Moimenta: Em terra fria, aquece-se com vinho e gastronomia

É uma região fria por esta altura do ano, mas acolhe quem a visita com calorosa hospitalidade e boa gastronomia. Na terra a que Aquilino Ribeiro chamou do “demo”, o escritor beirão está omnipresente e até há citações das suas obras nas garrafas dos vinhos ali produzidos. Só há que chegar e descobrir.

Lá fora, está escuro como breu e o frio gela até aos ossos. É possível que os termómetros acusem temperaturas próximas de zero graus centígrados, ou menos ainda. Mas isso não importa realmente: junto ao pequeno portão da casa de turismo rural Moinhos da Tia Antoninha espera o visitante a hospitalidade aconchegante de Eduardo Rocha. De braços abertos, sob uma luz ténue e sem agasalho a condizer com a noite gelada da serra de Leomil, diz, a rir, que está acostumado ao frio rijo de Moimenta da Beira, distrito de Viseu.

O corpo há de aquecer junto à lareira da sala de jantar, por entre a cavaqueira de preâmbulo para o jantar – refeição disponível mediante pedido – que aconchegará paladar e alma. E pela porta da cozinha vão chegando as entradas. Na mesa, enchidos e cogumelos somem-se das pequenas travessas à velocidade de duas garfadas, a antecipar os pratos principais à base de carne: marrã e milhos.

Mas o cardápio desta “cozinha rude, pouco elaborada mas muito rica em sabores e saberes”, como se apresenta, é de fazer crescer água na boca.

Com mais pratos de carne do que de peixe, propõe-se servir cabrito assado na brasa, rojões de porco, chouriça com grelos, lombo de porco recheado com alheira, bacalhau assado com broa de milho, milhos com bacalhau, entre outros pratos.

O vinho servido não podia deixar de ser Terras do Demo, produzido pela Cooperativa Agrícola do Távora na ainda pouco conhecida região vinícola demarcada de Távora-Varosa, onde também se fazem os espumantes Terras do Demo, marca criada sob o signo de Aquilino Ribeiro, que em 1919 escreveu o romance homónimo e viveu parte da vida na aldeia de Soutosa, freguesia de Peva. Algumas garrafas de vinhos daquelas caves têm inscritas nos contrarrótulos citações de obras do escritor, numa homenagem idealizada pela Cooperativa, como conta Nuno Silva, vice-presidente da instituição.

Depois do repasto, ainda há de voltar-se à conversa amornada pela lareira, que por estas bandas serranas as redes de comunicação custam a vingar: não há sinal de telemóvel em todo o lado, e a Internet apanha-se somente na sala. «São os custos da interioridade da interioridade. Sim, porque estamos no interior do interior», dirá Eduardo Rocha, a quem coube em sorte, por herança familiar, este pedaço de paraíso com morada no lugar do Cabeço de Lebrais, a cerca de três quilómetros de Moimenta.

Na carta dos Moinhos da Tia Antoninha há mais carne do que peixe.

 

De manhã, acorda-se de olhos postos na serra, a descobrir-lhe os recortes verdes que a noite engolira, a escutar-lhe o silêncio e a saborear cada minuto que corre lento, tão mais lento do que no meio do bulício das cidades. Pelo pátio, os cães da propriedade passeiam-se vagarosos, pata ante pata, a saborear as primeiras horas de sol do dia, enquanto os gatos se espreguiçam naquela lassidão felina e aproveitam o calor da luz que cai sobre um dos bancos feitos a partir de cabeceiras de antigas camas de ferro.

Eduardo é sobrinho de Antónia dos Santos Rocha, a tia Antoninha – «que não teve filhos e era conhecida como menina Antoninha, por ser solteira». O pai de Eduardo herdou a propriedade e passou-lha para que pudesse abrir, em 2006, esta unidade de turismo rural e sustentável. «Estes eram conhecidos como os moinhos da menina Antoninha. Tirei o “menina” e pus o “tia”», aponta o empresário, que levou «seis anos a amadurecer o projeto» que já conquistou o prémio “Chave Verde”, certificando-o como empreendimento turístico sustentável.

