GI)

No concelho ao lado, um dos principais cartões de visita é fruto das águas sulfúreas que correm no subsolo. Resultado das falhas tectónicas da zona, afloram naturalmente à superfície a uma temperatura constante de 68,7º C. A prática termal na região tem mais de dois mil anos de história, e remonta ao domínio romano do território, no século I, do qual ainda perduram as ruínas dos antigos banhos, classificadas como Monumento Nacional em 2008.

As atuais Termas de S. Pedro do Sul, divididas em dois balneários nomeados em homenagem aos seus reais frequentadores, D. Afonso Henriques, e a rainha D. Amélia, continuam a ser procurados, tanto por razões médicas como por lazer, já que no edifício da rainha, o mais antigo, construído em 1884, funciona também um spa, onde todos os produtos utilizados são feitos com a água termal. Nesse mesmo edifício está ainda instalado um pequeno núcleo museológico dedicado à história do local.

Por estas terras os recursos naturais inspiram costumes, gastronómicos e culturais, de que é exemplo o recente festival Tradidanças. Teve a sua primeira edição no ano passado, em São Pedro do Sul, e foi criado para ocupar o espaço que resultou da deslocação do festival Andanças dali para Castelo de Vide. Apresenta-se como um festival de tradições, música, dança e natureza, e este ano realiza-se de 2 a 5 de agosto, na Serra da Arada.

Aldeias escondidas, com vitela à mesa

Entre serras, vales e rios existem a cada passo aldeias recônditas que se fundem numa paisagem singular, em perfeita harmonia com o relevo natural que as rodeia.

Na serra de São Macário, a Aldeia de Pena avista-se ao fundo de uma estrada íngreme e sinuosa que desce até ao vale, encaixada entre as montanhas que a sombreiam a maior parte do dia. Neste punhado de casas de xisto, com meia dúzia de habitantes, paira uma tranquilidade que conquista os ânimos e convida a prolongar a visita até que o cair da noite obrigue a procurar pousada noutro sítio.

O único restaurante da aldeia, a Adega Típica da Pena é paragem obrigatória para quem quiser provar os petiscos serranos. Abriu há 20 anos, pelas mãos de Alfredo e Ana Brito, ela natural da Pena, ele da Serra da Estrela. A vitela de Lafões – arouquesa, «criada aqui por mim», lembra Alfredo orgulhoso – e cabrito assados em forno a lenha são as especialidades da casa, só por encomenda. Já as carnes grelhadas no carvão há-as sempre a sair da churrasqueira ao fundo do pátio onde se aproveitam as horas de sol para almoçar, e na pequena e acolhedora sala as paredes e tetos estão forrados a pequenas peças de artesanato, chocalhos e pedaços de papel com mensagens deixadas por quem aqui passa.

E já que se fala em costumes, dizem os que já se aventuraram, que no último fim de semana de julho vale a tradicional caminhada noturna até à capela de São Macário, no topo da serra de seu nome, para chegar a tempo de ver o sol raiar para lá das encostas, na fronteira entre a noite e o dia.

De acesso bem mais fácil é o complexo Vougaldeias, em Couto de Esteves, no concelho de Sever do Vouga. Um conjunto de casas em granito recuperadas e transformadas em alojamento de turismo rural pelos pais de Patrícia Cardoso, em 2013. Naturais da Gafanha da Encarnação, apaixonaram-se pelo local e decidiram aventurar-se.«Eles sempre gostaram muito de passear e de vir para estas zonas rurais. E tudo começou como uma brincadeira, mas passou a ser uma brincadeira muito séria», lembra Patrícia.

Dividida em duas unidades, a Casa da Tulha e as Casas da Seara são compostas por 10 apartamentos de tipologia T1 e T2, e uma suíte, com vista privilegiada para o Vouga. O empreendimento inclui ainda uma área de lazer, com ginásio e piscina exterior. Mas no verão é só descer a rua de calçada tosca para chegar à margem da Albufeira de Ribeiradio e às suas águas quentes e límpidas. Pelo caminho é provável encontrar a Dona Alice, madrugadora e bem disposta, que ali ao lado comanda a cozinha do Cantinho da Eira, desde 2008, ao lado do marido, o Sr. José.

«Quando frequentei um curso de agricultura biológica perguntaram-me qual era o meu projeto de vida e eu disse que um dia gostava de restaurar uma casinha em pedra e ter uma cozinha regional», conta Alice. Bastou-lhe um empurrãozinho dos que provaram e aprovaram os seus petiscos para que assim fosse. Só abre portas por marcação e as especialidades da casa não são difíceis de adivinhar. A vitela e o cabrito assados fazem as honras, depois vem o cozido à portuguesa, e é sempre de recomendar a broa de milho caseira, acabada de sair do forno a lenha.

«As capuchas são as capas tradicionais de Montemuro. Eram usadas para proteger do frio e até para embrulhar os bebés», conta Henriqueta Félix, uma das fundadoras das Capuchinhas.

Já em Castro Daire, há uma aldeia serrana que trocou a vida no campo pela cultura. Campo Benfeito é morada do Teatro do Montemuro, uma companhia itinerante que ao longo de 20 anos tem vindo a desbravar terreno no mundo do espetáculo, a atrair atores, encenadores e dramaturgos àquela altitude, e a ganhar destaque na cena cultural do país e de além dele.

Ali ao lado, numa antiga escola primária onde antes estavam mesas, cadeiras, livros e ardósias, hoje distribuem-se teares, cones de linhas e moldes que forram as altas prateleiras. E um grupo de mulheres reinventa a tradição, movidas pelo desejo de ficarem na terra onde cresceram, sem que a agricultura fosse a única opção de vida. São as mãos e a mente por trás das Capuchinhas, uma cooperativa de artesanato onde se fazem peças de vestuário e acessórios em burel, linho e lã.

«As capuchas são as capas tradicionais de Montemuro. Eram usadas para proteger do frio e até para embrulhar os bebés», conta Henriqueta Félix, uma das fundadoras do projeto. Um par de tecedeiras e outro de costureiras trabalham com afinco para criar casacos, vestidos, calças, de design moderno, utilizando técnicas, utensílios e materiais que há muito fazem parte da tradição daquela terra. Regem-se pelos desenhos da estilista Paula Duarte, mas «a inspiração surge no momento, olhando para as paisagens», confessam, e daí resultam peças únicas e encantadoras, trabalhadas ao pormenor.

(Fotografia: Maria João Gala/GI)

Mas não só ideias é o que vão buscar ao meio que as envolve. Alguma da lã é tingida ali, utilizando folhas de nogueira, urtigas, liquens das árvores e fetos, que resultam em cores terrosas e aconchegantes.

Coisa curiosa é que assim como desde a Pré-História, a abundância natural da região tem potenciado o desenvolvimento de comunidades nestes vales e montanhas, qual simbiose, também ela se aproveita da lide destas gentes. Caso da borboleta-azul-das-turfeiras, espécie rara e uma das mais ameaçadas do país, também considerada uma das mais belas, com populações conhecidas apenas no Parque Natural do Alvão e ali, nos lameiros da serra de Montemuro, em Campo Benfeito, naquele delicado ecossistema que há gerações serve de pasto para o gado da aldeia, criando o ambiente ideal para a reprodução da borboleta, que no verão esvoaça pelos campos.

Nestas montanhas fronteiriças, de camadas sobrepostas pelo tempo, é o equilíbrio entre as diferentes formas de vida que aqui subsistem, que contribui para a magia deste lugar – escondido à vista de todos e à distância da vontade de cada um.

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