Fumeiro, queijos e passeios com a Serra da Estrela ao fundo

Para além de um cenário tranquilo onde se pode respirar fundo, este concelho tem muito para oferecer, desde queijos e enchidos a monumentos repletos de História. E a Serra da Estrela a piscar o olho.

Entre dez a vinte por cento de território ardido. É este o rescaldo dos incêndios que destruíram parte do concelho de Fornos de Algodres, sub-região da Serra da Estrela, com maior foco em três das suas doze freguesias – Maceira, Matança e Queiriz – no verão e no outono passados. Mas à semelhança do que aconteceu noutras localidades de norte a sul do país, este município do distrito da Guarda está a reagir, sem baixar os braços perante o flagelo, mostrando que ainda há muito para ver e saborear nesta região, ideal para encher os pulmões com ar puro da serra e organizar ideias com a tranquilidade do interior.

Prova disso é o novo brunch regional apresentado pelo Solar dos Cáceres, turismo rural de qualidade da aldeia de Vasco Casal, a menos de meia hora da Serra da Estrela. Com cinco quatros duplos e três twin, e uma piscina exterior envolta na natureza e com vista direta para a serra, o edifício remonta ao século XV mas foi remodelado em 2013, o que lhe deu uma estrutura e decoração mais modernas e confortáveis.

No meio é que está a virtude, já diz o ditado. E este solar encontra-se ladeado de duas capelas restauradas, a de Nosso Senhor dos Loureiros e da Nossa Senhora da Encarnação, dos séculos XVII e XV, respetivamente.

Na primeira, um fresco na zona da sacristia dá nas vistas mas ninguém lhe conhece a autoria. «Cá para mim foi o Leonardo DaVinci», ri-se o presidente da Junta de Vasco Casal, Américo Oliveira Domingues. Já a segunda é uma das únicas capelas casteladas em Portugal. E situado no cimo de uma encosta, a mesma onde também está a aldeia de Fornos de Algodres, sede de concelho, o solar aposta num brunch aos sábados, disponível para hóspedes, e composto só por produtos da região, onde se incluem, por exemplo, espargos com presunto, peixinhos da horta, broa de bacalhau, pão da Beira com chouriço, espetadas de mozarela e tomate, caldo verde, ovos mexidos, ovos verdes, alheira de urtiga, cebolas com mel, salada de laranja, leite creme e pudim de ovos. A ideia é oferecer uma alternativa à pouca oferta de restauração de qualidade no concelho.

Receber com um sorriso
Não é este, contudo, o caso da Quinta das Courelas, um dos restaurantes mais procurados do município, localizado às portas da rua que concentra mais movimento e grande parte dos empresas e negócios de Fornos de Algodres (do Jardim 28 de Maio, à farmácia, aos bancos, à Câmara Municipal e até ao único bar do concelho aberto até às 04h00, o Porta 7). Paulo Menano é o gerente e o cozinheiro deste espaço com duas décadas, um cargo que acumula com outros dois: é vice-presidente da Associação de Futebol da Guarda e o de diretor do «Notícias de Fornos de Algodres», mensal e gratuito.

Não há quem não o conheça na zona. A simpatia, boa-disposição e o carisma notam-se a milhas. «Tento fazer os pratos como a minha mãe e avó faziam, mas nunca ficam iguais», atira, entre risos. Na Quinta das Courelas, ninguém parece queixar-se e os tachos raramente regressam com comida. Aqui usam-se produtos do concelho e de pequenos produtores.

Os ex-líbris são o cabrito assado (marinado um dia antes) com batata, arros e grelos, disponível ao domingo; e as febras na telha, servidas à mesa na telha onde são confecionadas, e com um molho «secreto». «Os turistas ficam doidos com isto», ri-se o cozinheiro.

O sorriso largo é, de resto, um padrão nos habitantes deste município, habituados a viver longe da confusão e em comunidade. É também a rir que Fernanda Amaral Silva recebe quem entra no seu Fumeiro D’Amaral, situado a menos de cinco minutos a pé da Quinta das Courelas, no Mercado de Fornos de Algodres, uma montra de comércio local. «Já trabalhei em lares de idosos e jardinagem, mas este bichinho já lá andava», conta a dona deste negócio de três anos, enquanto vende mais uma chouriça de carne (14 euros o quilo), que venceu a medalha de prata na Feira Nacional de Agricultura, em 2016. Neste fumeiro também se vendem chouriça de cebola, morcela, farinheira, alheira de urtiga e paio de lombo, tudo produzido com carne de fêmea por ser «mais macia», conta Fernanda. E é perentória quando refere que não quer produzir em grande escala: «Não quero perder a qualidade», diz.

Vista panorâmica
Uma escapadela a Fornos de Algodres fica incompleta sem um salto à freguesia mais a norte, Queiriz, onde se encontra não só uma das zonas com maior altitude do concelho, pouco mais de 700 metros, como a melhor vista panorâmica do município, capaz de cortar a respiração de tão ampla que é. Trata-se da Fraga da Pena, um geomonumento da idade do Bronze que funcionava como proteção do povoado que ali vivia, entre os 4 e os 2 mil anos A.C. Há investigadores que acreditam que a Fraga da Pena era também um lugar de ritual com os deuses, nomeadamente o do Sol, perante as inscrições encontradas nas rochas.

E se, em tempos, era ali que povoados decidiam ficar e comunicar com o divino, os tempos atuais espelham outra realidade, com o despovoamento de algumas zonas. Atualmente, moram cerca de 5 mil habitantes no município. Há 50 anos, residiam 17 mil. A aldeia de Forcadas, na freguesia de Matança, é um dos locais onde isso mais se nota, com várias casas abandonadas e semi-destruídas.

É ali que se encontra um dos pontos turísticos mais visitados do concelho, a necrópole medieval de Forcadas, com 22 sepulturas cavadas no granito, o que a torna numa das maiores no país.

Com uma grande cruz à entrada, esta necrópole foi usada entre os séculos V e XV e tem sepulturas à medida dos homens e mulheres de então: 1,50 metros e 1,40 metros, respetivamente.

Também na aldeia de Forcadas encontra-se o Dólmen de Matança, anta neolítica construída oito mil anos A.C. e entretanto recuperada. Este era um dos túmulos que recebiam os corpos de pessoas importantes da região, quando morriam. Mas nem sempre foi assim. «Antes do período neolítico, os corpos eram deixados e enterrados em valas comuns, porque não havia ainda o culto do corpo», conta Bruno Rebelo, arqueólogo e guia da região, e um dos responsáveis pelo Centro de Interpretação Histórica e Arqueológica de Fornos de Algodres.

O instituto, que existe desde 2002 e pretende divulgar e preservar o património do concelho, tem em João Agostinho um dos seus vizinhos, no centro de Fornos de Algodres. É ele quem gere o Restaurante Unidos, onde o prato do dia é sempre a 10 euros e as especialidades são polvo frito com arroz de feijão e hortaliça e o bacalhau assado na brasa com feijão vermelho. Já nos doces, o leite-creme, feito com leite de ovelha e ovos caseiros, é o vencedor. «Vê-se logo a diferença na cor», revela Agostinho, que acumula o restaurante com o trabalho num banco, na porta ao lado, durante o dia. «No banco vou ganhar o dinheiro, mas o restaurante é a minha paixão», remata. E desta paixão pela serra e pelos sabores sai uma mesa posta para os visitantes.

 

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