«Semeia-se para se colher», lembra o antigo autarca de Leomil, que recuperou os moinhos abandonados «para evitar a questão da desertificação». «Não fiz mais do que recuperar aquilo que os meus antepassados me deixaram», declara. Mas Eduardo Rocha sabe que fez mais do que isso: manteve todas as características do espaço, conservando a traça das pequenas casas, que estão «muito bem enquadradas na paisagem», e criou um empreendimento dotado de autossuficiência energética. «Somos os únicos a nível nacional», orgulha-se, explicando ter criado uma micro hídrica que aproveita a levada do moinho. O aquecimento é feito a partir de biomassa. Tudo em nome da redução da pegada de carbono.

Pela serra, cujo topo é habitado por um grande parque eólico em que duas das 42 torres eólicas ostentam intervenções de artistas portugueses – uma de Vhils e outra de Joana Vasconcelos –, não faltam atividades para experimentar.

Como explorar a fauna e flora locais num passeio a pé, de bicicleta ou a cavalo. Ou percorrer trilhos em moto 4 e bicicleta de montanha, para os mais radicais. Além destes programas, os Moinhos da Tia Antoninha propõem também roteiros turísticos por outros pontos de interesse nas redondezas.

Deixando para trás a serra rumo à zona sul do concelho, em Soutosa encontramos a Casa-museu de Aquilino Ribeiro, escritor beirão nascido em Sernancelhe, em 1885, e que ali cresceu a partir dos 10 anos. Transformada em 1988 na Fundação Aquilino Ribeiro pelo filho mais velho do romancista, Aníbal, a velha habitação de pedra permanece tal como era na época em que viveu o autor de “Quando os lobos uivam” (1958) e do célebre clássico infantil “O romance da raposa” (1924). Ainda à sombra da tília que um dia Aquilino plantou defronte da entrada, a casa que encerra pequenos tesouros – quadros de Abel Manta, correspondência de Teixeira de Pascoaes e parte da biblioteca do escritor (os restantes oito mil volumes estão numa sala da antiga casa do caseiro, e podem ser consultados), entre tantos outros objetos – carece de reabilitação.

 

Um mecenas financiou obras em janelas e telhados, há cerca de um ano, mas muito está ainda por fazer na fundação gerida pelos municípios de Moimenta da Beira, Sernancelhe e Vila Nova de Paiva e que alberga o espólio do escritor falecido em 1963, como a secretária onde escrevia, que em 1905 lhe custou 1100 escudos, vários manuscritos e recordações da primeira mulher, Grete Tiedemann, que viria a morrer nesta casa.

De regresso à vila de Moimenta da Beira,vale a pena o desvio para conhecer a paisagem junto à Barragem do Vilar, onde também se situa o Parque Aventura Crónicas da Terra, com bar e diversas atividades de lazer durante o verão. Os proprietários são os mesmos do Solar Correia Alves, um imponente edifício brasonado do século XVII que Rosete Alves e o marido recuperaram e converteram, há 15 anos, na primeira unidade de turismo de habitação do concelho. Paredes meias com a residência da família, os hóspedes têm aqui tudo – incluindo sauna, jacúzi e uma piscina coberta – para se sentirem acolhidos como em casa, nessa tão calorosa hospitalidade beirã a que sempre apetecerá regressar.


Aventuras junto à barragem
Costuma funcionar apenas no verão, a partir do mês de junho, mas, neste ano, Rosete Alves promete que abrirá o parque aventura Crónicas da Terra já em maio. Situado na margem da albufeira da barragem do Vilar, o espaço estará operacional até agosto, com Diversas atividades de lazer, bar aberto todos os dias, entre as 14 e as 2 horas, e sala de prova de vinhos. As aventuras propostas são mais do que muitas, e o difícil será mesmo escolher: canoagem, passeios de barco, rafting, circuito de pontes, rapel, slide, escalada, percurso militar, tiro com arco e besta, paintball, minigolfe, btt, insufláveis.

Visitar as caves dos vinhos do “demo”
A produção de vinhos da Cooperativa Agrícola do Távora tem crescido a olhos vistos e de tal forma que a construção das caves “Terras do Demo”, feita em 2014 ampliando o edifício, já vai sendo insuficiente para tantas garrafas. Por isso, a previsão do vice-presidente da cooperativa, Nuno Silva, é de que haja a necessidade de “fazer outra cave dentro de dois ou três anos”. Entretanto, a atual adega pode ser visitada mediante pedido.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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